domingo, 5 de julho de 2015

Ota Benga, um pigmeu no zôo de Nova Iorque

Ota Benga, um pigmeu no zôo de Nova Iorque
É uma história velha como o homem. No ano 2270 a.c., um explorador egípcio chamado Herkhuf viajou ao Sudão a procura de tesouros. Voltou carregado de marfim, ébano, borracha aromática e peles, mas nenhum destes presentes satisfez mais ao faraó Pepi II, de oito anos, que um bailarino pigmeu procedente das tribos sudanesas. Causou sensação na corte, e por isso Herkhuf foi coberto de esplêndidos presentes.
Quatro milênios mais tarde, nos EUA, a terra dos novos faraós, repetiu-se o episódio. Com contornos mais sangrentos inclusive. Ota Benga, um pigmeu levado do Congo em 1904, acabou sendo exibido na jaula dos gorilas do zoológico de Nova York.



Ota Benga, um pigmeu no zôo de Nova Iorque

Hoje os aproximadamente 250.000 pigmeus que vivem entre Camarão, Congo e Gabão estão ameaçados pelos conflitos étnicos. As guerrilhas na República Democrática do Congo consideram-nos uma espécie subumana cuja carne confere poderes mágicos a quem a consome. O desflorestamento, promovida pelos fazendeiros, mas sobretudo pelas companhias madeireiras européias e chinesas, está destruindo as sua áreas de moradia, e a cada vez mais são vistos vagando por grandes cidades como Mombaça, onde sobrevivem com trabalhos ocasionais ou se dedicando à prostituição. Exatamente o mesmo que acontece com os índios em algumas regiões da amazônia com destaque para as maiores cidades de Rondônia.

O lacerante exemplo de Ota Benga, serve para recordar uma das mais vergonhosas feridas abertas pelo homem branco na África.

Em 1888 o rei belga Leopoldo II, o dono do Congo, organizou na colônia um exército de mercenários chamado Force Publique. Constituíam um corpo de polícia, força anti-guerrilheira e exército de ocupação que já em 1900 atingia os 19 mil homens encarregados de conter tanto as numerosas sublevações étnicas, como de garantir o trabalho escravo de carregadores e coletores de borracha. Enforcamentos, torturas e mutilações eram os métodos de dissuasão que utilizavam em suas expedições de castigo.

Numa delas arrasaram um povoado, assassinando e desmembrando àqueles nativos em estado inferior de evolução. Entre os mortos estavam a mulher e os filhos de Ota Benga, um pigmeu que tinha ído caçar e regressava ao povoado para comunicar que tinha abatido um elefante. Capturado pelos assassinos de sua família, Ota Benga foi levado a um mercado de escravos.

Ali foi visto por um famoso explorador chamado Samuel Verner, que estava procurando pigmeus para exibi-los na Exposição Universal de Saint Louis, no estado do Missouri, de 1904. Verner agachou-se e inspecionou Ota, separando-lhe os lábios para examinar seus dentes. Gostou da mercadoria e trocou-o por um saco de roupa. Ota ainda ajudou Verner a convencer outros pigmeus para que lhes acompanhassem a Saint Louis.

Não era uma prática estranha. Vistos como curiosidade antropológica pelos primeiros exploradores europeus que visitaram a África, os pigmeus, homenzinhos que mediam no máximo 1,35 metros, sempre tiveram em suas características físicas uma senha de identidade ao mesmo tempo em que um passaporte para o escárnio.

Já em 1897, Leopoldo II tinha disposto que na Exposição Universal de Bruxelas fosse apresentada uma cenografia daquele Congo longínquo e pitoresco que lhe produzia tão notáveis benefícios. Fez trazer da África 267 homens, mulheres e crianças entre os quais dois pigmeus e organizou uma representação da vida Africana que atraiu a atenção de um milhão de visitantes.

Ante eles, os africanos dançavam diante de réplicas de choupanas de bambu com telhado de palha. Os visitantes lançavam-lhes comida, o que produziu indigestões entre os indígenas até o ponto de que o próprio rei Leopoldo ordenou colocar um cartaz que dizia: "Os negros só podem ser alimentados pelo comitê organizador". Quando chegava a noite eram recolhidos nos estábulos reais.
Ota Benga, um pigmeu no zôo de Nova Iorque
Selvagens Primitivos
Assim como os africanos de Leopoldo, quando Ota Benga chegou nos EUA foi exibido junto com seus colegas na seção de antropologia da Exposição, expostos embaixo de uma epígrafe de "selvagens primitivos". Sua presença e a dos demais pigmeus foi muito celebrada pelo numeroso público que se acercou para visitar a Exposição, 20 milhões de pessoas que deixaram 25 milhões de dólares em bilheteria.

