FRONTEIRAS DO PENSAMENTO
Carlo Ginzburg* | Alguém já escreveu que a internet é um instrumento democrático. Tomada ao pé da letra, essa afirmação é falsa. Eu gostaria de corrigi-la acrescentando: a internet é um instrumento potencialmente democrático.
No atual momento, o lema da internet está encapsulado nas palavras politicamente incorretas de Jesus: “a quem tem, mais será dado" (Mateus 13, 10-12). Em vez de reduzir as distâncias atreladas à hierarquia social, a internet as exacerba. Para levar a cabo uma pesquisa navegando na web, nós precisamos saber como dominar os instrumentos do conhecimento: em outras palavras, nós precisamos dispor de um privilégio cultural que, como posso dizer com base na minha própria experiência pessoal, é como uma regra ligada ao privilégio social.
As escolas precisam da internet, mas a internet precisa de uma escola onde o ensino real acontece. A internet não apenas remete aos livros como também pressupõe livros. Aqui alguém poderia apresentar a seguinte objeção: mas qual é a diferença entre uma página de um livro lido na tela de um computador e uma página de papel impresso? Por princípio, nenhuma (mesmo se alguém, como irei dizer mais tarde, tiver uma opinião diferente). Mas o livro aqui é uma metáfora: é o instrumento que nos ensina a dominar a extraordinária velocidade da internet. De modo a ser capaz de usá-la, você precisa aprender a “ler devagar": a definição de filologia segundo Nietzsche, filólogo antes de se tornar um filósofo.
A leitura lenta é a filologia ao alcance de todos. Quem quer que tenha aprendido a ruminar por uma hora diante de uma frase ou palavra pode se aventurar sem muitos riscos pela vertigem da internet. Não sou capaz de supor a trajetória inversa. Digo mais ainda: não consigo imaginar que alguém possa aprender sozinho, sem modelos, a prática profundamente artificial da leitura lenta. Daí a internet, de modo a ser usada devidamente (digamos que de acordo com um milionésimo do seu poder), pressupor não apenas os livros mas também aqueles que ensinam a ler livros — ou seja, professores em carne e osso.
*Este texto é um excerto da conferência A história na Era Google, proferida pelo historiador italiano, Carlo Ginzburg, no Fronteiras do Pensamento. A fala de Ginzburg pode ser lida na íntegra na obra Pensar o contemporâneo. Assista à edição da conferência abaixo:
Nenhum comentário:
Postar um comentário