Arte rupestre, pintura rupestre ou ainda gravura rupestre, é o nome que se dá às mais antigas representações pictóricas conhecidas, muitas datadas do período Paleolítico (100.000-10.000 a.C.) gravadas em abrigos ou cavernas, em suas paredes e tetos rochosos, ou também em superfícies rochosas ao ar livre, mas em lugares protegidos, normalmente datando de épocas pré-históricas.
A História é tão antiga quanto o homem. E o homem, desde seu aparecimento na terra, elaborou a sua História, na qual tinham lugar a Arte e o espírito de conservação daquilo de que necessitava. Estudos arqueológicos demonstram que o homem da pré história (a fase da História que precede a escrita) já conservava, além de cerâmicas, armas e utensílios trabalhados na pedra, nos ossos dos animais que abatiam e no metal. Arqueólogos e antropólogos datando e estudando peças extraídas em escavações conferem a estes vestígios seu real valor como "documentos históricos", verdadeiros testemunhos da vida do homem em tempos remotos e de culturas extintas.
Prospecções arqueológicas realizadas na Europa, Ásia e África, entre outras, revelam em que meio aos primitivos homens caçadores surgiram os primeiros artistas, que pintavam, esculpiam e gravavam, demonstrando que o desejo de expressão através das artes é inerente ao ser humano. A cor na pintura já era conhecida pelo Homem de Nandertal. As "Venus Esteatopígicas", esculturas em pedra ou marfim de figuras femininas estilizadas, com formas muito acentuadas, são manifestações artísticas das mais primitivas do "Homo Sapiens" (Paleolítico Superior, início 40000a.C) e que demonstram sua capacidade de simbolizar. A estas esculturas é atribuído um sentido mágico, propiciatório da fertilidade feminina.
Não é menos notável o desenvolvimento da pintura na mesma época. Encontradas nos tetos e paredes das escuras grutas, descobertas por acaso, situadas em fundos de cavernas. São pinturas vibrantes realizadas em policromia que causam grande impressão, com a firme determinação de imitar a natureza com o máximo de realismo, a partir de observações feitas durante a caçada. Na gruta Altamira (a chamada Capela Sixtina da Pré-História), na Espanha, a pintura rupreste do bisonte impressiona pelo tamanho e pelo volume conseguido com a técnica claro-escuro. Em outros locais e em outros grutas, pinturas que impressionam pelo realismo. Em algumas, pontos vitais do animal marcados por flechas. Para alguns, "a magia propiciatória" destinada a garantir o êxito do caçador. Para outros estudiosos, era a vontade de produzir arte.
Qualquer que seja a justificativa, a arte preservada por milênios permitiu que as grutas pré-históricas se constituissem nos primeiros museus da humanidade.
PINTURAS RUPESTRES
Dos numerosos abrigos que existem no Parque uma parte muito importante apresenta manifestações de atividades gráficas rupestres que, segundo as informações arqueológicas disponíveis e acima citadas, teriam sido realizadas muito cedo na pré-história, por diversos grupos étnicos que habitaram a região. Durante cerca de doze mil anos, os grupos étnicos que habitaram a região evoluíram culturalmente e as pinturas rupestres constituem um testemunho desta transformação. Pode-se observar esta evolução dos registros gráficos rupestres mediante a identificação de mudanças nas técnicas pictorial ou de gravura empregadas, mas também nas variações dos temas e da maneira como eles são representados. Estas mudanças não são resultado do acaso, mas de uma transformação social gradativa que se manifesta em diferentes aspectos da vida dos grupos humanos, entre os quais está a prática gráfica.
Este costume de se exprimir graficamente é uma manifestação do sistema de comunicação social. Como tal, a representação gráfica é portadora de uma mensagem cujo significado só pode ser compreendido no contexto social no qual foi formulado. Trata-se de uma verdadeira linguagem, na qual o suporte material é composto por elementos icônicos, cuja completa significação perdeu-se definitivamente no tempo por não conhecermos o código social dos grupos que o fizeram. Não podendo decifrar este código, resta uma possibilidade de se conhecer mais sobre os grupos étnicos da pré-história através da identificação dos componentes do sistema gráfico próprio de cada grupo e de suas regras de funcionamento. Efetivamente, cada grupo étnico possui um sistema de comunicação gráfico diferente, com características próprias. Assim, mesmo que não possamos decifrar a sua significação, será possível identificar cada um dos conjuntos gráficos utilizados pelos diferentes grupos. Quando os conjuntos gráficos permitem o reconhecimento de figuras e de composições temáticas, existe também a possibilidade de identificar os elementos do mundo sensível que foram escolhidos para ser representados. Esta escolha é de fundo social sendo também caracterizadora de cada grupo, pois oferece indicadores sobre os elementos do entorno e as temáticas que são valorizadas por cada sociedade.
As pinturas e gravuras rupestres são então estudadas com a finalidade de poder caracterizar culturalmente as etnias pré-históricas que as realizaram, a partir da reconstituição de um procedimento gráfico de comunicação que faz parte dos respectivos sistemas de comunicação social. Numa segunda instância, este estudo pretende, quando o corpus gráfico em questão fornece os elementos essenciais de reconhecimento, extrair os componentes do mundo sensível que foram escolhidos para fazer parte de tal sistema gráfico. Fica então excluída qualquer possibilidade de interpretação de significados, pois toda afirmação se situaria em um plano de natureza conjectural. Na perspectiva de estudo utilizada entende-se que a cada tradição gráfica rupestre pode associar-se um grupo étnico particular na medida em que se possa segregar conjuntamente outros componentes caracterizadores de natureza cultural, tais como uma indústria lítica tipificada, uma utilização própria do espaço ou formas específicas de enterramentos.
Em razão da abundância de sítios e da diversificação de pinturas e gravuras foi possível estabelecer uma classificação preliminar, dividindo-as em cinco tradições, das quais três são de pinturas e duas de gravuras.
As tradições são estabelecidas pelos tipos de grafismos representados e pela proporção relativa que estes tipos guardam entre si. Dentro das tradições podem-se, às vezes, distingüir sub-tradições segundo critérios ligados a diferenças na representação gráfica de um mesmo tema e à distribuição geográfica. Para cada tradição, ou se for o caso, sub-tradição é possível distingüir-se diferentes estilos que são estabelecidos a partir de particularidades que se manifestam no plano da técnica de manufatura gráfica e pelas características da apresentação gráfica da temática.
Duas das tradições, a Nordeste e a Agreste, já puderam ser datadas graças aos resultados das escavações e sondagens.
Na área do Parque Nacional, nos terrenos da bacia sedimentar, domina a tradição Nordeste de pintura rupestre. Ela é caracterizada pela presença de grafismos reconhecíveis (figuras humanas, animais, plantas e objetos) e de grafismos puros, os quais não podem ser identificados. Estas figuras são, muitas vezes, dispostas de modo a representar ações, cujo tema é, às vezes, reconhecível. Os grafismos puros, que não representam elementos conhecidos do mundo sensível, são nítidamente minoritários. As figuras humanas e animais aparecem em proporções iguais e são mais numerosas que as representações de objetos e de figuras fitomorfas. Algumas representações humanas são apresentadas revestidas de atributos culturais, tais como enfeites de cabeça, objetos cerimoniais nas mãos, etc. As composições de grafismos representando ações ligadas seja à vida de todos os dias, seja à cerimonial são abundantes e constituem a especificidade da tradição Nordeste. Quatro temas principais aparecem durante os seis mil anos atestados de existência desta tradição: dança, práticas sexuais, caça e manifestações rituais em torno de uma árvore. São também frequentes as composições gráficas representando ações identificáveis, mas cujo tema não podemos reconhecer; um exemplo deste caso é uma composição na qual uma série de figuras humanas parecem dispostas umas sobre os ombros das outras formando uma pirâmide, que faz evocar uma representação acrobática. Outro tipo de composição gráfica, que se acha com freqüência em todas as sub-tradições da tradição Nordeste, é designada como composição emblemática. Trata-se de figuras dispostas de maneira típica, com posturas e gestos de pouca complexidade gráfica, mas que se repetem sistemáticamente. Uma das composições emblemáticas desta tradição representa duas figuras humanas, colocadas costa contra costa e freqüentemente acompanhadas de um grafismo puro.
Graças à abundância de sítios e à sua larga distribuição espacial e temporal pudemos classificá-la em sub-tradições e estilos. Atualmente conhecemos as sub-tradições Várzea Grande e Salitre, no sudeste do Piauí e a sub-tradição Seridó, no Rio Grande do Norte.
A sub-tradição Várzea Grande, a mais bem estudada e representada, está dividida em estilos que se sucedem no tempo: Serra da Capivara , o mais antigo, Complexo estilístico Serra Talhada e Serra Branca, estilo final na área de São Raimundo Nonato. O estilo Serra da Capivara apresenta grafismos cujos contornos são completamente fechados, desenhados por traços contínuos e uma boa técnica gráfica. Na maioria das vezes, sobretudo quando o tamanho o permite, as figuras são pintadas inteiramente com tinta lisa. As representações humanas são pequenas, geralmente menores que as figuras animais. Estas últimas são, em geral, colocadas em um local visível e dominam o conjunto das composições; a cor dominante é o vermelho.
O estilo Serra Branca apresenta figuras humanas com uma forma muito particular do corpo, o qual foi decorado por linhas verticais ou por traçados geométricos cuidadosamente executados. Geralmente os animais são desenhados por uma linha de contorno aberta; alguns têm o corpo preenchido por tinta lisa, mas a maioria apresenta um preenchimento geométrico semelhante àquele dos seres humanos.
O complexo estilístico Serra Talhada é muito mais heterogêneo e possui diversas características classificatórias que não estão sempre presentes em todos os sítios pertencentes à classe, mas quando uma falta outra está representada.
A classe se caracteriza pelas séries de figuras humanas dispostas em linha e a utilização de várias cores (vermelho, branco, cinza, marron, amarelo), sendo comuns as figuras bicromáticas ou tricromáticas.
Aparecem também figuras com características gráficas muito peculiares, assim figuras humanas apresentam as extremidades exageradamente compridas; abundam também as figuras extremamente pequenas. A técnica de pintura do corpo das figuras se diferencia: além da tinta lisa e dos traçados gráficos complexos aparecem outros tipos, tais como pontos ou zonas reservadas.
Os dados atualmente disponíveis permitiram propor uma explicação segundo a qual esta sucessão de estilos não representa diferentes unidades estilísticas perfeitamente distintas e segregáveis, mas sim reflete uma evolução lenta e contínua que, durante cerca de 6.000 anos, introduziu micro-modificações no estilo básico Serra da Capivara. Isto levou a um desenvolvimento em contínuo da subtradição Várzea Grande, sendo o complexo Serra Talhada resultado desse processo evolutivo que acumulou micro-diferenças, as quais redundaram no estilo final Serra Branca.
As datações obtidas e a análise da indústria lítica confirmam as conclusões às quais chegamos, graças ao estudo das pinturas e gravuras rupestres. A tradição Nordeste, evidente desde há 12.000 anos, parece desaparecer da região por volta de -7.000/-6.000 anos.
