quinta-feira, 5 de março de 2015

ENSAIO SOBRE A ARTE DE SER LIVRE



por Paulo Guerra-OBVIOUS


A pergunta que a maioria das pessoas mais tem dificuldade em responder é: "Quem sou eu?". Se você não sabe nem ao menos se definir, como você poderá compreender temas mais complexos como a vida, a morte, o amor e, sobretudo, a liberdade?


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Jim Morrison, poeta americano do século XX, era considerado por seus seguidores um líder messiânico, uma espécie de salvador que iria libertá-los. Perguntado numa entrevista sobre o que ele achava disso, ele respondeu o seguinte: “Isso é um absurdo. Como se pode libertar alguém que não tem coragem para levantar-se e proclamar sua própria liberdade? Acho que não é nada disso. As pessoas declaram que querem ser livres – todos afirmam categoricamente que a liberdade é o que mais almejam, e que é o bem mais precioso que alguém possa querer. Mas merda! As pessoas temem a liberdade e conservam cuidadosamente suas próprias correntes. Pela segurança... Como podem esperar de mim ou de outro a liberdade?”

Partindo desse ponto de vista, podemos perceber que o medo é o grande obstáculo que impede o homem de conquistar sua liberdade; pois além de paralisá-lo, o medo também turva a vista do homem. Inclusive, quando estamos com medo e olhamos para a janela, qualquer vulto parece ser algo tenebroso, quando na verdade nada mais é do que uma folha caindo até o chão.

Seguindo essa mesma linha de pensamento, o sociólogo Zygmunt Bauman acredita que o ser humano precisa, antes de qualquer coisa, aprender a se equilibrar. Para ele, de um lado temos a liberdade, do outro lado temos a segurança, e, no equilíbrio entre ambos os lados encontramos a felicidade. Ou seja, não podemos deixar o medo nos paralisar, mas também não devemos viver uma vida sem limites.


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Tudo  o que é sem limite, segundo os gregos antigos, não se move porque não tem para onde se mover. O ser humano, queira quer não, durante toda sua longa trajetória, tem que fazer determinadas escolhas. Cada escolha pressupõe uma renúncia. Por exemplo, se escolhemos uma opção, dentre varias possibilidades, automaticamente abrimos mão das opções não escolhidas. Ou, em outras palavras, um homem que escolhe ser médico, automaticamente abre mão de todas as outras possibilidades, de todas as outras profissões. Mesmo que algum dia ele escolha mudar de carreira, ainda assim terá que escolher uma opção dentre infinitas possibilidades. Por isso, haverá sempre um limite, pois não podemos viver todas as vidas, temos que escolher qual é a vida que vale a pena ser vivida.

Há uma ideia do filósofo alemão Friedrich Nietzsche que pode nos ajudar a pensar sobre a questão da escolha. No livro "vontade de potência", ele desenvolveu a noção do eterno retorno. Essa noção não tem nenhuma ligação com a crença espírita de reencarnação. O eterno retorno é na realidade um critério sofisticado de seleção, uma forma de separar a vida medíocre da vida que vale a pena ser vivida. Nietzsche propõe que, antes de fazermos uma escolha, nós deveríamos nos perguntar se realmente desejamos vivenciar essa escolha infinitas vezes. Eis, portanto, a pergunta que deve ser respondida com rigor: você gostaria de viver a vida que você está vivendo mesmo se soubesse que ela se repetirá inúmeras vezes? Infinitas vezes? Eternamente?

Poeticamente falando, posso também dizer que essa dúvida, caso seja profundamente analisada, pode se transformar numa barreira que precisa ser ultrapassada, pelo bem do próprio homem. Toda dificuldade encontrada pode facilmente servir de alicerce, do mesmo modo que o limite que a morte nos impõe pode potencializar a vida. Ser livre, em certa medida, pressupõe certa qualidade em montar um mosaico repleto de sabedoria, utilizando tão somente o pincel recebido pela imaginação, isto quer dizer que o lado irracional do homem conhece infinitos caminhos para criar a própria liberdade – no sentido mais amplo do termo.

Evidentemente, não podemos deixar de arriscar, seguir a intuição é uma forma de criar atalhos, de chegar um pouco mais longe, contrariando a lógica do limite das leis, encaixando um bloco de cada vez, isto é, formando por meio do hábito e do trabalho – o ato e a palavra – um novo caminha mais amplo, arejado e, sobretudo, livre.



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A estética faz parte da liberdade, um bom discurso possui a capacidade de persuadir a multidão, por isso Freud tenta ensinar aos seus pacientes – através do discurso automático – quão potente é a palavra e os seus signos. Falando, quase que sem pensar, a histérica descobre em si mesma o remédio e a causa de sua doença. Aos poucos, percebemos duas coisas: em primeiro lugar, a importância de não se reprimir para libertar-se das próprias correntes; e, em segundo lugar, a importância de aprender a pensar, pois o pensamento é feito de palavras tal qual a fala. Ou seja, tanto para pensar quanto para falar é preciso saber brincar com as palavras, saber contar a própria história de uma perspectiva diferente, sem repressões consigo mesmo.

Mas, uma pergunta ainda não foi feita, onde encontrar os subsídios necessários para o homem que ainda está preso? Ele quer escapar, mas como fazê-lo? No que consiste a arte de ser livre? 

Primeiramente, para ser curto, não há uma tabela dizendo o que é certo e o que é errado. Somente a experiência poderá refletir, como um espelho, aquilo que realmente somos. Talvez, minha última loucura seja a de me acreditar livre; afinal, a liberdade é o efeito do embate entre o ilimitado e o limitado. Não é, por isso, um estado natural. É, mais especificamente, uma conquista diária. A imagem da criança construindo um castelinho de areia mesmo sabendo que o castelinho irá desmoronar ainda é a imagem que eu mais gosto de usar para descrever o que é a liberdade: um espaço no tempo para construir, realizar, transformar o pensamento em ação, enfim, um espaço para sermos aquilo que realmente somos.





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