Alguns antropólogos aproveitaram Ota e seus colegas como ratos de laboratório para seus estudos. Neste aspecto submeteram os pigmeus a diversos testes de inteligência que, com indissimulado racismo, serviram para proclamar que os negrinhos "se comportavam da mesma forma que pessoas mentalmente deficientes", cometendo muitos erros estúpidos e demorando muito tempo em executar as provas mais simples. Algo fácil de compreender se levar em conta que ainda 20 anos depois autores como Crookshank seguiam sustentando que o homem branco provia dos primatas mais inteligentes, os chimpanzés; os orientais, dos orangotangos, e os negros, dos fortes mas pouco inteligentes gorilas.

Acabada a Exposição, Verner cumpriu sua palavra e levou Ota e seus amigos de regresso a África. Ali, Ota Benga voltou a casar-se quase de imediato, mas sua segunda mulher morreu pela picada de uma cobra. Só, sem família, nem clã que lhe protegesse, e com o resto de pigmeus repudiando-o pelas más experiências passadas na terra do homem branco, Ota Benga voltou a se juntar com Samuel Verner, lhe acompanhando em sua volta a América.

De novo nos EUA, o explorador vendeu os animais capturados na África a diferentes zoológicos. Segundo explica Phillips Verner Bradford, neto de Verner e co-autor, com Harvey Blume, do livro Ota Benga: The Pigmy In The Zoo, o explorador entrou numa bancarrota, seu patrimônio foi embargado e a tutela de Ota Benga ficou nas mãos do Museu Americano de História Natural. Ota Benga acabou em Nova Iorque.

Dentes Afiados

William Hornaday, diretor do Bronx Zoological Garden da cidade, quis então tornar realidade uma velha aspiração: formar a hierarquização das raças numa espécie de representação que mostrasse a supremacia do homem branco sobre os selvagens africanos, a quem considerava análogos aos macacos. Com tal motivo, misturando um verniz pseudo-antropológico com uma populista representação circense, Ota Benga foi encerrado numa jaula compartilhando espaço com um orangotango.

Inicialmente, ele podia caminhar pelo zoológico e inclusive ajudava na alimentação dos animais. Mas quando foi colocado em exibição, Benga passou a fazer parte da "Casa dos Macacos", além disto carregava sua rede, seu arco e seta e inclusive os disparava como parte do bizarro show. No primeiro dia da exibição, 8 de setembro de 1906 os visitantes podiam ler a seguinte informação na frente da jaula: Pigmeu Africano "Ota Benga" 23 anos de idade. Altura: 4 pés e 11 polegadas. Peso: 103 libras. Trazido da foz do rio Kasai, Estado Livre do Congo, Centro Sul da África pelo Dr. Samuel Phillips Verner..
Ota Benga, um pigmeu no zôo de Nova Iorque
O Diretor do Zoológico do Bronx William Hornaday viu a exibição como um espetáculo valioso inclusive economicamente dado seu elevado número de visitantes, e foi auspiciada por Madison Grant um proeminente geneticista racista.

Ota Benga, um pigmeu no zôo de Nova IorqueO público se amontoava ante seu habitáculo, ávido para contemplar àquele homenzinho, que mal media 1,35 metros. Muitos se admiravam com seus dentes afiados "para devorar carne humana", segundo era divulgado na imprensa. Explodindo esta lenda, os responsáveis do zoo encarregaram-se de semear de ossos o solo da jaula, o que excitava ainda mais a curiosidade das até 40.000 pessoas que iam vê-lo em alguns domingos.

Mas aquela situação não podia se prolongar e algumas instituições religiosas foram em sua ajuda. Uns dizem que por caridade; outros, que para evitar a difusão de teorias evolutivas.

No final de setembro de 1906, Ota Benga foi levado para o Orfanato e Asilo Howard Colored onde ficou até 1910 quando passou à tutela da poetisa Anne Spencer que mandou arrumar os seus dentes (tinham sido limados para dar-lhe forma pontiaguda) e deu-lhe roupas ao estilo americano.

Benga estudou e começou a trabalhar numa fábrica local de fumo. Apesar de sua pequena estatura, provia uma ajuda importante porque era capaz de trepar até as polias e tirar as folhas de fumo sem ter que usar cordas. Seus amigos começaram a chamá-lo de "Bingo".

Ota Benga, estava preso entre dois mundos, sem poder regressar a áfrica e visto principalmente como uma curiosidade nos Estados Unidos. Em 20 de março de 1916 à idade de 32 anos, arrancou as coroas que tinham implantado nos seus dentes, fez um ritual de uma dança tribal e disparou no próprio peito com uma pistola que tinha roubado. Em seu Atestado de óbito aparece como Ota Bingo


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