Em certos sítios da bacia sedimentar Maranhão-Piauí, ao lado da tradição Nordeste, aparece, desde há 10.000 anos, a tradição Agreste. Ela se caracteriza pela predominância de grafismos reconhecíveis, particularmente da classe das figuras humanas, sendo raros os animais. Nunca aparecem representações de objetos, nem de figuras fitomorfas. Os grafismos representando ações são raros e retratam unicamente caçadas. Ao contrário da tradição Nordeste, as figuras são representadas paradas: não há nem movimento nem dinamismo. Os grafismos puros, muito mais abundantes do que na tradição Nordeste, apresentam uma morfologia bem diferente e diversificada.
A técnica de desenho e de pintura da tradição Agreste é de má qualidade, os desenhos são canhestros e não permitem, na maioria dos casos, a identificação das espécies animais. O tratamento da figura é limitado e de péssima feição.
A repartição espacial da tradição Agreste é, grosso modo, a mesma da tradição Nordeste. Entretanto, há regiões do norte e centro do Piauí e sudoeste de Pernambuco onde aparecem sítios com pinturas de tradição Agreste e onde nunca se encontraram pinturas Nordeste.
Na área arqueológica do Parque Nacional, a tradição Agreste apresenta diversidades estilísticas manifestas que levaram, numa primeira instância analítica, a propor-se sub-classes para esta região. Os estudos sobre esta tradição são, porém, ainda pouco desenvolvidos para que se possa ser mais preciso. Pode-se, entretanto, afirmar a existência de duas modalidades estilísticas que variam tanto na técnica utilizada como nas temáticas gráficamente representadas. Uma classe incluiria as pinturas cujas características são as típicas da classe feitas de maneira grosseira, de grande tamanho, sem preocupação pela delineação da figura e com um preenchimento realizado negligentemente, mas cobrindo extensas superficies. Outra modalidade da tradição Agreste que poderia constituir outra classe incluiria as figuras que são de menor tamanho, mas sempre maiores que as da tradição Nordeste, feitas com maior cuidado e com um preenchimento mais controlado e cuja tinta escorreu menos. Esta última, segundo os dados disponíveis, seria o mais antigo.
Não se conhece até agora o foco de origem da Tradição Agreste. Na área do Parque Nacional ela se encontra associada a uma indústria lítica grosseira, de técnica pouco aprimorada e que utiliza como matéria prima, prioritariamente, quartzo e quartzito.
A tradição Agreste é, inicialmente, periférica e suas manifestações são limitadas entre 10.500 e 6.000 anos BP atrás; com o desaparecimento dos povos de tradição Nordeste ela se torna dominante e passa a ocupar toda a zona por volta de -5.000 anos. Parece ter desaparecido entre 4.000/3.000 anos antes do presente.
Até hoje não foi realizada nenhuma escavação, unicamente algumas sondagens, em sítios pertencentes às outras tradições de registros rupestres da área. Deste modo, pouco podemos adiantar sobre elas além de uma descrição sumária.
A tradição Geométrica é caracterizada por pinturas que representam uma maioria de grafismos puros e algumas mãos, pés, figuras humanas e de répteis extremamente simples e esquematizadas. Esta tradição, segundo informações ainda pouco abundantes, pareceria ser originária do nordeste do Estado do Piauí. É na Serra de Ibiapaba, limite com o Ceará, onde existe a maior concentração até agora conhecida. O Parque Nacional de Sete Cidades é portador de sítios pertencentes a esta tradição de pinturas. Na área do Parque Nacional Serra da Capivara, esta tradição aparece isolada em um único sítio na planície pré-cambriana, mas aparece também como intrusão gráfica em outros sítios, pois alguns grafismos foram feitos sobre painéis em abrigos das tradições Nordeste e Agreste.
Duas são as tradições de gravuras: Itacoatiaras de Leste, Itacoatiaras de Oeste. Para a primeira, temos resultados de prospecções e sondagens que demonstram que ela está ligada a povos caçadores-coletores. A segunda, foi datada de 12.000 anos em Mato Grosso, e aparece nesse Estado associada a uma bela indústria lítica que utilizou quartzito e sílex.
Itacoatiaras de Leste é uma tradição típica de todo o Nordeste brasileiro e seus painéis ornam as margens e leitos rochosos de rios e riachos do sertão, marcando cachoeiras ou pontos nos quais a água persiste mesmo durante a época da seca.
Itacoatiaras de Oeste, representada unicamente por grafismos puros, existe desde a fronteira da Bolívia até o limite oeste da área do Parque Nacional, indo para o sul, onde aparece até o norte de Minas Gerais. Os painéis desta tradição ornam paredes situadas perto de cachoeiras, lagos, fontes ou depósitos naturais de água. Um único sítio dessa tradição aparece na área do Parque Nacional, mas fora de seus limites.
É preciso também fazer menção de um único sítio de gravuras que apresenta características que são diferentes das duas tradições de gravuras acima mencionadas. Ainda não dispomos de elementos para afirmar se se trata de uma tradição diferente ou de um fenômeno isolado. As figuras gravadas representam uma maioria de grafismos puros e algumas formas animais e humanas muito esquematizadas. O sítio Caldeirão do Deolindo é um depósito natural de água - um caldeirão - e está situado dentro do Parque Nacional, no alto da chapada.
AS PINTURAS RUPESTRES E A QUESTÃO IDEOLÓGICA
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Estamos acostumados a acreditar que determinados termos e conceitos são privilégios de nosso tempo. E que há muito tempo atrás os humanos viviam privados destes conceitos por nós hoje cifrados, deslindados e desmistificados. Ideologia é um destes termos
Desde tempos imemoriais os primeiros habitantes do país têm ideologia.
As pinturas rupestres do Brasil são um forte indicio de que entre estes habitantes a ideologia era transmitida e coletivizada.
Como o é hoje entre nós. Por meio de instituições sociais (como a escola, a igreja, os cultos religiosos em geral, os partidos políticos, sindicatos e outras agremiações sociais). Sem esquecer da mídia e da cultura.
As pinturas representariam esta parte para estes habitantes. A da cultura e ou da mídia daquela época.
Em todas as nossas ações, seja elas quais forem, cotidianas há questões profundamente ideológicas. E a ação de pintar as rochas há mais de 12 mil anos atras não deixava de ser também. Isto porque elas são as marcas. E fizeram isto de variadas formas, estilos e tradições. Segundo os arqueólogos. Espalhados por todo o território nacional.
Elas nos transmitem as idéias, os sentimentos e as emoções vividas por humanos há milhares de anos atras. (SERVICE, 1971: 88)
As pinturas talvez sejam as marcas que mais chamem mais a atenção. Entre os vestígios deixados pelos humanos do período. Cientistas, leigos, amadores e curiosos de todas as extirpes sociais e procedências econômicas já refletiram sobre elas.
Para contribuir todos têm uma interpretação. Interpretação que é também ideológica. Para o momento em que foram feitas.
Os produtores/artistas e seus acompanhantes de grupo também tinham as suas interpretações e, consequentemente, uma ideologia a respeito do mundo que os cercava. Apoiando suas reflexões nas pinturas.
Elas seriam, então, uma arte popular onde todos poderiam apreciar, opinar e praticar. Pois o significado era do conhecimento de todos. Diferente do que ocorre hoje com as artes onde somente alguns têm acesso tanto ao conhecimento de seus significados, quanto ao fazer e ou opinar.(IDEM , 99) Principalmente no tocante as belas artes eruditas (teatro, cinema, pintura, escultura, música, entre outras). A maioria da população ainda esta excluída deste conhecimento e participação social.
Assim reporto-me a Ciro Marcondes Filho, quando diz que: A arte de maneira geral inclui uma mensagem. (MARCONDES, 1997: 64) As pinturas rupestres teriam esta capacidade. Capacidade de transmitirem mensagens por meio de suas formas. E ainda elas reproduziriam os sentimentos dos artistas.
As pinturas também tinham como função informar aquilo que a linguagem verbal não conseguia. Como ocorre ainda hoje. Onde nem tudo que sabemos ou recebemos como informação e ou conhecimento é por meio, exclusivamente, verbal.
Elas, as pinturas, colaboravam muito com as sociedades e ou grupos, pois com a compreensão das informações ali plasmadas as sociedades teriam mais condições de não sucumbirem frente aos problemas que encontravam. (IDEM, 68)
As pinturas, ainda, indicavam o mundo em que os artistas e seus receptores viviam. Transmitindo as posições políticas e estéticas dos grupos em suas imagens. Os valores filosóficos, morais e religiosos a serem seguidos pelas sociedades. Visto que nas imagens observamos caminhadas, cerimoniais, rituais, sexo, trocas, entre outros motivos sociais dos grupos. (IDEM, 69)
Os artistas das pinturas já tinham uma ideologia formada a respeito de como agir, pensar e reagir neste mundo. Isto porque eles transmitiam seus intuitos por meio destas imagens. Imagens que eram socialmente compartilhadas. (IDEM, 72)
Ainda segundo Marcondes: “Não há arte sem ideologia: afirmar ao contrario seria o mesmo que dizer que há arte sem a participação do autor. Participação do autor significa exprimir, com linguagem artística, sua relação com o mundo, seus conflitos e sentimentos.” (IDEM, 72/73)
Então as pinturas rupestres mostram-nos que existiam os sentimentos dos autores em suas imagens. Elas teriam múltiplas funções.
Elas teriam funções por exemplo: comunicacionais, econômicas, religiosas, culturais, entre outras.
Eram de grande complexidade. O oposto do que dizem ainda alguns especialistas sobre a funcionalidade das pinturas. Creditam a elas apenas uma função. A religiosa, por exemplo, que é a mais apontada.
Teriam os primeiros grupos habitantes do Brasil menos condições mentais que nós hoje? Isto é um erro porque, como já afirmou Richard Leakey,
“o saber e o conhecimento tecnológico se acumulam através de tradição cultural, de forma que a distância material que divide as sociedades afluentes do século XX da sociedade dos antigos caçadores e coletores, ou seja 50 mil anos, por exemplo, não é equivalente a uma distância intelectual inata. No momento, somos o mesmo animal que éramos há 50 milênios; simplesmente sabemos mais agora do que sabíamos antes.” (LEAKEY, 1988: 154)
Então, seria um descaso nosso acreditar que temos mais condições mentais hoje. E que por isso interpretamos nossas construções ideológicas melhor que eles ontem.
Provavelmente, as pinturas foram usadas, ideologicamente, por mais de um grupo. E também em momentos muito distantes no tempo. As vezes mais de mil anos depois. Nestes tempos remotos tudo leva a crer que usaram as pinturas com outras funções que nem imaginamos. Mas o importante é que com certeza tinham um fim ideológico e pensado. (MARCONDES, 80/81)
Desde tempos imemoriais os primeiros habitantes do país têm ideologia.
As pinturas rupestres do Brasil são um forte indicio de que entre estes habitantes a ideologia era transmitida e coletivizada.
