Não agüento mais esse “nós” que não é coletivo, não leva em conta o outro, mas alguma ideia que paira solta no ar.
Não aguento mais ouvir falar em protesto contra a Copa do Mundo. Leio os jornais na internet, e todo dia me deparo com alguma notícia desse tipo. Depoimentos os mais variados, gente contra e favor, gente botando mais lenha na fogueira do que colocaria na sua lareira da salinha de televisão.
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Não agüento mais gente dizendo que o Brasil está uma porcaria, que tudo vai ruir, que estamos à beira do abismo. Pessoas conhecidas minhas ultrapassam o limite do sensato e postam horrores contra o PT, a Dilma e qualquer coisa que lembre petistas na minha página do Facebook. Na falta do limite deles, dou o meu e bloqueio ex-amigos, ex-parentes, ex-colegas de escola. Não agüento mais esse modernismo às avessas, esse achar que tocar fogo no mundo é o que há de mais verdadeiro dentro de nós. Não agüento mais esse “nós” que não é coletivo, não leva em conta o outro, mas alguma ideia que paira solta no ar, tão solta como uma pipa em dia de vendaval.
Não agüento mais ouvir gente dizendo bobagem, repetindo frase feito papagaio, gritando chavões contra a pobreza, a marginalidade, a corrupção, enquanto olha o outro de esguelha, se for pobre e necessitado, de esguelha e com indiferença. Gente que não dá bola pra ninguém, mas que se sente impelida a participar. O coletivo! Ah, o coletivo, a comunidade. Desprezo os Black Bocks e todo o sentimento narcísico de si mesmos.
Não agüento mais planozinhos de grandes ações contra o sistema. Eles são feitos ao meio-dia, por gente que come num restaurante a quilo do Rio ou um ovo cozido com salsicha num boteco de Porto Alegre ou um misto-quente em alguma lanchonete da Rua Augusta em São Paulo. São feitos por gente que come. Todos irmanados na ignorância do que é, de fato, ver o outro. Todos irmanados num descontentamento mal direcionado. Planejar contra o sistema é mais simples. Deixe de tomar coca-cola, ofereça carona ao seu vizinho que só anda de ônibus, tire os seus míseros reais do banco, desligue a televisão por uma semana. O sistema é dinheiro, money, argent, geld, cái.
Não agüento mais grandes planos de ação contra o sistema porque são feitos por gente assim, que não se importa que eles sirvam a outros interesses, muito além do boteco, da salsicha e das conversas ao meio-dia. Os interesses imiscuídos esgueiram-se pelas esquinas como ratos infectados. A nova peste se alastra pelos mouses. Ainda mais obscura do que aquela outra, mais antiga, ela é a informação carregada de segundas intenções que é despejada todos os dias, sobre todas as coisas e que, tragicamente, não pode ser curada com vacina. Nunca poderá. Para escapar a ela, é preciso aprender a se proteger da falta de discernimento.
Não agüento mais. O mundo é hoje um leilão de informações regidas por poderes obscuros vinculados a interesses políticos e econômicos. Quando se convidam pessoas a participar dele, já se sabe exatamente que lance oferecerão, até que ponto serão instigadas a aumentá-lo.
Muitas dessas pessoas, entretanto, eu diria até a maioria, sabem o que querem mas não tem a menor ideia do que é que estão arrematando.
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