terça-feira, 7 de julho de 2015

Eu não sou MAJU



Por: Mônica Raouf El Bayeh 


Eu não sou Maju. É isso mesmo que você está lendo. Gosto muito da apresentadora do tempo do Jornal Nacional, na rede Globo. Maju é charmosa, carismática, desenvolveu um estilo próprio. E, ao contrário de alguns apresentadores que, vira e mexe, aparecem com umas roupas esquisitas, Maju é linda, inteligente e impecável sempre.

Maju é caprichada. Deu um toque de diferença. Conquistou seu lugar. Incomodou? Incomodou como todos os que têm brilho próprio. Como só os que sabem abrir seus caminhos podem fazer.


O que incomodou não foi Maju ser negra. Foi ser boa, brilhante no que faz. Maju poderia ser branca, amarela, verde. Incomodaria de qualquer forma. Porque ela é ótima. Pessoas foscas são velas sem pavio. Na falta de chama própria, sopram para apagar a dos outros. O brilho de quem faz sucesso queima os fracassados como cruz para vampiros.

Maju merece o carinho e as defesas que recebeu. É fácil dizer que é Maju e defender a apresentadora. Difícil é defender os negros pobres. Os que, sem casa, vivem pelas ruas. Os que, sem estudo, perambulam a esmo. Os que, sem saúde, morrem anônimos nas macas públicas.

Não sou Maju. Não enquanto bandido branco riquinho for tratado de “jovem” e “criança” e criança negra pobre for chamada de bandido e marginal.


Não sou Maju. Porque negamos aos nossos pobres meninos o direito à saúde, moradia e educação de qualidade. Negamos vez, negamos voz. Depois gritamos pela diminuição da maioridade penal deles. Importante deixar claro: só a deles.

Ninguém grita a favor da maioridade penal pensando em filhos mimados de classe alta que queimam índios na rua. Queremos que prendam os pobres, para que a gente possa usar o cordão de ouro em paz. Andar sem medo a qualquer hora por aí.


Pedimos a diminuição da maioridade penal como quem coloca grades na casa. Só mais uma proteção. Não vemos que nossos meninos são o retrato cru e nu da injusta realidade social que beneficia quem tudo tem e abandona os desvalidos.

Eles são o sintoma da sociedade cruel onde vivemos. Vivemos, votamos e nos vendamos. Somos surdos e cegos para as misérias dos que não são atendidos.

Estamos num país onde nossos impostos vão para bolsos ricos. E os pobres são abandonados à própria sorte. Pagamos e caro. Somos extorquidos em nossos salários. Já sabendo da falta de retorno, ainda pagamos escolas e planos de saúde. E quem não pode? E quem não tem de onde tirar?

Não sou Maju enquanto os professores fizerem greve, e apanharem nas ruas , sem que ninguém se levante em seu apoio. Os professores do município do Rio estão sendo descontados até hoje, um ano depois, pela greve que fizeram. Quem é #eusouprofessordescontado? Oi? Alguém?

Não sou Maju enquanto nossos filhos nascerem lindos, fortes, saudáveis e aos pobres, sem as mesmas condições, forem negados remédios básicos, exames e um olhar de dignidade.

Maju merece respeito, claro. O preconceito contra Maju é nojento. Precisa ser investigado e punido. Nem tenho dúvida de que serão. Se perderam na pequenez de alma que emburrece as mentes. Mergulhados no azedume que limita horizontes. Só aguardar. Não demora, já vamos saber quem foi.

Mas não podemos perder de vista que o que aconteceu com Maju é só a ponta de um iceberg podre que fecha os olhos para o que não se quer ver. Mesmo iceberg que maltrata, discrimina e escolhe como réu as mesmas e pobres vítimas que faz.

Dou aula para crianças pobres. Enxergo nelas muitas Majus em potencial: lindas, criativas, inteligentes, falantes. Quantas sobreviverão à falta de saúde? Às balas perdidas? À violência de todo lado? Quantas terão a chance de um futuro minimamente digno com nossa educação cada vez mais sucateada?

É fácil dizer que somos uma Maju que é linda, bem sucedida. E cheirosa! Sim Maju tem jeito de quem é cheirosa.


Difícil é ser pobre, feio, mal vestido, fedorento, cheio de remela, sem remédio, sem aula, sem merenda, sem casa, sem família. E ameaçado de ser punido aos dezesseis pelo que não recebeu a vida inteira.

Em linguagem meteorológica, eu diria que a previsão para o amanhã desses meninos é de tempo fechado. Com direito a Raios e tempestades de raivas e ressentimentos para todo lado. Não há porque se espantar. Quem planta ventos, colhe mesmo tempestades.

Vocês todos que são Maju, sejam também Maria, Ana, Jessica, Wesley, Samantha, Jenifer, Jefferson, Kettlen, Uoston. Sejam todos os meninos sem rosto e sem nome que a gente finge não ver.

Quem sabe dessa forma, o tempo ameniza para o lado deles. As nuvens se dissipem. E eles também consigam, um dia, chegar a ser Maju. Essa é uma cena que eu aplaudiria de pé.

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