Como o é hoje entre nós. Por meio de instituições sociais (como a escola, a igreja, os cultos religiosos em geral, os partidos políticos, sindicatos e outras agremiações sociais). Sem esquecer da mídia e da cultura.
As pinturas representariam esta parte para estes habitantes. A da cultura e ou da mídia daquela época.
Em todas as nossas ações, seja elas quais forem, cotidianas há questões profundamente ideológicas. E a ação de pintar as rochas há mais de 12 mil anos atras não deixava de ser também. Isto porque elas são as marcas. E fizeram isto de variadas formas, estilos e tradições. Segundo os arqueólogos. Espalhados por todo o território nacional.
Elas nos transmitem as idéias, os sentimentos e as emoções vividas por humanos há milhares de anos atras. (SERVICE, 1971: 88)
As pinturas talvez sejam as marcas que mais chamem mais a atenção. Entre os vestígios deixados pelos humanos do período. Cientistas, leigos, amadores e curiosos de todas as extirpes sociais e procedências econômicas já refletiram sobre elas.
Para contribuir todos têm uma interpretação. Interpretação que é também ideológica. Para o momento em que foram feitas.
Os produtores/artistas e seus acompanhantes de grupo também tinham as suas interpretações e, consequentemente, uma ideologia a respeito do mundo que os cercava. Apoiando suas reflexões nas pinturas.
Elas seriam, então, uma arte popular onde todos poderiam apreciar, opinar e praticar. Pois o significado era do conhecimento de todos. Diferente do que ocorre hoje com as artes onde somente alguns têm acesso tanto ao conhecimento de seus significados, quanto ao fazer e ou opinar.(IDEM , 99) Principalmente no tocante as belas artes eruditas (teatro, cinema, pintura, escultura, música, entre outras). A maioria da população ainda esta excluída deste conhecimento e participação social.
Assim reporto-me a Ciro Marcondes Filho, quando diz que: A arte de maneira geral inclui uma mensagem. (MARCONDES, 1997: 64) As pinturas rupestres teriam esta capacidade. Capacidade de transmitirem mensagens por meio de suas formas. E ainda elas reproduziriam os sentimentos dos artistas.
As pinturas também tinham como função informar aquilo que a linguagem verbal não conseguia. Como ocorre ainda hoje. Onde nem tudo que sabemos ou recebemos como informação e ou conhecimento é por meio, exclusivamente, verbal.
Elas, as pinturas, colaboravam muito com as sociedades e ou grupos, pois com a compreensão das informações ali plasmadas as sociedades teriam mais condições de não sucumbirem frente aos problemas que encontravam. (IDEM, 68)
As pinturas, ainda, indicavam o mundo em que os artistas e seus receptores viviam. Transmitindo as posições políticas e estéticas dos grupos em suas imagens. Os valores filosóficos, morais e religiosos a serem seguidos pelas sociedades. Visto que nas imagens observamos caminhadas, cerimoniais, rituais, sexo, trocas, entre outros motivos sociais dos grupos. (IDEM, 69)
Os artistas das pinturas já tinham uma ideologia formada a respeito de como agir, pensar e reagir neste mundo. Isto porque eles transmitiam seus intuitos por meio destas imagens. Imagens que eram socialmente compartilhadas. (IDEM, 72)
Ainda segundo Marcondes: “Não há arte sem ideologia: afirmar ao contrario seria o mesmo que dizer que há arte sem a participação do autor. Participação do autor significa exprimir, com linguagem artística, sua relação com o mundo, seus conflitos e sentimentos.” (IDEM, 72/73)
Então as pinturas rupestres mostram-nos que existiam os sentimentos dos autores em suas imagens. Elas teriam múltiplas funções.
Elas teriam funções por exemplo: comunicacionais, econômicas, religiosas, culturais, entre outras.
Eram de grande complexidade. O oposto do que dizem ainda alguns especialistas sobre a funcionalidade das pinturas. Creditam a elas apenas uma função. A religiosa, por exemplo, que é a mais apontada.
Teriam os primeiros grupos habitantes do Brasil menos condições mentais que nós hoje? Isto é um erro porque, como já afirmou Richard Leakey,
“o saber e o conhecimento tecnológico se acumulam através de tradição cultural, de forma que a distância material que divide as sociedades afluentes do século XX da sociedade dos antigos caçadores e coletores, ou seja 50 mil anos, por exemplo, não é equivalente a uma distância intelectual inata. No momento, somos o mesmo animal que éramos há 50 milênios; simplesmente sabemos mais agora do que sabíamos antes.” (LEAKEY, 1988: 154)
Então, seria um descaso nosso acreditar que temos mais condições mentais hoje. E que por isso interpretamos nossas construções ideológicas melhor que eles ontem.
Provavelmente, as pinturas foram usadas, ideologicamente, por mais de um grupo. E também em momentos muito distantes no tempo. As vezes mais de mil anos depois. Nestes tempos remotos tudo leva a crer que usaram as pinturas com outras funções que nem imaginamos. Mas o importante é que com certeza tinham um fim ideológico e pensado. (MARCONDES, 80/81)
As primeiras obras de arte datam do período Paleolítico. Entre as obras mais antigas já encontradas estão pequenas estátuas humanas como, por exemplo, a Vênus de Willendorf (aproximadamente 25000 a.C.). Os mais conhecidos conjuntos de pinturas em cavernas ( arte rupestre ) estão em Altamira, na Espanha e datam de 30000 a.C. a 12000 a.C.; e em Lascaux, na França de 15000 a.C. a 10000 a.C. , onde se encontram pinturas rupestres de animais pré-históricos como: cavalos, bisões, rinocerontes. Estas pinturas indicam rituais pré-históricos ligados à caça. As imagens demonstram um naturalismo e evoluem da monocromia à policromia entre os anos de 15000 a.C. a 9000 a.C.
ARTE RUPESTRE - CONCEITO E MARCO TEÓRICO
Evolução do conceito
Variados estudos sobre o que comumente se chama "arte rupestre", principalmente no campo da arqueologia, utilizam diferentes termos para as pinturas rupestres, que conseqüentemente induz uma metodologia e marcos teóricos sobre os quais se pretende adequar uma possível interpretação deste objeto de estudo.
Em uma análise feita do levantamento bibliográfico realizado por André Prous (1980; 1985) para a arqueologia brasileira, verificaram-se 275 títulos, cujas referências se faziam diretas às pinturas e gravações rupestres do Brasil. Essas referências são responsáveis por 10,6% do total de 2.916 títulos entre os anos de 1839 e 1985 (acredita-se que este percentual seja superior, pois muitos trabalhos com títulos gerais — "Programa Arqueológico...", "Projeto de Pesquisa...", "Pré-História Brasileira" — possivelmente contêm mais informações acerca desse tipo de vestígio em particular). Tal levantamento, portanto, possibilitou traçar um perfil da relação entre o desenvolvimento das pesquisas (ou comunicações) e a apropriação de conceitos e interpretações próprios de cada época.
De 1839 a 1950, os títulos, cujas expressões remetem a idéias de comunicação através de vestígios de sistemas gráficos antigos ou de povos estrangeiros, predominam nesse período ("hieróglifos", "letreiros antigos", "escrita pré-histórica", "vestígios de língua primitiva"). Os trabalhos mais devotados utilizam expressões do latim, a exemplo de outras ciências, como nas classificações zoo-botânicas ("inscrições rupestres", "petroglifos", "litóglifos"). No final da década de 1930, então, surgem às primeiras conotações à "arte brasileira", uma concepção à autoria genuinamente artística dos grupos pré-históricos.
De 1950 a 1960 podem-se constatar 10 trabalhos publicados. Embora 50% desses títulos permaneçam fiéis à concepção de "escrita", se materializa a idéia de ‘arte’ como característica de expressão desses grupos do passado e as interpretações, por conseguinte, derivam de imediato do conceito de "arte brasileira" e "desenhos rupestres". Surgem ainda, dentro dessa nova forma de interpretação, os primeiros títulos com o termo "arte rupestre", que irá se fortalecer na década seguinte. É o período "formativo", como ressalta André Prous (1980, p. 17), de amadores dedicados à arqueologia que procuravam criar instituições de pesquisas com a colaboração de profissionais estrangeiros.
Entre 1970 e 1980 verificaram-se 87 referências. Dessas, em 39% dos títulos o termo "arte rupestre" se encontra presente. Paralelamente, surgem nesse período expressões de caráter imparcial a uma proposta interpretativa ("pinturas", "gravuras", "sinalações"), que respondem por 29% dos títulos. O termo "petróglifo" é indicado em 20,5% e as expressões "inscrições fenícias", "pedra lavrada", "pedra com inscrições" são encontradas em apenas 9% do total. São evidentes, nesse período, as preocupações com a sistematização dos registros dos sítios, assim como são discutidas as orientações conceituais, tais como: estilo, tradição, cronologia e ambiente como elementos básicos para uma ‘boa’ interpretação das pinturas e gravuras rupestres. Nesse cenário a influência da lingüística estrutural é bastante evidente, como modelo de evolução para interpretar as transformações estilísticas. Também nessa década surgem os primeiros títulos exclusivos à análise dos sítios, sob a perspectiva dos conceitos de signos e representação, dando origem a outros possíveis caminhos interpretativos, como através de analogias etnográficas.
Por último analisaram-se 84 referências relativas ao período compreendido entre 1980 e 1985, ano em que se encerra a bibliografia. Nesse período confirma-se a tendência do período anterior. A referência a "inscrições", no sentido literal do termo, cai para 4,7% dos títulos. Da mesma forma os títulos que contém os termos "petroglifos" e "pictoglifos" diminuem para 7,1%, demonstrando uma tendência clara a se ignorar termos cujos sentidos levam a definir as pinturas e gravuras como escrita. Por outro lado, os títulos que se colocam imparciais a uma tendência interpretativa sobem para 41,6% nas referências. Os sítios são indicados como "unidades estilísticas", "pinturas rupestres", "abrigos com pinturas e gravuras" e "sinalações rupestres". Nota-se, neste cômputo, que referências indicativas de metodologias de análise no campo da "representação" se tornam mais significativas ("símbolos", "expressão visual", "imagens pré-históricas" e "representações rupestres"). A expressão "arte rupestre" nos títulos aparece em 47,6% dos casos, perdendo de certa forma o impulso que vinha tendo duas décadas atrás.
Ainda nesse período é bastante significativo o número de trabalhos que se ocupam com as metodologias, deixando para trás o caráter puramente descritivo dos sítios rupestres. É notória a tendência de mudanças conceituais, para que metodologias mais apropriadas possam se constituir como ferramentas mais autorizadas no âmbito da busca do significado das representações rupestres.
