O grupo ainda tem desafios e contradições, como conciliar os esforços pela inclusão social com a lógica excludente do mercado
Por Vagner Freitas e Rosane Bertotti
Contrariando prognósticos do mercado, a VI Cúpula dos BRICS, realizada em Fortaleza-CE, tirou o bloco do papel e avançou além dos discursos diplomáticos. A criação de um novo banco de desenvolvimento e de um “mini-FMI” integrou efetivamente as economias dos cinco países membros. Em encontros paralelos, organizações sindicais e da sociedade civil cobraram mecanismos de participação social e transparência nas decisões. A Presidenta Dilma Rousseff ouviu atentamente a reivindicação de representantes dos trabalhadores e se comprometeu a apoiar a criação do Conselho Laboral dos BRICS.
Desde junho de 2009, o processo de construção política dos BRICS vem gerando tanto entusiasmo quanto ceticismo na opinião pública internacional. Mas, nos últimos meses, a campanha de negativismo da mídia, com claro enfoque eleitoral, contaminou diversas áreas, até o futebol, a tão falada unanimidade nacional. Com isso, prevaleceu a tese de que os BRICS não passariam de um conjunto de letras soltas, um bloco partido por interesses divergentes ou, ainda, um fracasso total.
Novas siglas surgiram no vocabulário econômico e o banco de investimentos Goldman-Sachs divulgou artigo sugerindo o agrupamento dos “Próximos 11” (Next 11), os mais promissores países emergentes: Bangladesh, Egito, Indonésia, Irã, Coréia do Sul, México, Nigéria, Paquistão, Filipinas, Turquia e Vietnã. Nos últimos anos surgiu também a ideia dos MINT (reunindo México, Indonésia, Nigéria e Turquia) e, finalmente, dos CIVETS (Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul). Esses agrupamentos seriam alternativas mais viáveis à suposta inoperância dos BRICS.
O que não foi levado em consideração pelos analistas é que nenhuma dessas siglas conta com um país com o peso da China. Isso sem contar que a diferença fundamental entre todas é que os BRICS foram – pelo menos até agora – a única destas siglas abstratamente criadas pelo mercado financeiro a conseguir dar o salto político para a vida real e se converter de fato em uma articulação intergovernamental complexa e de amplo alcance. Apesar de se movimentar com relativa lentidão e em um contexto de grandes diferenças entre as nações que o compõem, os BRICS têm mostrado uma persistente vontade política para construir sinergia em diversos campos de cooperação.
#VaiterBRICS
Ofuscada pela proximidade com a final da Copa do Mundo de Futebol, a VI Cúpula dos BRICS – “Crescimento inclusivo: soluções sustentáveis” –, significou, contudo, um divisor de águas na curta história desta coordenação de países. Isso não apenas pelos importantes resultados produzidos na Cúpula em si, mas também pelo que representaram na região as visitas de Vladimir Putin (a Uruguai, Cuba, Bolívia e Venezuela) e Xi Jinping (a Argentina, Cuba e Venezuela).
Além disso, interesses regionais foram debatidos na reunião dos BRICS com os presidentes da Unasul (incluída aí a antiga agenda de infraestrutura da IIRSA e a questão dos fundos abutres), ocorrida em Brasília sob a coordenação do Itamaraty, que repetiu o modelo da V Cúpula em Durban, quando se encontraram com outros governos africanos, numa clara intenção de estender relações com regiões inteiras por meio da liderança geopolítica de cada um dos membros BRICS. A maré de ceticismo cedeu lugar a uma expectativa sobre os seus próximos capítulos.
Como se sabe, os dois mais importantes resultados desta VI Cúpula foram a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (com sede em Xangai) e do Acordo Contingente de Reservas, que mobilizarão 150 bilhões de dólares. Anos após a emergência dos BRICS como um bloco de questionamento ao status quo do sistema multilateral, a fundação dessas duas novas instituições concretiza o desejo de uma maior independência político-econômica.
Nas entrelinhas, isso significa que não há acordo de que as políticas de austeridade no combate à crise, promovidas pelo FMI, Banco Mundial, Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB, dominado pelo Japão), e Banco Central Europeu – representem de fato uma solução. Ao mesmo tempo, se reitera a demanda dos BRICS por estruturas de governança global mais democráticas, leia-se, reforma e revalorização do combalido sistema ONU e reforma do próprio FMI.
