“Por favor, tenham cuidado quando abrirem suas bagagens após o desembarque e lembrem-se que ainda há tempo de fazer uma doação para o nosso programa de jovens nas favelas. Sua doação pode ajudar um jovem a sair de uma vida de miséria, drogas e pobreza.” O piloto que pousou minha aeronave no aeroporto internacional do Galeão, resumiu em três palavras os estigmas mais comumente conhecidos sobre as favelas.
A palavra favela é normalmente traduzida para as seguintes palavras: slum, shantytown, squatter community ou ghetto. Cada uma dessas palavras carrega uma conotação negativa: slums implica miséria, shantytown sugere moradia precária, squatter community induz ilegalidade e ghetto pressupõe violência. Nenhuma dessas definições faz justiça a riqueza cultural e ao reconhecimento histórico da favela na história brasileira.
Nesse artigo eu pretendo apresentar um pequeno resumo sobre a origem do termo”favela” e como e de onde os estereótipos sobre a favela são originados. A primeira vez que o termo favela foi encontrado, no século 19, dicionários portugueses referiam-se a árvore favela muito comum na Bahia.
Depois da Guerra de Canudos, na Bahia (1895 – 1896), soldados do governo que moraram entre as árvores favela, marcharam rumo ao Rio de Janeiro para aguardar seus pagamentos. Eles se instalaram em um dos morros do Rio, e renomearam o morro como “Morro da Favela”, em referência a árvore arbustiva nativa da localidade onde ocorreu a vitória contra os rebeldes de Canudos. O governo nunca pagou o soldo, e os soldados, não saíram, criando-se assim a primeira favela. Se as favelas eram ocupadas antes por soldados vitoriosos, como surgiu a conotação negativa conhecida hoje? O desenvolvimento da representação estereotipada da favela pode ser dividida em quatro períodos, tanto no aspecto popular quanto acadêmico. Esses períodos começam por volta de 1900.
O primeiro período varia entre 1900 até 1940 e precede o desenvolvimento das ciências sociais no Brasil. Várias descrições da favela surgiram da forma jornalística ou através de escritas históricas. O mais conhecido exemplo vem do famoso livro de Euclides da Cunha “Os Sertões” que aborda a Guerra dos Canudos. A descrição do autor sobre litoral X interior como oposição entre culto X culto é aplicado para explicar a diferença entre favela X cidade.
Esta imagem da favela foi confirmada por arquitetos, assistentes sociais e doutores que entraram nas comunidades por volta de 1900. Nas suas pesquisas a favela foi descrita como insalubre e sexulaizada. Esse período foi muito importante, pois foi criada uma imagem de representação popular que predominou durante todo século 20 e ainda predomina no século 21.
O segundo período vai de 1940 até meados de 1960. No início dos anos 40, as favelas eram vistas como um problema social que dificultava o planejamento urbano da “Cidade Maravilhosa.” Em 1950 o IBGE( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizou o primeiro censo nas favelas. No censo o IBGE concluiu que existiam 58 favelas com 169.305 habitantes. As estatísticas oficiais demonstraram que somente 7% de toda a população do Rio de Janeiro moravam em favelas naquela época e que a grande maioria eram formadas por trabalhadores pobres o que deu um certo ar negativo a imagem da favela.
O terceiro período começou por volta de 1965 e demonstra um crescimento exponencial no número de publicações sobre as favelas. Esse período pode ser descrito como o momento em que a favela se torna objeto de pesquisa acadêmica. As favelas vem crescendo em tamanho desde a crise imobiliária dos anos 40 e o aumento da migração do interior para o Rio de Janeiro expandindo ainda mais essas comunidades. Com crescimento exponencial das favelas, aumentou também sua visibilidade.
Como a sociedade civil Brasileira se expandiu, a atenção de muitas ONGs se voltaram para as favelas, e as ONGs entram cada vez mais nessas comunidades iniciando programas e realizando suas próprias pesquisas, aumentando o corpo literário sobre o assunto. Esse período é particularmente importante para as favelas, porque houve um aumento de estudo de casos levando a uma imagem mais diferenciada dessas comunidades livrando-os de sua imagem negativa nos círculos acadêmicos. E com essa imagem mais sensível, estamos entrando no quarto período das favelas que começou por volta de 2010.
No entanto, em conversas diárias na loja de sucos da esquina ou no desembarque no aeroporto do Galeão, as pessoas continuam a referir-se a favela de forma negativa. No editorial de economia do jornal O Globo de domingo, a favela é descrita finalmente com chance de ter sucesso como comunidade, “Agora que o Estado entrou e o tráfico saiu” (Editorial Econômico, Jornal O Globo, 12/12/2012).
Nem as conversas de esquina ou os jornalistas que trabalham para o jornal O Globo, contribuem para a mudança visão enraizadas sobre a favela.
A fim de mudar essa imagem, o primeiro passo seria referi-se a favela de uma forma verdadeira. A favela não pode ser vista como lugar de miséria, drogas e crimes, mas que pode ser definido e representado como um local estruturado horizontalmente com comunidades solidárias, constituídas por pessoas que trabalharam pesado, gastando seu tempo e recursos investindo e construindo suas comunidades praticamente sem ajuda do governo.
Favelas não são “lugares de pobreza”, as pessoas que moram nessas comunidades não são ignorantes ou complacentes. É justamente o oposto, eles possuem o espírito “do faça você mesmo” e o “construa por você”, uma mentalidade com a qual a sociedade brasileira tem muito a aprender.
Fontes utilizadas e recomendadas:
Arias, Desmond E.
2006 Drugs and Democracy in Rio de Janeiro: Trafficking, Social Networks and public Security. Chapel Hill: North Carolina University Press.
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Goldstein, Donna M.
2003 Laughter out of place: Race, Class, Violence, and Sexuality in a Rio Shanty Town. Berkeley: University of California Press.
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Perlman, Janice
1976 The Myth of Marginality, Urban Poverty and Politics in Rio de Janeiro. Berkeley: University of California Press.
2010 Favela: Four decades of Living on the Edge in Rio de Janeiro. Oxford: Oxford University Press.
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Pino, Julio C.
1997 Family and Favela: the Reproduction of Poverty in Rio de Janeiro.
Westport: Greenwood.
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Portes, Alejandro
1979 Housing Policy, Urban Poverty, and the State: The Favelas of Rio de Janeiro, 1972-1976, Latin American Research Review, 14(2):3-24.
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Valladares, Licia
2006 La favela d’un siècle à l’autre. Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme.
2009 Social sciences representations of favelas in Rio de Janeiro: A Historical perspective, LLILAS Visiting Resource Professor Papers, 1- 31.
2006 La favela d’un siècle à l’autre. Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme.
2009 Social sciences representations of favelas in Rio de Janeiro: A Historical perspective, LLILAS Visiting Resource Professor Papers, 1- 31.
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