O conceito no debate atual
Ainda hoje alguns usos correntes da terminologia para a pintura rupestre estão mais diretamente relacionados a um sentido interpretativo, isto é, ao que o próprio termo induz como significado do objeto, tais como: arte rupestre — uma valorização de conteúdo artístico; pictoglifo — escrita pintada, remete à grafologia; petroglifo — escrita na pedra, também remete à grafologia; figura — denota exemplos figurativos, ícones; grafismos — como sinais gráficos, discurso, mais usual para os murais urbanos, elaborados pelos denominados "grafiteiros". Implica um abstracionismo não cognificável: inscrição rupestre — escrita na pedra, o mesmo sentido de pictoglifo e petroglifo; gráfico — icônico — como se a representação quisesse descrever aquilo que se vê, destituída de simbolismos que a sociedade, autora dessas pinturas, quisera representar.
Como as definições para os termos descrevem seus objetos a partir de vários campos (artístico, grafológico, fotográfico), não mobilizam significados para se pensar nos elementos últimos de sua significação — a representação. Os termos antes mencionados são similares somente no sentido que podem ser vistos para a comunicação. Hyder (1988, p. 7), fundamenta esta afirmativa quando diz que devemos olhar as pinturas rupestres como uma forma visual de expressão simbólica; expressão visual não no sentido da arte, mas de uma "linguagem" constituída de signos desprovidos de raízes originais, sem relação sensível com os objetos (os signos geométricos). A arte, portanto, conforme Sylvia Novaes (1999, p. 70), diferencia-se da linguagem rupestre exatamente por estabelecer esta relação sensível entre signo que se dá pela semiose.
Signo lingüístico, conforme Hyder (id.), diferente de pantomima, é específico na cultura na qual é compreendido. Citando Umiker-Sebeok e Sebeok (1978), aponta três caminhos nos quais o signo lingüístico toma a função de linguagem:
it is a complex of natural and conventional signs with iconic and indexal elements outweighing symbolic elements;
it is semantically open in that elements can be recombined to formulate an indefinite number of messages;
it takes advantage of nonverbal competence.
Considerando-se a simbologia intrínseca na cultura material pré-histórica, os mais modernos estudos de arqueologia atualmente se apropriam dos conceitos e das teorias antropológicas, da psicologia cognitiva e da semiótica, buscando a interdisciplinaridade no intuito de melhor visualizar, através dos vestígios materiais, a concepção de mundo dessas sociedades pretéritas e, dentro desta nova abordagem, a "arte rupestre", no conjunto dos vestígios arqueológicos, se caracteriza como material sui generis de análise. O exemplo mais clássico desta interdisciplinaridade é o modelo neuropsicológico desenvolvido por Lewis-Willians e Dolson (1988) para a interpretação da "arte rupestre" dos aborígines da África do Sul: um modelo explicitamente antropológico, baseado na etnografia, nas ciências médicas e nas pesquisas de laboratório.
Isto deve ser considerado, a despeito da discussão sobre o processo de formação cognitiva da espécie humana, àqueles que defendem que a representação simbólica tenha evoluído da espécie hominídea mais antiga para as formas mais complexas no homem moderno, e daqueles que defendem que essa capacidade de simbolização tenha aparecido com o Homo sapiens sapiens há cerca de 150 mil anos, resultante de conexões cerebrais acabadas, conforme Mithen (2002). Não se considerando as supostas figuras antropomorfas de Berekhat Ram, dos Altos de Golan, datadas entre 280 e 250 mil anos antes do presente (D’ERRICO; NOWELL, 2000), as pinturas rupestres em todo o mundo têm sido datadas em períodos que variam entre 40 mil até o presente com os povos sul-africanos que repintam os painéis rupestres ‘deixados pelos seus antepassados’, como forma de reinterpretar suas tradições. Portanto, deve-se considerar que a prática cultural de representação em cavernas ou abrigos rochosos, remonta um passado recente que pertence ao Homo sapiens sapiens, e conseqüentemente, concebíveis a um estágio em que a comunicação simbólica já estava difundida entre os povos pré-históricos.
As pinturas encontradas nas paredes das grutas e abrigos rochosos inserem-se no contexto arqueológico como um tipo particular de vestígio. Apresentam-se como um sistema de idéias de natureza sociocultural, visíveis em sua estrutura outrora compartilhado dentro do grupo pré-histórico. Diferenciam-se do restante do conteúdo material do sítio por apresentar signos de natureza simbólica, e podem exprimir o cotidiano desses grupos através de representações isoladas ou agrupadas de cenas de caça, luta, dança, entre outras atividades, ou de maneira aparentemente estática, antropomorfos, zoomorfos, fitomorfos, sinais geométricos simples ou complexos (quando estão associados vários sinais simples formando um único sinal).
A imagem ícone nem sempre pode representar aquilo que aparenta. Por trás de sua descrição formal podem estar ocultos elementos simbólicos cujos significados não são possíveis de serem resgatados (no caso das pinturas rupestres), uma vez que são desconhecidos seus códigos e/ou significantes, salvo se recorrer a testemunhos etnográficos ou a correlações arqueoastronômicas — que por analogias, podem ser testemunhos diretos do significado das representações. A cerâmica e o lítico arqueológicos, por exemplo, desde que não possuindo outros atributos, que não os de conferir-lhes suas funções utilitárias, podem ser analisados através de analogias e deduções, e descritos formalmente quanto a sua função dentro da cultura que as produziram.
Nos últimos anos tem havido uma maior preocupação de arqueólogos e antropólogos sobre a necessidade de uma análise interdisciplinar para refletir a "arte rupestre" (GALVAN, 2002, p. 1; TACON, 1998, p. 6). Coloca-se então, o que poderia se chamar de primeira preocupação no escopo deste trabalho, o uso da terminologia, no sentido de que esta possa ser a base de uma boa comunicabilidade científica, além de suscitar, conseqüentemente, caminhos metodológicos mais autorizados, na perspectiva de se ampliar a gama de temas a respeito da "arte rupestre" nas ciências afins. Como afirma G. Martin, é natural que existam polêmicas quanto ao uso do termo e a metodologia adotada para o estudo da "arte rupestre", pois os pesquisadores discutem sobre pontos de vista divergentes, "procuram respostas diferentes às mensagens que as pinturas e gravuras rupestres proporcionam" (MARTIN, 1997, p. 21).
O ideal é que assim como qualquer outra ciência, a arqueologia tenha um conjunto de termos para cada conceito particular de seu objeto de estudo. É certo, no entanto, que a ciência no seu processo natural de crescimento suscita novos conceitos, "... e todo novo conceito científico deveria receber uma nova palavra [], ou melhor, uma nova família de palavras cognatas" (PIERCE, 2000, p. 40).
Neste sentido, ‘arte’ como conceito agregado a ‘rupestre’, por si só, não pode ser conceituada, ela é o que parece ser ao seu apreciador, diferente de outra opinião. Este a formula e a descreve com seus sentimentos e sua explicação, essencialmente subjetivista, não pode ser concebida dentro dos limites de verdade. Como afirma Bourdier (apud RIBEIRO, 1995, p. 28): "[...] a classe dos objetos de arte seria definida pelo fato de que existe uma percepção guiada por uma intenção propriamente estética, isto é, uma percepção de sua forma mais do que sua função". Ela é (a arte) então, produto histórico, que deve ser legitimada pela sociedade em que é produzida. Fora dela, o significado intrínseco à sua forma de expressão se perde, para dar lugar apenas ao de beleza plástica.
Neste contexto então, a pintura rupestre estaria fora da esfera artística, e se pertencesse a essa esfera, estaria fora da possibilidade de qualquer análise científica. Arte e ciência se tocam em seus extremos. Geertz (1999, p. 143) sobre este ponto de vista, afirma que:
[...] descrevamos, analisamos, comparamos, julgamos, classificamos: elaboramos teorias sobre criatividade, forma, percepção, função social; caracterizamos a arte como uma linguagem, uma estrutura, um sistema, um ato, um símbolo, um padrão de sentimento; buscamos metáforas científicas, espirituais, tecnológicas, políticas, e se nada disso dá certo, juntamos várias frases incompreensíveis na expectativa de que alguém nos ajudará, tornando-as mais inteligíveis.
O conceito de arte, como já foi colocado, tem sua origem na Europa no início do século XX, estendendo-se para o resto do mundo quando foi assimilado para atender uma nova exigência estética: de incorporar à cultura do prazer e do mercado nos tempos modernos (moderno no contexto europeu), onde seu significado é muito específico.
André Prous (1992, p. 510; 2003, p.44) discorda do termo ‘arte’ rupestre e sugere em seu lugar ‘grafismos’, embora considere a primeira expressão já consagrada pelo uso para ser abandonada. Conforme Prous: "[...] a ‘obra de arte’ é considerada, desde Kant, uma ‘finalidade sem fim’, ou seja, sua própria finalidade, objeto de contemplação estética quase que mística... Por não o conhecer, é que consideramos uma escultura de sambaqui, de catedral gótica ou da Nigéria apenas como ‘obra de arte’, e não como instrumento de culto, ou meio de propagação de uma ideologia" (PROUS, 1992, p. 510).
Desse modo, deve ser discutido porque a expressão ‘arte’ não deve ser incorporada à expressão "arte rupestre", pois os caminhos que levam a fazer e a pensar arte, fazem sentido para a sociedade que a produz, "[...] é específica de cada cultura" (MITHEN, 2002, p. 252). Conkey (apud MITHEN, 2002, p. 292, nota 7) discute como a categoria ‘arte’ adotada pelos arqueólogos prejudica as análises sobre a evolução cultural no início do Paleolítico Superior. A regra ideal é que o termo não desvie do conceito: o que imaginaria um leigo ao folhear um livro com inúmeras ilustrações de pinturas rupestres cujo título fosse "arte-rupestre"?
Thomas Heid (1999, p. 453), discutindo o lugar do conceito de arte, questiona sobre a orientação teórica de Blocker (1994), quando justifica que os artefatos produzidos pelas sociedades tradicionais (small-scale societies), ocupam o mesmo espaço nas salas dos museus etnográficos ou de museus de arte. Blocker argumenta que: "[...] people who make and use such artifacts manifest enough of the relevant artistic and aesthetic attitudes and dispositions to justify us in calling such artifacts ‘works of art’ and treating them as such." (BLOCKER apud HEID, op. cit. p. 454).
A proposta de Blocker, no entanto, pode fazer sentido se realmente a sociedade possui o conceito de arte para seus artefatos produzidos. É preciso que se verifique se este conceito não tenha sido incorporado como forma de se apelar para uma maior integração à cultura envolvente, quando o verdadeiro significado implícito nas obras passa a ser obscurecido e onde uma interpretação mais geral e simples de arte, de artefato decorador, tenha sido imposto para ser exibido ao público.
Shiner examina esta concepção de arte aplicada a diferentes sociedades pelas sociedades ocidentais, atribuindo a elas, uma predeterminação de apropriar-se e extinguir os valores simbólicos dos objetos de outras culturas. Admite-se que, conferindo o título ‘arte’ para tais artefatos simples, nossas instituições fazem um jogo com o propósito de manter o controle sobre ‘culturas marginais’. Shiner afirma que: "[...] ultimately, through this strategy our art institutions seek retain the power of making differentiations between ‘authentic’, ‘fake’ and ‘tourist art" (HEID, 1999. p. 455)
Estas observações são interessantes, à medida em que se questione se os executores das pinturas rupestres possuíam o conceito de arte enquanto arte estética, como no exemplo de alguns sítios africanos descritos por Ki-Zerbo (1982, p. 688) e assim se poder denominar "sítios de arte rupestre". A despeito disto, se as pinturas possuem intrínsecas relações cosmogônicas e religiosas, estas naturalmente devem ser representadas esteticamente. Como Morin ressalta, que a "arte rupestre", além do sentido ritual e mágico, comportaria também o sentido estético, que são perfeitamente combináveis: "os fenômenos mágicos são potencialmente estéticos e... os fenômenos estéticos são potencialmente mágicos" ( apud SEDA, 1997, p. 152).
