segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

PATATIVA DO ASSARÉ


Biografia, obras, poemas, repentes, literatura de cordel e outras informações sobre sua vida
Patativa do Assaré
Patativa do Assaré: compositor, poeta e improvisador



Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. É o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Foi casado com D. Belinha, de cujo consórcio nasceram nove filhos. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956, Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Está sendo estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel. Patativa do Assaré era unanimidade no papel de poeta mais popular do Brasil. Para chegar onde chegou, tinha uma receita prosaica: dizia que para ser poeta não era preciso ser professor. 'Basta, no mês de maio, recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão', declamava.

Cresceu ouvindo histórias, os ponteios da viola e folhetos de cordel. Em pouco tempo, a fama de menino violeiro se espalhou. Com oito anos trocou uma ovelha do pai por uma viola. Dez anos depois, viajou para o Pará e enfrentou muita peleja com cantadores. Quando voltou, estava consagrado: era o Patativa do Assaré. Nessa época os poetas populares vicejavam e muitos eram chamados de 'patativas' porque viviam cantando versos. Ele era apenas um deles. Para ser melhor identificado, adotou o nome de sua cidade.

Filho de pequenos proprietários rurais, Patativa, nascido Antônio Gonçalves da Silva em Assaré, a 490 quilômetros de Fortaleza, inspirou músicos da velha e da nova geração e rendeu livros, biografias, estudos em universidades estrangeiras e peças de teatro. Também pudera. Ninguém soube tão bem 
cantar em verso e prosa os contrastes do sertão nordestino e a beleza de sua natureza. Talvez por isso, Patativa ainda influencie a arte feita hoje. O grupo pernambucano da nova geração 'Cordel do Fogo Encantado' bebe na fonte do poeta para compor suas letras. Luiz Gonzaga gravou muitas músicas dele, entre elas a que lançou Patativa comercialmente, 'A triste partida'. Há até quem compare as rimas e maneira de descrever as diferenças sociais do Brasil com as músicas do rapper carioca Gabriel Pensador. No teatro, sua vida foi tema da peça infantil 'Patativa do Assaré - o cearense do século', de Gilmar de Carvalho, e seu poema 'Meu querido jumento', do espetáculo de mesmo nome de Amir Haddad. Sobre sua vida, a obra mais recente é 'Poeta do Povo - Vida e obra de Patativa do Assaré' (Ed. CPC-Umes/2000), assinada pelo jornalista e pesquisador Assis Angelo, que reúne, além de obras inéditas, um ensaio fotográfico e um CD.
Como todo bom sertanejo, Patativa começou a trabalhar duro na enxada ainda menino, mesmo tendo perdido um olho aos 4 anos. No livro 'Cante lá que eu canto cá', o poeta dizia que no sertão enfrentava a fome, a dor e a miséria, e que para 'ser poeta de vera é preciso ter sofrimento'.

Patativa só passou seis meses na escola. Isso não o impediu de ser Doutor Honoris Causa de pelo menos três universidades. Não teve estudo, mas discutia com maestria a arte de versejar. Desde os 91 anos de idade com a saúde abalada por uma queda e a memória começando a faltar, Patativa dizia que não escrevia mais porque, ao longo de sua vida, 'já disse tudo que tinha de dizer'. Patativa morreu em 08 de julho de 2002 na cidade que lhe emprestava o nome.

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ
ARTE MATUTA
Eu nasci ouvindo os cantos
das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.
Sem poder fazer escolhas
de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.
Quando canta o sabiá
Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorgeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.
* * *
O QUE MAIS DÓI
O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau.
* * *
MINHA SERRA
Quando o sol nascente se levanta
Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra
Em cada galho um passarinho canta.
Que bela festa! Que alegria tanta!
E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia a cabra berra
Tudo saudando a natureza santa.
Ante o concerto desta orquestra infinda
Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem.
Beijando a choça do feliz caipira,
Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.
* * *
APOSENTADORIA DE MANÉ DO RIACHÃO
Seu moço, fique ciente
De tudo que eu vou contar,
Sou um pobre penitente
Nasci no dia do azá,
Por capricho eu vim ao mundo
Perto de um riacho fundo
No mais feio grutião
E como ali fui nascido,
Fiquei sendo conhecido
Por Mané do Riachão.
Passei a vida penando
No mais crué padicê,
Como tratô trabaiando
Pro filizardo comê,
A minha sorte é trucida,
Pra miorá minha vida
Já rezei e fiz promessa,
Mas isto tudo é tolice,
Uma cigana me disse
Que eu nascí foi de trevessa.
Sofrendo grande cancêra
Virei bola de biá
Trabaiando na carrêra
Daqui, pra ali e pra aculá,
Fui um eterno criado
Sempre fazendo mandado
Ajudando aos home rico,
Eu andei de grau em grau
Taliquá o picapau
Caçando broca em angico.
Sempre entrando pelo cano
E sem podê trabaiá,
Com secenta e sete ano
Percurei me apusentá,
Fui batê lá no iscritoro
Depois eu fui no cartoro,
Porém de nada valeu,
Veja o que foi, cidadão,
Que aquele tabelião
Achou de falá pra eu.
Me disse aquele iscrivão
Frangindo o côro da testa:
- seu Mané do Riachão,
Este seus papé não presta,
Isto aqui não vale nada,
Quem fez esta papelada
Era um cara vagabundo,
Pra fazê seu apusento
Tem que trazê documento
Lá do começo do mundo.
E me disse que só dava
Pra fazê meu apusento
Com coisa que eu só achava
No Antigo Testamento,
Eu que tava prazentêro
Mode recebê dinhêro,
Me disse aquele iscrivão
Que precizava dos nome
E também dos subrinome
De Eva e seu marido Adão.
E além da identidade
De Eva e seu marido Adão
Nome de niversidade
Onde estudou Salomão
Com outras coisas custoza,
Bem custoza e cabuloza,
Que neste mundo revela
A Escritura Sagrada,
Quatro dente da quêxada
Que Sansão brigou com ela.
Com manobra e mais manobra
Pra puder me aposentá,
Levá o nome da cobra
Que mandou Eva pecá
E além de tanto fuxico,
O registro e o currico
De Nabuco Donozô,
Dizê onde ele morreu,
Onde foi que ele nasceu
E aonde se batizô..
Veja moço, que novela,
Veja que grande caipora
E a pió de todas ela
O sinhô vai vê agora,
Para que me apusentasse,
Disse que também levasse
Terra de cada cratéra
Dos vulcão dos istrangêro
E o nome do vaquêro
Que amansô a Besta Fera.
Iscutei achando ruim
Com paciênça fraca
E ele oiando pra mim
Com os óio de jararaca
Disse: a coisa aqui é braba
Precisa que você saba
Que eu aqui sou o iscrivão,
Ou estas coisa apresenta,
Ou você não se apusenta,
Seu Mané do Riachão.
Veja moço, o grande horrô
Sei que vou morrê dipressa,
Bem que a cigana falou
Que eu nasci foi de trevessa,
Cheio de necessidade
Vou vivê da caridade,
Uma ismola cidadão!
Lhe peço no Santo nome,
Não dêxe morrê de fome
O Mané do Riachão.


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