segunda-feira, 5 de junho de 2017

POR QUE DEFENDEMOS DIRETAS JÁ?





Por Valerio Arcary, Colunista do Esquerda Online
No que diz respeito à Áustria, antes da invasão nazista, Trotsky disse que era um crime que o PC opusera a palavra de ordem de ditadura do proletariado ao nazismo, quando os social democratas e as massas austríacas só estavam dispostas a lutar pela democracia burguesa. A consigna do PC deveria ter sido a de lutar todos juntos pela democracia, exigindo ao PS que fosse consequente nessa luta e mobilizara as massas. Com isso, se poderia derrotar o fascismo austríaco (…) A política trotskista, a autêntica política trotskista, não os delírios provocados pela marginalidade, sempre procura a consigna mais fácil, mais compreensível para que a classe operária e as massas se mobilizem e lutem. Os escritos de Trotsky são uma cátedra de como buscar essas consignas. Para nós, um slogan é “razoável”, para usar os termos da sua pergunta, se é “fácil”, se é compreensível para o movimento dos trabalhadores e serve para mobilizar. [1]                                                                                                 
Nahuel Moreno
Analogias históricas, se respeitadas os seus limites evidentes, podem ser inspiradoras. O elemento em comum entre a situação política que estamos atravessando, quando comparada com 1984 é a crise econômica que produziu uma recessão prolongada que já condena mais de 13 milhões ao desemprego, depois de três anos seguidos de crescentes flagelos sociais. Mas são pelo menos três as principais diferenças entre a luta pelas Diretas já em 2017, quando comparada com a campanha de 1984.
A primeira é que em 1984 a campanha era realizada contra o último governo da ditadura militar.[2] A segunda é que, ao contrário de 1984, não estamos diante de uma situação pré-revolucionária. A terceira, porém, não menos importante, é que nenhuma fração burguesa importante é a favor da convocação antecipada de eleições como saída para a crise do governo Temer.[3]
Uma parcela da esquerda anticapitalista dedica importância crucial para a primeira diferença, ou seja, destaca que não estamos sob uma ditadura. Sim, vivemos sob um regime democrático-presidencial, ainda que em uma situação muito atípica, porque Temer foi levado à presidência pelo Senado, depois do impeachment de Dilma Rousseff, e formou um governo apoiado nos partidos que foram derrotados na eleição de 2014. Portanto, sem qualquer legitimidade democrática. Não só porque chegou ao poder através de um golpe parlamentar-jurídico, porque o regime em vigor não é parlamentarista, mas porque o programa de reformas que está em execução que, justiça se diga, começou a ser aplicado pelo governo anterior liderado pelo PT, perdeu as eleições gerais de 2014.
Não, obstante, em nossa opinião, mesmo aqueles que pensam que já estamos em uma situação pré-revolucionária, deveriam valorizar mais a terceira. Ou seja, a unanimidade na classe dominante em defesa de uma eleição indireta, agora dissimulada como constitucional, ou a ausência de qualquer fração burguesa que defenda a antecipação de eleições. [4]
Se opõem, ou secundarizam a defesa da exigência de Diretas Já, em especial para a presidência, por variadas razões. Encontramos aqueles que consideram as Diretas Já uma saída, diretamente, reacionária, porque eleições não mudam a vida, e a saída deve ser a luta direta dos trabalhadores pelos Conselhos Populares, ou pelos Comités de base de luta contra as reformas, ou pelo poder popular. Estas são fórmulas de popularização da ditadura do proletariado. São ultra propagandísticas porque não existem os conselhos populares. Eles não existem somente porque os reformista são contra que existam. Não existem porque o seu surgimento não depende da vontade dos revolucionários, mas de um uma experiência social e política feita por milhões de trabalhadores.