A preocupação maior, portanto, é sobre o sentido que deve ser dado à interpretação. É perfeitamente plausível que um pesquisador descreva esses painéis como uma obra de arte, partindo de seu conteúdo estético, diferencie as técnicas, as formas, e até as identifique dentro de uma classe de arte, e. g., abstracionista, impressionista etc. Porém, dificilmente chegaria a alguma interpretação científica.
Diferente de uma antropologia urbana ou de uma etnologia indígena, onde se podem resgatar os valores simbólicos de seus interlocutores, fazer uma arqueologia antropológica, quando a "tradição viva" (cf. DAMATTA, 1987, p. 50) não está mais presente, exige que se trate o objeto de estudo com metodologias mais apropriadas e, por conseguinte, a terminologia é importante para que se comece a pensar caminhos mais profícuos para uma análise científica da "arte rupestre".
Sugere-se então, que o termo representação rupestre se apresenta de maneira mais apropriada a esse tipo de manifestação cultural. Representação como reprodução daquilo que se pensa. Conteúdo concreto apreendido pelos sentidos (estéticos), pela imaginação ou pela memória, retraduzido no conjunto de signos não verbais, e compreendido no campo de elaboração relativa ao psicológico e ao sociológico. E ainda, representação no sentido de sua origem na semiótica, onde o conceito exerce o papel de evidenciar categorias de signos diferentes, que interagem no contexto segundo leis próprias de organização estruturais, de processos de representação particulares.
Deste ponto de vista, o termo assume os conceitos unificadores de dois domínios que são: o signo, por seu lado perceptível, e a representação, seu lado mental, pois como afirmam Santaella e Nöth (1998, p. 15): "[...] não há imagem de representações visuais que não tenha surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais".
Representação é significante da idéia de reprodução de algo que já estava na mente. Se a imagem rupestre é produto de uma "visão de mundo" socialmente compartilhada, representar, então, é rememorar aquilo que se reapresenta na mente de quem produziu essas imagens e que desperta sentido no grupo espectador. Representação, portanto, remete ao conceito de signo, e a terminologia por sua vez, em detrimento das outras terminologias citadas, implica que imagens rupestres sejam tratadas metodologicamente, também, sob a perspectiva da teoria geral dos signos, ou semiótica.
O objeto da antropologia, senão único, pelo menos principal, são as representações culturais. Segundo D. Sperber (2001, p. 91) toda representação envolve no mínimo três termos: a própria representação, seu conteúdo e um usuário, aos quais se pode acrescentar um quarto, o produtor da representação, quando não é o próprio usuário.
A representação é mental no momento em que seu conteúdo é construído e torna-se pública quando é endereçada aos espectadores. Admite-se que o conteúdo explícito nos painéis rupestres traz em si espectros da vida social e cultural dos povos que os produziram, visões de experiências e conhecimentos acumulados, e que não somente expressa a vontade de retraduzir esses conhecimentos, mas também é para ser interpretado e assimilado, então se deve conceber essas imagens metodologicamente como representações das representações dos saberes, e devem obedecer a uma estrutura qualquer que tornem inteligíveis as informações referentes a objetos ou a situações. Ainda reforçando esse lado mental da representação Jean-Claude Abric afirma que: [representação é...] "o produto e o processo de uma atividade mental por intermédio da qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real com o qual é confrontado e lhe atribui uma significação específica" (ABRIC, 2001, p. 156).
Trata-se, portanto, da apreensão dos fenômenos sem levar em conta os fatores diretamente observáveis, mas que enfatiza sua dimensão simbólica, valoriza sua significação. Representação como eixo norteador para as hipóteses a serem testadas, que legitima seu conteúdo como objeto de pesquisa científica.
PATRIMONIO NATURAL EM RISCO
Arte rupestre, pintura rupestre ou ainda gravura rupestre, é o nome que se dá às mais antigas representações pictóricas conhecidas, muitas datadas do período Paleolítico (100.000-10.000 a.C.) gravadas em abrigos ou cavernas, em suas paredes e tetos rochosos, ou também em superfícies rochosas ao ar livre, mas em lugares protegidos, normalmente datando de épocas pré-históricas.
A História é tão antiga quanto o homem. E o homem, desde seu aparecimento na terra, elaborou a sua História, na qual tinham lugar a Arte e o espírito de conservação daquilo de que necessitava. Estudos arqueológicos demonstram que o homem da pré história (a fase da História que precede a escrita) já conservava, além de cerâmicas, armas e utensílios trabalhados na pedra, nos ossos dos animais que abatiam e no metal. Arqueólogos e antropólogos datando e estudando peças extraídas em escavações conferem a estes vestígios seu real valor como "documentos históricos", verdadeiros testemunhos da vida do homem em tempos remotos e de culturas extintas.
Prospecções arqueológicas realizadas na Europa, Ásia e África, entre outras, revelam em que meio aos primitivos homens caçadores surgiram os primeiros artistas, que pintavam, esculpiam e gravavam, demonstrando que o desejo de expressão através das artes é inerente ao ser humano. A cor na pintura já era conhecida pelo Homem de Nandertal. As "Venus Esteatopígicas", esculturas em pedra ou marfim de figuras femininas estilizadas, com formas muito acentuadas, são manifestações artísticas das mais primitivas do "Homo Sapiens" (Paleolítico Superior, início 40000a.C) e que demonstram sua capacidade de simbolizar. A estas esculturas é atribuído um sentido mágico, propiciatório da fertilidade feminina.
Não é menos notável o desenvolvimento da pintura na mesma época. Encontradas nos tetos e paredes das escuras grutas, descobertas por acaso, situadas em fundos de cavernas. São pinturas vibrantes realizadas em policromia que causam grande impressão, com a firme determinação de imitar a natureza com o máximo de realismo, a partir de observações feitas durante a caçada. Na gruta Altamira (a chamada Capela Sixtina da Pré-História), na Espanha, a pintura rupreste do bisonte impressiona pelo tamanho e pelo volume conseguido com a técnica claro-escuro. Em outros locais e em outros grutas, pinturas que impressionam pelo realismo. Em algumas, pontos vitais do animal marcados por flechas. Para alguns, "a magia propiciatória" destinada a garantir o êxito do caçador. Para outros estudiosos, era a vontade de produzir arte.
Qualquer que seja a justificativa, a arte preservada por milênios permitiu que as grutas pré-históricas se constituissem nos primeiros museus da humanidade.
PINTURAS RUPESTRES
Dos numerosos abrigos que existem no Parque uma parte muito importante apresenta manifestações de atividades gráficas rupestres que, segundo as informações arqueológicas disponíveis e acima citadas, teriam sido realizadas muito cedo na pré-história, por diversos grupos étnicos que habitaram a região. Durante cerca de doze mil anos, os grupos étnicos que habitaram a região evoluíram culturalmente e as pinturas rupestres constituem um testemunho desta transformação. Pode-se observar esta evolução dos registros gráficos rupestres mediante a identificação de mudanças nas técnicas pictorial ou de gravura empregadas, mas também nas variações dos temas e da maneira como eles são representados. Estas mudanças não são resultado do acaso, mas de uma transformação social gradativa que se manifesta em diferentes aspectos da vida dos grupos humanos, entre os quais está a prática gráfica.
Este costume de se exprimir graficamente é uma manifestação do sistema de comunicação social. Como tal, a representação gráfica é portadora de uma mensagem cujo significado só pode ser compreendido no contexto social no qual foi formulado. Trata-se de uma verdadeira linguagem, na qual o suporte material é composto por elementos icônicos, cuja completa significação perdeu-se definitivamente no tempo por não conhecermos o código social dos grupos que o fizeram. Não podendo decifrar este código, resta uma possibilidade de se conhecer mais sobre os grupos étnicos da pré-história através da identificação dos componentes do sistema gráfico próprio de cada grupo e de suas regras de funcionamento. Efetivamente, cada grupo étnico possui um sistema de comunicação gráfico diferente, com características próprias. Assim, mesmo que não possamos decifrar a sua significação, será possível identificar cada um dos conjuntos gráficos utilizados pelos diferentes grupos. Quando os conjuntos gráficos permitem o reconhecimento de figuras e de composições temáticas, existe também a possibilidade de identificar os elementos do mundo sensível que foram escolhidos para ser representados. Esta escolha é de fundo social sendo também caracterizadora de cada grupo, pois oferece indicadores sobre os elementos do entorno e as temáticas que são valorizadas por cada sociedade.
As pinturas e gravuras rupestres são então estudadas com a finalidade de poder caracterizar culturalmente as etnias pré-históricas que as realizaram, a partir da reconstituição de um procedimento gráfico de comunicação que faz parte dos respectivos sistemas de comunicação social. Numa segunda instância, este estudo pretende, quando o corpus gráfico em questão fornece os elementos essenciais de reconhecimento, extrair os componentes do mundo sensível que foram escolhidos para fazer parte de tal sistema gráfico. Fica então excluída qualquer possibilidade de interpretação de significados, pois toda afirmação se situaria em um plano de natureza conjectural. Na perspectiva de estudo utilizada entende-se que a cada tradição gráfica rupestre pode associar-se um grupo étnico particular na medida em que se possa segregar conjuntamente outros componentes caracterizadores de natureza cultural, tais como uma indústria lítica tipificada, uma utilização própria do espaço ou formas específicas de enterramentos.
Em razão da abundância de sítios e da diversificação de pinturas e gravuras foi possível estabelecer uma classificação preliminar, dividindo-as em cinco tradições, das quais três são de pinturas e duas de gravuras.
As tradições são estabelecidas pelos tipos de grafismos representados e pela proporção relativa que estes tipos guardam entre si. Dentro das tradições podem-se, às vezes, distingüir sub-tradições segundo critérios ligados a diferenças na representação gráfica de um mesmo tema e à distribuição geográfica. Para cada tradição, ou se for o caso, sub-tradição é possível distingüir-se diferentes estilos que são estabelecidos a partir de particularidades que se manifestam no plano da técnica de manufatura gráfica e pelas características da apresentação gráfica da temática.
Duas das tradições, a Nordeste e a Agreste, já puderam ser datadas graças aos resultados das escavações e sondagens.