A Declaração de Fortaleza é bastante ampla e elenca ainda esforços de cooperação dos BRICS em diversas outras áreas, dentre as quais se destacam a construção de um cabo submarino de comunicação via internet próprio, o“BRICS cable”, que não passará pelo controle dos EUA; a cooperação entre empresas estatais dos BRICS; a criação de uma rede universitária e o reconhecimento mútuo de diplomas superiores; a assinatura de um memorando de cooperação em Inovação, Ciência & Tecnologia; a cooperação entre os Ministérios do Trabalho e Emprego para políticas de inclusão social; e até mesmo um “Diálogo para o Planejamento de Política Externa”. A Rússia já sinalizou que a próxima Cúpula dos BRICS na cidade de Ufa, em julho de 2015, colocará ênfase também na área de Energia e poderá resultar na criação de um fundo de reserva energética dos BRICS.
Desafios políticos e sociais
Do ponto de vista político-econômico os encontros em Fortaleza e Brasília podem ser considerados um grande sucesso. No entanto, apesar dos avanços obtidos na VI Cúpula, não houve qualquer definição por parte dos governos sobre o que entendem por desenvolvimento sustentável e o principal desafio dos BRICS parece continuar sendo o de cumprir os seus próprios objetivos expressos na Declaração de Fortaleza: “simultaneamente atingir crescimento[econômico], inclusão [social], proteção [alimentar e energética] e preservação [ambiental e climática]”.
Até agora, os modelos de desenvolvimento em curso em cada um dos países mostram tanto avanços quanto conflitos e contradições em todas essas dimensões. Esforços pela inclusão social convivem com a lógica excludente do mercado. Altos níveis de desigualdade social; condições precárias de saúde pública e saneamento básico; baixos índices de escolaridade; desemprego e baixa qualificação profissional; exploração intensiva de recursos naturais; degradação ambiental; conflitos com comunidades locais; e violações aos direitos humanos são alguns dos aspectos cotidianos da realidade de uns ou outros dos países BRICS. Se, por um lado, o seu PIB conjunto representa hoje 21% do PIB mundial, por outro, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio dos BRICS ainda se encontra em nível muito inferior à média da OCDE.
Um dos maiores desafios dos países do BRICS reside nos seus respectivos mercados de trabalho: seja na qualificação da mão de obra, na geração de emprego formal, ou na distribuição da renda, o mundo do trabalho é chave para todas essas nações, especialmente por serem baseadas em economias de viés produtivo. Para debater essas questões laborais, o III Fórum do BRICS Sindical aconteceu em paralelo à Cúpula oficial e contou com a participação do Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, do Presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), João Felício, e de seis centrais sindicais brasileiras (CUT, Força Sindical, UGT, CTB, CGTB e CNPL) e mais seis dos outros países BRICS (FNPR da Rússia, CITU e HMS da Índia, ACFTU da China, COSATU e FEDUSA da África do Sul).
O Fórum terminou com a aprovação de uma Declaração Final que foi entregue à presidenta Dilma Rousseff pelo presidente da CUT, Vagner Freitas, acompanhado de uma delegação de trabalhadores/as dos cinco países. A principal proposta apresentada é a criação de um Conselho Laboral que possa contribuir com a formulação de políticas de inclusão social, além de dialogar com as iniciativas do já existente Conselho Empresarial. “Na próxima reunião acho que já dá para vocês participarem. Eu assumo com vocês esse compromisso. É uma questão de simetria. Se os empresários podem fazer o seu fórum e apresentar suas propostas, os trabalhadores também têm esse direito”, declarou Dilma. Além de demandar a participação social, a Declaração critica as políticas de austeridade praticadas no combate à crise e defende a valorização do trabalho como um objetivo estratégico das políticas de desenvolvimento dos governos BRICS.
Os BRICS saíram do papel, calaram os pessimistas e mostraram que, juntos, os países do bloco têm força para se opor ao domínio da economia americana e europeia, criando seus próprios instrumentos de financiamento.
*Vagner Freitas é presidente da Central Única dos Trabalhadores e Rosane Bertotti é secretária executiva da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip)
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