A defesa das Diretas Já é condenada como uma saída por dentro do regime. Sim, Diretas Já é uma reivindicação democrática, portanto, compatível com o regime. Mas acontece que somente em situações de crise revolucionária são possíveis saídas por fora do regime. Não por acaso se apressam em opor a palavra de ordem de Greve Geral à de Diretas Já. Mas a greve geral é um método de luta, não um programa. Está corretíssimo levantar a necessidade de uma nova greve geral para derrubar Temer e as reformas. Mas qual é a saída? A maioria da burguesia se inclina por eleições indiretas e tenta construir um “acordão”. Clamar pelo “povo no poder”, quando os operários e o povo não se colocam, nem remotamente, a tarefa da insurreição é uma estratégia de inspiração anarquista.
Essa posição irrealista se fundamenta em uma apreciação sobrevalorizada, portanto, imaginária, da relação social de forças que mantém pouco contato com a realidade, e resulta em uma fórmula propagandista, portanto, impotente, inócua, inocente. É ingênua, mas não é inofensiva. Porque os exageros tendem a favorecer expectativas infundadas, e são a antesala de futuras desmoralizações.
Outros argumentam que a luta pelas Diretas Já só serviria para favorecer um “acordão” que estabilizaria um regime que já estaria “cambaleante”. As três ideias são erradas. O regime não está em crise terminal, o “acordão” passa pela eleição indireta, e a campanha pelas Diretas Já cumpre um papel, exatamente, oposto, desestabilizador.
Sim, o governo Temer está suspenso, inerte. Mas este tipo de análise comete, pelo menos três erros graves. Primeiro, a fragilidade de Temer, que apesar de muito isolado ainda não caiu, e não vai cair sozinho de maduro, não permite concluir que o regime político, ou seja, o conjunto das instituições do Estado que dividem entre si o poder, e que não se restringem ao Executivo e seus ministérios, mas incorpora, também, o Congresso, a Justiça, as Forças Armadas, esteja trôpego, paralisado. Temer e o Congresso estão desmoralizados, mas outras instituições, como o Ministério Público e o Judiciário estão a cada dia mais fortalecidas, Segundo, Temer está encurralado em função de uma combinação de fatores, como as investigações da Lava Jato, a entrada em cena do movimento dos trabalhadores, a perplexidade da classe média, a divisão da burguesia. Mas o fator detonador da atual crise foi uma iniciativa da PGR (Procuradoria Geral da República), como expressão de uma disputa no interior da classe dominante. Terceiro, o “acordão” real, não o imaginário, está sendo debatido, pública e abertamente, e passa por uma eleição no Congresso Nacional. Até os nomes cotados para poder substituir Temer, como Nelson Jobim e outros, já foram divulgados na bolsa de apostas .
A reivindicação das Diretas Já é um caminho tático, associada à defesa da dissolução do atual Congresso, portanto, de Eleições Gerais, na atual relação social e política de forças, para impedir o acordão e, por essa via, submetendo ao sufrágio universal a decisão de quem deve governar, derrotar as reformas.
Finalmente, alguns têm resistência em admitir que bandeiras democráticas possam ter um papel progressivo, portanto, transicional, na disputa política, mesmo quando a luta não é mais contra uma ditadura. Esta posição não encontra respaldo na elaboração dos clássicos do marxismo. A luta por reivindicações democráticas não desaparece quando a luta dos trabalhadores se desenvolve sob um regime democrático eleitoral, somente assume outras formas. A crise dos regimes democrático-burgueses atualiza a luta política pelas reivindicações democráticas, porque elas podem ser usadas contra o próprio regime.
Trotsky, por exemplo, no Programa de Transição, é muito claro a esse respeito. A importância das reivindicações democráticas não é mencionada somente no capítulo “Reivindicações transitórias nos países fascistas”, quando responde às condições de luta contra regimes ditatoriais. No capítulo “Os países atrasados e o programa das reivindicações transitórias”, argumenta:
“É impossível rejeitar pura e simplesmente o programa democrático: é necessário que as próprias massas ultrapassem este programa na luta (…) O peso especifico das diversas reivindicações democráticas na luta do proletariado, suas mútuas relações e sua ordem de sucessão estão determinados pelas particularidades e pelas condições próprias a cada país atrasado, em particular pelo grau de seu atraso”.[5]
Infelizmente, uma parcela importante da esquerda anticapitalista brasileira diminuiu a importância destas lições teóricas. No atual quadro, no contexto da presente conjuntura, e das perspectivas eleitorais, a luta por Diretas já para a presidência e para o Congresso favoreceriam o PT e Lula? Sim, favoreceriam.