Na área do Parque Nacional, nos terrenos da bacia sedimentar, domina a tradição Nordeste de pintura rupestre. Ela é caracterizada pela presença de grafismos reconhecíveis (figuras humanas, animais, plantas e objetos) e de grafismos puros, os quais não podem ser identificados. Estas figuras são, muitas vezes, dispostas de modo a representar ações, cujo tema é, às vezes, reconhecível. Os grafismos puros, que não representam elementos conhecidos do mundo sensível, são nítidamente minoritários. As figuras humanas e animais aparecem em proporções iguais e são mais numerosas que as representações de objetos e de figuras fitomorfas. Algumas representações humanas são apresentadas revestidas de atributos culturais, tais como enfeites de cabeça, objetos cerimoniais nas mãos, etc. As composições de grafismos representando ações ligadas seja à vida de todos os dias, seja à cerimonial são abundantes e constituem a especificidade da tradição Nordeste. Quatro temas principais aparecem durante os seis mil anos atestados de existência desta tradição: dança, práticas sexuais, caça e manifestações rituais em torno de uma árvore. São também frequentes as composições gráficas representando ações identificáveis, mas cujo tema não podemos reconhecer; um exemplo deste caso é uma composição na qual uma série de figuras humanas parecem dispostas umas sobre os ombros das outras formando uma pirâmide, que faz evocar uma representação acrobática. Outro tipo de composição gráfica, que se acha com freqüência em todas as sub-tradições da tradição Nordeste, é designada como composição emblemática. Trata-se de figuras dispostas de maneira típica, com posturas e gestos de pouca complexidade gráfica, mas que se repetem sistemáticamente. Uma das composições emblemáticas desta tradição representa duas figuras humanas, colocadas costa contra costa e freqüentemente acompanhadas de um grafismo puro.
Graças à abundância de sítios e à sua larga distribuição espacial e temporal pudemos classificá-la em sub-tradições e estilos. Atualmente conhecemos as sub-tradições Várzea Grande e Salitre, no sudeste do Piauí e a sub-tradição Seridó, no Rio Grande do Norte.
A sub-tradição Várzea Grande, a mais bem estudada e representada, está dividida em estilos que se sucedem no tempo: Serra da Capivara , o mais antigo, Complexo estilístico Serra Talhada e Serra Branca, estilo final na área de São Raimundo Nonato. O estilo Serra da Capivara apresenta grafismos cujos contornos são completamente fechados, desenhados por traços contínuos e uma boa técnica gráfica. Na maioria das vezes, sobretudo quando o tamanho o permite, as figuras são pintadas inteiramente com tinta lisa. As representações humanas são pequenas, geralmente menores que as figuras animais. Estas últimas são, em geral, colocadas em um local visível e dominam o conjunto das composições; a cor dominante é o vermelho.
O estilo Serra Branca apresenta figuras humanas com uma forma muito particular do corpo, o qual foi decorado por linhas verticais ou por traçados geométricos cuidadosamente executados. Geralmente os animais são desenhados por uma linha de contorno aberta; alguns têm o corpo preenchido por tinta lisa, mas a maioria apresenta um preenchimento geométrico semelhante àquele dos seres humanos.
O complexo estilístico Serra Talhada é muito mais heterogêneo e possui diversas características classificatórias que não estão sempre presentes em todos os sítios pertencentes à classe, mas quando uma falta outra está representada.
A classe se caracteriza pelas séries de figuras humanas dispostas em linha e a utilização de várias cores (vermelho, branco, cinza, marron, amarelo), sendo comuns as figuras bicromáticas ou tricromáticas.
Aparecem também figuras com características gráficas muito peculiares, assim figuras humanas apresentam as extremidades exageradamente compridas; abundam também as figuras extremamente pequenas. A técnica de pintura do corpo das figuras se diferencia: além da tinta lisa e dos traçados gráficos complexos aparecem outros tipos, tais como pontos ou zonas reservadas.
Os dados atualmente disponíveis permitiram propor uma explicação segundo a qual esta sucessão de estilos não representa diferentes unidades estilísticas perfeitamente distintas e segregáveis, mas sim reflete uma evolução lenta e contínua que, durante cerca de 6.000 anos, introduziu micro-modificações no estilo básico Serra da Capivara. Isto levou a um desenvolvimento em contínuo da subtradição Várzea Grande, sendo o complexo Serra Talhada resultado desse processo evolutivo que acumulou micro-diferenças, as quais redundaram no estilo final Serra Branca.
As datações obtidas e a análise da indústria lítica confirmam as conclusões às quais chegamos, graças ao estudo das pinturas e gravuras rupestres. A tradição Nordeste, evidente desde há 12.000 anos, parece desaparecer da região por volta de -7.000/-6.000 anos.
Em certos sítios da bacia sedimentar Maranhão-Piauí, ao lado da tradição Nordeste, aparece, desde há 10.000 anos, a tradição Agreste. Ela se caracteriza pela predominância de grafismos reconhecíveis, particularmente da classe das figuras humanas, sendo raros os animais. Nunca aparecem representações de objetos, nem de figuras fitomorfas. Os grafismos representando ações são raros e retratam unicamente caçadas. Ao contrário da tradição Nordeste, as figuras são representadas paradas: não há nem movimento nem dinamismo. Os grafismos puros, muito mais abundantes do que na tradição Nordeste, apresentam uma morfologia bem diferente e diversificada.
A técnica de desenho e de pintura da tradição Agreste é de má qualidade, os desenhos são canhestros e não permitem, na maioria dos casos, a identificação das espécies animais. O tratamento da figura é limitado e de péssima feição.
A repartição espacial da tradição Agreste é, grosso modo, a mesma da tradição Nordeste. Entretanto, há regiões do norte e centro do Piauí e sudoeste de Pernambuco onde aparecem sítios com pinturas de tradição Agreste e onde nunca se encontraram pinturas Nordeste.
Na área arqueológica do Parque Nacional, a tradição Agreste apresenta diversidades estilísticas manifestas que levaram, numa primeira instância analítica, a propor-se sub-classes para esta região. Os estudos sobre esta tradição são, porém, ainda pouco desenvolvidos para que se possa ser mais preciso. Pode-se, entretanto, afirmar a existência de duas modalidades estilísticas que variam tanto na técnica utilizada como nas temáticas gráficamente representadas. Uma classe incluiria as pinturas cujas características são as típicas da classe feitas de maneira grosseira, de grande tamanho, sem preocupação pela delineação da figura e com um preenchimento realizado negligentemente, mas cobrindo extensas superficies. Outra modalidade da tradição Agreste que poderia constituir outra classe incluiria as figuras que são de menor tamanho, mas sempre maiores que as da tradição Nordeste, feitas com maior cuidado e com um preenchimento mais controlado e cuja tinta escorreu menos. Esta última, segundo os dados disponíveis, seria o mais antigo.
Não se conhece até agora o foco de origem da Tradição Agreste. Na área do Parque Nacional ela se encontra associada a uma indústria lítica grosseira, de técnica pouco aprimorada e que utiliza como matéria prima, prioritariamente, quartzo e quartzito.
A tradição Agreste é, inicialmente, periférica e suas manifestações são limitadas entre 10.500 e 6.000 anos BP atrás; com o desaparecimento dos povos de tradição Nordeste ela se torna dominante e passa a ocupar toda a zona por volta de -5.000 anos. Parece ter desaparecido entre 4.000/3.000 anos antes do presente.
Até hoje não foi realizada nenhuma escavação, unicamente algumas sondagens, em sítios pertencentes às outras tradições de registros rupestres da área. Deste modo, pouco podemos adiantar sobre elas além de uma descrição sumária.
A tradição Geométrica é caracterizada por pinturas que representam uma maioria de grafismos puros e algumas mãos, pés, figuras humanas e de répteis extremamente simples e esquematizadas. Esta tradição, segundo informações ainda pouco abundantes, pareceria ser originária do nordeste do Estado do Piauí. É na Serra de Ibiapaba, limite com o Ceará, onde existe a maior concentração até agora conhecida. O Parque Nacional de Sete Cidades é portador de sítios pertencentes a esta tradição de pinturas. Na área do Parque Nacional Serra da Capivara, esta tradição aparece isolada em um único sítio na planície pré-cambriana, mas aparece também como intrusão gráfica em outros sítios, pois alguns grafismos foram feitos sobre painéis em abrigos das tradições Nordeste e Agreste.
Duas são as tradições de gravuras: Itacoatiaras de Leste, Itacoatiaras de Oeste. Para a primeira, temos resultados de prospecções e sondagens que demonstram que ela está ligada a povos caçadores-coletores. A segunda, foi datada de 12.000 anos em Mato Grosso, e aparece nesse Estado associada a uma bela indústria lítica que utilizou quartzito e sílex.
Itacoatiaras de Leste é uma tradição típica de todo o Nordeste brasileiro e seus painéis ornam as margens e leitos rochosos de rios e riachos do sertão, marcando cachoeiras ou pontos nos quais a água persiste mesmo durante a época da seca.
Itacoatiaras de Oeste, representada unicamente por grafismos puros, existe desde a fronteira da Bolívia até o limite oeste da área do Parque Nacional, indo para o sul, onde aparece até o norte de Minas Gerais. Os painéis desta tradição ornam paredes situadas perto de cachoeiras, lagos, fontes ou depósitos naturais de água. Um único sítio dessa tradição aparece na área do Parque Nacional, mas fora de seus limites.
É preciso também fazer menção de um único sítio de gravuras que apresenta características que são diferentes das duas tradições de gravuras acima mencionadas. Ainda não dispomos de elementos para afirmar se se trata de uma tradição diferente ou de um fenômeno isolado. As figuras gravadas representam uma maioria de grafismos puros e algumas formas animais e humanas muito esquematizadas. O sítio Caldeirão do Deolindo é um depósito natural de água - um caldeirão - e está situado dentro do Parque Nacional, no alto da chapada.
AS PINTURAS RUPESTRES E A QUESTÃO IDEOLÓGICA
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Estamos acostumados a acreditar que determinados termos e conceitos são privilégios de nosso tempo. E que há muito tempo atrás os humanos viviam privados destes conceitos por nós hoje cifrados, deslindados e desmistificados. Ideologia é um destes termos
Desde tempos imemoriais os primeiros habitantes do país têm ideologia.
As pinturas rupestres do Brasil são um forte indicio de que entre estes habitantes a ideologia era transmitida e coletivizada.
Como o é hoje entre nós. Por meio de instituições sociais (como a escola, a igreja, os cultos religiosos em geral, os partidos políticos, sindicatos e outras agremiações sociais). Sem esquecer da mídia e da cultura.
As pinturas representariam esta parte para estes habitantes. A da cultura e ou da mídia daquela época.
Em todas as nossas ações, seja elas quais forem, cotidianas há questões profundamente ideológicas. E a ação de pintar as rochas há mais de 12 mil anos atras não deixava de ser também. Isto porque elas são as marcas. E fizeram isto de variadas formas, estilos e tradições. Segundo os arqueólogos. Espalhados por todo o território nacional.
Elas nos transmitem as idéias, os sentimentos e as emoções vividas por humanos há milhares de anos atras. (SERVICE, 1971: 88)
As pinturas talvez sejam as marcas que mais chamem mais a atenção. Entre os vestígios deixados pelos humanos do período. Cientistas, leigos, amadores e curiosos de todas as extirpes sociais e procedências econômicas já refletiram sobre elas.
Para contribuir todos têm uma interpretação. Interpretação que é também ideológica. Para o momento em que foram feitas.
Os produtores/artistas e seus acompanhantes de grupo também tinham as suas interpretações e, consequentemente, uma ideologia a respeito do mundo que os cercava. Apoiando suas reflexões nas pinturas.
Elas seriam, então, uma arte popular onde todos poderiam apreciar, opinar e praticar. Pois o significado era do conhecimento de todos. Diferente do que ocorre hoje com as artes onde somente alguns têm acesso tanto ao conhecimento de seus significados, quanto ao fazer e ou opinar.(IDEM , 99) Principalmente no tocante as belas artes eruditas (teatro, cinema, pintura, escultura, música, entre outras). A maioria da população ainda esta excluída deste conhecimento e participação social.
Assim reporto-me a Ciro Marcondes Filho, quando diz que: A arte de maneira geral inclui uma mensagem. (MARCONDES, 1997: 64) As pinturas rupestres teriam esta capacidade. Capacidade de transmitirem mensagens por meio de suas formas. E ainda elas reproduziriam os sentimentos dos artistas.
As pinturas também tinham como função informar aquilo que a linguagem verbal não conseguia. Como ocorre ainda hoje. Onde nem tudo que sabemos ou recebemos como informação e ou conhecimento é por meio, exclusivamente, verbal.
Elas, as pinturas, colaboravam muito com as sociedades e ou grupos, pois com a compreensão das informações ali plasmadas as sociedades teriam mais condições de não sucumbirem frente aos problemas que encontravam. (IDEM, 68)
As pinturas, ainda, indicavam o mundo em que os artistas e seus receptores viviam. Transmitindo as posições políticas e estéticas dos grupos em suas imagens. Os valores filosóficos, morais e religiosos a serem seguidos pelas sociedades. Visto que nas imagens observamos caminhadas, cerimoniais, rituais, sexo, trocas, entre outros motivos sociais dos grupos. (IDEM, 69)
Os artistas das pinturas já tinham uma ideologia formada a respeito de como agir, pensar e reagir neste mundo. Isto porque eles transmitiam seus intuitos por meio destas imagens. Imagens que eram socialmente compartilhadas. (IDEM, 72)
Ainda segundo Marcondes: “Não há arte sem ideologia: afirmar ao contrario seria o mesmo que dizer que há arte sem a participação do autor. Participação do autor significa exprimir, com linguagem artística, sua relação com o mundo, seus conflitos e sentimentos.” (IDEM, 72/73)
Então as pinturas rupestres mostram-nos que existiam os sentimentos dos autores em suas imagens. Elas teriam múltiplas funções.
Elas teriam funções por exemplo: comunicacionais, econômicas, religiosas, culturais, entre outras.
Eram de grande complexidade. O oposto do que dizem ainda alguns especialistas sobre a funcionalidade das pinturas. Creditam a elas apenas uma função. A religiosa, por exemplo, que é a mais apontada.
Teriam os primeiros grupos habitantes do Brasil menos condições mentais que nós hoje? Isto é um erro porque, como já afirmou Richard Leakey,
“o saber e o conhecimento tecnológico se acumulam através de tradição cultural, de forma que a distância material que divide as sociedades afluentes do século XX da sociedade dos antigos caçadores e coletores, ou seja 50 mil anos, por exemplo, não é equivalente a uma distância intelectual inata. No momento, somos o mesmo animal que éramos há 50 milênios; simplesmente sabemos mais agora do que sabíamos antes.” (LEAKEY, 1988: 154)
Então, seria um descaso nosso acreditar que temos mais condições mentais hoje. E que por isso interpretamos nossas construções ideológicas melhor que eles ontem.
Provavelmente, as pinturas foram usadas, ideologicamente, por mais de um grupo. E também em momentos muito distantes no tempo. As vezes mais de mil anos depois. Nestes tempos remotos tudo leva a crer que usaram as pinturas com outras funções que nem imaginamos. Mas o importante é que com certeza tinham um fim ideológico e pensado. (MARCONDES, 80/81)
Desde tempos imemoriais os primeiros habitantes do país têm ideologia.
As pinturas rupestres do Brasil são um forte indicio de que entre estes habitantes a ideologia era transmitida e coletivizada.
Como o é hoje entre nós. Por meio de instituições sociais (como a escola, a igreja, os cultos religiosos em geral, os partidos políticos, sindicatos e outras agremiações sociais). Sem esquecer da mídia e da cultura.
As pinturas representariam esta parte para estes habitantes. A da cultura e ou da mídia daquela época.
Em todas as nossas ações, seja elas quais forem, cotidianas há questões profundamente ideológicas. E a ação de pintar as rochas há mais de 12 mil anos atras não deixava de ser também. Isto porque elas são as marcas. E fizeram isto de variadas formas, estilos e tradições. Segundo os arqueólogos. Espalhados por todo o território nacional.
Elas nos transmitem as idéias, os sentimentos e as emoções vividas por humanos há milhares de anos atras. (SERVICE, 1971: 88)
As pinturas talvez sejam as marcas que mais chamem mais a atenção. Entre os vestígios deixados pelos humanos do período. Cientistas, leigos, amadores e curiosos de todas as extirpes sociais e procedências econômicas já refletiram sobre elas.
Para contribuir todos têm uma interpretação. Interpretação que é também ideológica. Para o momento em que foram feitas.
Os produtores/artistas e seus acompanhantes de grupo também tinham as suas interpretações e, consequentemente, uma ideologia a respeito do mundo que os cercava. Apoiando suas reflexões nas pinturas.
Elas seriam, então, uma arte popular onde todos poderiam apreciar, opinar e praticar. Pois o significado era do conhecimento de todos. Diferente do que ocorre hoje com as artes onde somente alguns têm acesso tanto ao conhecimento de seus significados, quanto ao fazer e ou opinar.(IDEM , 99) Principalmente no tocante as belas artes eruditas (teatro, cinema, pintura, escultura, música, entre outras). A maioria da população ainda esta excluída deste conhecimento e participação social.
Assim reporto-me a Ciro Marcondes Filho, quando diz que: A arte de maneira geral inclui uma mensagem. (MARCONDES, 1997: 64) As pinturas rupestres teriam esta capacidade. Capacidade de transmitirem mensagens por meio de suas formas. E ainda elas reproduziriam os sentimentos dos artistas.
As pinturas também tinham como função informar aquilo que a linguagem verbal não conseguia. Como ocorre ainda hoje. Onde nem tudo que sabemos ou recebemos como informação e ou conhecimento é por meio, exclusivamente, verbal.
Elas, as pinturas, colaboravam muito com as sociedades e ou grupos, pois com a compreensão das informações ali plasmadas as sociedades teriam mais condições de não sucumbirem frente aos problemas que encontravam. (IDEM, 68)
As pinturas, ainda, indicavam o mundo em que os artistas e seus receptores viviam. Transmitindo as posições políticas e estéticas dos grupos em suas imagens. Os valores filosóficos, morais e religiosos a serem seguidos pelas sociedades. Visto que nas imagens observamos caminhadas, cerimoniais, rituais, sexo, trocas, entre outros motivos sociais dos grupos. (IDEM, 69)
Os artistas das pinturas já tinham uma ideologia formada a respeito de como agir, pensar e reagir neste mundo. Isto porque eles transmitiam seus intuitos por meio destas imagens. Imagens que eram socialmente compartilhadas. (IDEM, 72)
Ainda segundo Marcondes: “Não há arte sem ideologia: afirmar ao contrario seria o mesmo que dizer que há arte sem a participação do autor. Participação do autor significa exprimir, com linguagem artística, sua relação com o mundo, seus conflitos e sentimentos.” (IDEM, 72/73)
Então as pinturas rupestres mostram-nos que existiam os sentimentos dos autores em suas imagens. Elas teriam múltiplas funções.
Elas teriam funções por exemplo: comunicacionais, econômicas, religiosas, culturais, entre outras.
Eram de grande complexidade. O oposto do que dizem ainda alguns especialistas sobre a funcionalidade das pinturas. Creditam a elas apenas uma função. A religiosa, por exemplo, que é a mais apontada.
Teriam os primeiros grupos habitantes do Brasil menos condições mentais que nós hoje? Isto é um erro porque, como já afirmou Richard Leakey,
“o saber e o conhecimento tecnológico se acumulam através de tradição cultural, de forma que a distância material que divide as sociedades afluentes do século XX da sociedade dos antigos caçadores e coletores, ou seja 50 mil anos, por exemplo, não é equivalente a uma distância intelectual inata. No momento, somos o mesmo animal que éramos há 50 milênios; simplesmente sabemos mais agora do que sabíamos antes.” (LEAKEY, 1988: 154)
Então, seria um descaso nosso acreditar que temos mais condições mentais hoje. E que por isso interpretamos nossas construções ideológicas melhor que eles ontem.
Provavelmente, as pinturas foram usadas, ideologicamente, por mais de um grupo. E também em momentos muito distantes no tempo. As vezes mais de mil anos depois. Nestes tempos remotos tudo leva a crer que usaram as pinturas com outras funções que nem imaginamos. Mas o importante é que com certeza tinham um fim ideológico e pensado. (MARCONDES, 80/81)
As primeiras obras de arte datam do período Paleolítico. Entre as obras mais antigas já encontradas estão pequenas estátuas humanas como, por exemplo, a Vênus de Willendorf (aproximadamente 25000 a.C.). Os mais conhecidos conjuntos de pinturas em cavernas ( arte rupestre ) estão em Altamira, na Espanha e datam de 30000 a.C. a 12000 a.C.; e em Lascaux, na França de 15000 a.C. a 10000 a.C. , onde se encontram pinturas rupestres de animais pré-históricos como: cavalos, bisões, rinocerontes. Estas pinturas indicam rituais pré-históricos ligados à caça. As imagens demonstram um naturalismo e evoluem da monocromia à policromia entre os anos de 15000 a.C. a 9000 a.C.
ARTE RUPESTRE - CONCEITO E MARCO TEÓRICO
Evolução do conceito
Variados estudos sobre o que comumente se chama "arte rupestre", principalmente no campo da arqueologia, utilizam diferentes termos para as pinturas rupestres, que conseqüentemente induz uma metodologia e marcos teóricos sobre os quais se pretende adequar uma possível interpretação deste objeto de estudo.
Em uma análise feita do levantamento bibliográfico realizado por André Prous (1980; 1985) para a arqueologia brasileira, verificaram-se 275 títulos, cujas referências se faziam diretas às pinturas e gravações rupestres do Brasil. Essas referências são responsáveis por 10,6% do total de 2.916 títulos entre os anos de 1839 e 1985 (acredita-se que este percentual seja superior, pois muitos trabalhos com títulos gerais — "Programa Arqueológico...", "Projeto de Pesquisa...", "Pré-História Brasileira" — possivelmente contêm mais informações acerca desse tipo de vestígio em particular). Tal levantamento, portanto, possibilitou traçar um perfil da relação entre o desenvolvimento das pesquisas (ou comunicações) e a apropriação de conceitos e interpretações próprios de cada época.