Mas, muito mais importante seriam o caminho para bloquear a reforma da Previdência Social, e todas as muitas outras contra-reformas ensaiadas pelo governo Temer. Uma esquerda radical digna de futuro não poderá se fortalecer, se não souber por onde se abre o caminho.       



Notas:
[1] MORENO, Nahuel. Conversaciones con Nahuel Moreno. Consulta 31/05/2017.
[2] As Diretas, como ficaram conhecidas as jornadas de 1984, foram a maior mobilização política de massas da história do Brasil do século XX. Foi na campanha pelas Diretas que o Datafolha iniciou o cálculo de pessoas presentes nas manifestações usando a medição do número de metros quadrados ocupados pelos presentes. Este método é um critério pouco polêmico. O Datafolha estimou que 300.000 pessoas estiveram na Praça da Sé em São Paulo no dia 25 de Janeiro de 1984. Durante os noventa dias de mobilizações estima-se que saíram às ruas em todo o país mais de 5 milhões de pessoas. Em 1984, a PEA (População Economicamente Ativa) era estimada em 40 milhões. Mais informações clique aqui.  Consulta em 15/11/2011.
[3] Embora o governo Figueiredo tenha sido paralisado, não chegou a ser derrubado no dia 25 de abril de 1984. A crise do governo se transformou em crise de regime. A principal instituição do regime militar, as próprias Forças Armadas, descobriram-se desmoralizadas diante da vontade da nação expressa nas ruas. Figueiredo ficou suspenso no ar, ou seja, por um fio. Faltou o empurrão final. Até o fim do mandato, Figueiredo deixou de  poder governar. Sua queda foi evitada por uma operação política complexa que envolveu governadores da oposição como Tancredo e Brizola, o alto comando das Forças Armadas, e até a Igreja Católica. O governo não ruiu, mas a ditadura acabou. Figueiredo manteve seu mandato, mas, politicamente, o regime militar foi derrotado. As liberdades democráticas conquistadas nas ruas foram garantidas e, finalmente, o regime militar acabou. A força política das Diretas revelou-se insuficiente para alcançar, imediatamente, o direito de eleger pelo sufrágio universal o presidente da República. A democracia liberal brasileira nasceu de uma luta política de massas, a ditadura foi deslocada, mas o governo Figueiredo não caiu. O fim da ditadura foi amortecido por um grande acordo que, finalmente, apesar de ter sido respeitado, nem sequer pôde ser comprido. Quis o acaso que o resultado das Diretas terminasse sendo esdrúxulo: Tancredo Neves foi eleito presidente, tendo José Sarney como vice, mas não tomou posse, porque veio a falecer vítima de uma doença que, misteriosamente, ninguém suspeitava existir.
[4] As Diretas tiveram desde o início a direção burguesa do PMDB, embora Lula fosse o orador mais entusiasticamente aplaudido em todos os atos, e a vanguarda mais mobilizada fosse petista. A ditadura foi surpreendido pela decisão de uma parcela da direção do principal partido de oposição, o PMDB, um partido socialmente burguês e politicamente liberal, de tentar impulsionar uma mobilização de rua pelas Diretas, subvertendo o calendário da transição controlada pelo regime. O fator detonador foi o impacto da crise econômica detonada pela crise da dívida externa. Em dois anos, entre 1982/84, o crescimento da inflação e do desemprego abriram uma crise social que incendiou o mal-estar no proletariado e provocou uma séria, ainda que minoritária, divisão burguesa, arrastando a classe média para o campo da oposição à ditadura. Esta nova relação de forças se traduziu em um isolamento político do governo que inviabilizou o projeto da transição pelo alto, tal como tinha sido elaborado durante o mandato de Geisel/ Golbery.
[5] Trotsky, Leon. O Programa de transição. Consulta em 31/05/2017

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