De 1839 a 1950, os títulos, cujas expressões remetem a idéias de comunicação através de vestígios de sistemas gráficos antigos ou de povos estrangeiros, predominam nesse período ("hieróglifos", "letreiros antigos", "escrita pré-histórica", "vestígios de língua primitiva"). Os trabalhos mais devotados utilizam expressões do latim, a exemplo de outras ciências, como nas classificações zoo-botânicas ("inscrições rupestres", "petroglifos", "litóglifos"). No final da década de 1930, então, surgem às primeiras conotações à "arte brasileira", uma concepção à autoria genuinamente artística dos grupos pré-históricos.
De 1950 a 1960 podem-se constatar 10 trabalhos publicados. Embora 50% desses títulos permaneçam fiéis à concepção de "escrita", se materializa a idéia de ‘arte’ como característica de expressão desses grupos do passado e as interpretações, por conseguinte, derivam de imediato do conceito de "arte brasileira" e "desenhos rupestres". Surgem ainda, dentro dessa nova forma de interpretação, os primeiros títulos com o termo "arte rupestre", que irá se fortalecer na década seguinte. É o período "formativo", como ressalta André Prous (1980, p. 17), de amadores dedicados à arqueologia que procuravam criar instituições de pesquisas com a colaboração de profissionais estrangeiros.
Entre 1970 e 1980 verificaram-se 87 referências. Dessas, em 39% dos títulos o termo "arte rupestre" se encontra presente. Paralelamente, surgem nesse período expressões de caráter imparcial a uma proposta interpretativa ("pinturas", "gravuras", "sinalações"), que respondem por 29% dos títulos. O termo "petróglifo" é indicado em 20,5% e as expressões "inscrições fenícias", "pedra lavrada", "pedra com inscrições" são encontradas em apenas 9% do total. São evidentes, nesse período, as preocupações com a sistematização dos registros dos sítios, assim como são discutidas as orientações conceituais, tais como: estilo, tradição, cronologia e ambiente como elementos básicos para uma ‘boa’ interpretação das pinturas e gravuras rupestres. Nesse cenário a influência da lingüística estrutural é bastante evidente, como modelo de evolução para interpretar as transformações estilísticas. Também nessa década surgem os primeiros títulos exclusivos à análise dos sítios, sob a perspectiva dos conceitos de signos e representação, dando origem a outros possíveis caminhos interpretativos, como através de analogias etnográficas.
Por último analisaram-se 84 referências relativas ao período compreendido entre 1980 e 1985, ano em que se encerra a bibliografia. Nesse período confirma-se a tendência do período anterior. A referência a "inscrições", no sentido literal do termo, cai para 4,7% dos títulos. Da mesma forma os títulos que contém os termos "petroglifos" e "pictoglifos" diminuem para 7,1%, demonstrando uma tendência clara a se ignorar termos cujos sentidos levam a definir as pinturas e gravuras como escrita. Por outro lado, os títulos que se colocam imparciais a uma tendência interpretativa sobem para 41,6% nas referências. Os sítios são indicados como "unidades estilísticas", "pinturas rupestres", "abrigos com pinturas e gravuras" e "sinalações rupestres". Nota-se, neste cômputo, que referências indicativas de metodologias de análise no campo da "representação" se tornam mais significativas ("símbolos", "expressão visual", "imagens pré-históricas" e "representações rupestres"). A expressão "arte rupestre" nos títulos aparece em 47,6% dos casos, perdendo de certa forma o impulso que vinha tendo duas décadas atrás.
Ainda nesse período é bastante significativo o número de trabalhos que se ocupam com as metodologias, deixando para trás o caráter puramente descritivo dos sítios rupestres. É notória a tendência de mudanças conceituais, para que metodologias mais apropriadas possam se constituir como ferramentas mais autorizadas no âmbito da busca do significado das representações rupestres.
O conceito no debate atual
Ainda hoje alguns usos correntes da terminologia para a pintura rupestre estão mais diretamente relacionados a um sentido interpretativo, isto é, ao que o próprio termo induz como significado do objeto, tais como: arte rupestre — uma valorização de conteúdo artístico; pictoglifo — escrita pintada, remete à grafologia; petroglifo — escrita na pedra, também remete à grafologia; figura — denota exemplos figurativos, ícones; grafismos — como sinais gráficos, discurso, mais usual para os murais urbanos, elaborados pelos denominados "grafiteiros". Implica um abstracionismo não cognificável: inscrição rupestre — escrita na pedra, o mesmo sentido de pictoglifo e petroglifo; gráfico — icônico — como se a representação quisesse descrever aquilo que se vê, destituída de simbolismos que a sociedade, autora dessas pinturas, quisera representar.
Como as definições para os termos descrevem seus objetos a partir de vários campos (artístico, grafológico, fotográfico), não mobilizam significados para se pensar nos elementos últimos de sua significação — a representação. Os termos antes mencionados são similares somente no sentido que podem ser vistos para a comunicação. Hyder (1988, p. 7), fundamenta esta afirmativa quando diz que devemos olhar as pinturas rupestres como uma forma visual de expressão simbólica; expressão visual não no sentido da arte, mas de uma "linguagem" constituída de signos desprovidos de raízes originais, sem relação sensível com os objetos (os signos geométricos). A arte, portanto, conforme Sylvia Novaes (1999, p. 70), diferencia-se da linguagem rupestre exatamente por estabelecer esta relação sensível entre signo que se dá pela semiose.
Signo lingüístico, conforme Hyder (id.), diferente de pantomima, é específico na cultura na qual é compreendido. Citando Umiker-Sebeok e Sebeok (1978), aponta três caminhos nos quais o signo lingüístico toma a função de linguagem:
it is a complex of natural and conventional signs with iconic and indexal elements outweighing symbolic elements;
it is semantically open in that elements can be recombined to formulate an indefinite number of messages;
it takes advantage of nonverbal competence.
Considerando-se a simbologia intrínseca na cultura material pré-histórica, os mais modernos estudos de arqueologia atualmente se apropriam dos conceitos e das teorias antropológicas, da psicologia cognitiva e da semiótica, buscando a interdisciplinaridade no intuito de melhor visualizar, através dos vestígios materiais, a concepção de mundo dessas sociedades pretéritas e, dentro desta nova abordagem, a "arte rupestre", no conjunto dos vestígios arqueológicos, se caracteriza como material sui generis de análise. O exemplo mais clássico desta interdisciplinaridade é o modelo neuropsicológico desenvolvido por Lewis-Willians e Dolson (1988) para a interpretação da "arte rupestre" dos aborígines da África do Sul: um modelo explicitamente antropológico, baseado na etnografia, nas ciências médicas e nas pesquisas de laboratório.
Isto deve ser considerado, a despeito da discussão sobre o processo de formação cognitiva da espécie humana, àqueles que defendem que a representação simbólica tenha evoluído da espécie hominídea mais antiga para as formas mais complexas no homem moderno, e daqueles que defendem que essa capacidade de simbolização tenha aparecido com o Homo sapiens sapiens há cerca de 150 mil anos, resultante de conexões cerebrais acabadas, conforme Mithen (2002). Não se considerando as supostas figuras antropomorfas de Berekhat Ram, dos Altos de Golan, datadas entre 280 e 250 mil anos antes do presente (D’ERRICO; NOWELL, 2000), as pinturas rupestres em todo o mundo têm sido datadas em períodos que variam entre 40 mil até o presente com os povos sul-africanos que repintam os painéis rupestres ‘deixados pelos seus antepassados’, como forma de reinterpretar suas tradições. Portanto, deve-se considerar que a prática cultural de representação em cavernas ou abrigos rochosos, remonta um passado recente que pertence ao Homo sapiens sapiens, e conseqüentemente, concebíveis a um estágio em que a comunicação simbólica já estava difundida entre os povos pré-históricos.
As pinturas encontradas nas paredes das grutas e abrigos rochosos inserem-se no contexto arqueológico como um tipo particular de vestígio. Apresentam-se como um sistema de idéias de natureza sociocultural, visíveis em sua estrutura outrora compartilhado dentro do grupo pré-histórico. Diferenciam-se do restante do conteúdo material do sítio por apresentar signos de natureza simbólica, e podem exprimir o cotidiano desses grupos através de representações isoladas ou agrupadas de cenas de caça, luta, dança, entre outras atividades, ou de maneira aparentemente estática, antropomorfos, zoomorfos, fitomorfos, sinais geométricos simples ou complexos (quando estão associados vários sinais simples formando um único sinal).
A imagem ícone nem sempre pode representar aquilo que aparenta. Por trás de sua descrição formal podem estar ocultos elementos simbólicos cujos significados não são possíveis de serem resgatados (no caso das pinturas rupestres), uma vez que são desconhecidos seus códigos e/ou significantes, salvo se recorrer a testemunhos etnográficos ou a correlações arqueoastronômicas — que por analogias, podem ser testemunhos diretos do significado das representações. A cerâmica e o lítico arqueológicos, por exemplo, desde que não possuindo outros atributos, que não os de conferir-lhes suas funções utilitárias, podem ser analisados através de analogias e deduções, e descritos formalmente quanto a sua função dentro da cultura que as produziram.
Nos últimos anos tem havido uma maior preocupação de arqueólogos e antropólogos sobre a necessidade de uma análise interdisciplinar para refletir a "arte rupestre" (GALVAN, 2002, p. 1; TACON, 1998, p. 6). Coloca-se então, o que poderia se chamar de primeira preocupação no escopo deste trabalho, o uso da terminologia, no sentido de que esta possa ser a base de uma boa comunicabilidade científica, além de suscitar, conseqüentemente, caminhos metodológicos mais autorizados, na perspectiva de se ampliar a gama de temas a respeito da "arte rupestre" nas ciências afins. Como afirma G. Martin, é natural que existam polêmicas quanto ao uso do termo e a metodologia adotada para o estudo da "arte rupestre", pois os pesquisadores discutem sobre pontos de vista divergentes, "procuram respostas diferentes às mensagens que as pinturas e gravuras rupestres proporcionam" (MARTIN, 1997, p. 21).
O ideal é que assim como qualquer outra ciência, a arqueologia tenha um conjunto de termos para cada conceito particular de seu objeto de estudo. É certo, no entanto, que a ciência no seu processo natural de crescimento suscita novos conceitos, "... e todo novo conceito científico deveria receber uma nova palavra [], ou melhor, uma nova família de palavras cognatas" (PIERCE, 2000, p. 40).
Neste sentido, ‘arte’ como conceito agregado a ‘rupestre’, por si só, não pode ser conceituada, ela é o que parece ser ao seu apreciador, diferente de outra opinião. Este a formula e a descreve com seus sentimentos e sua explicação, essencialmente subjetivista, não pode ser concebida dentro dos limites de verdade. Como afirma Bourdier (apud RIBEIRO, 1995, p. 28): "[...] a classe dos objetos de arte seria definida pelo fato de que existe uma percepção guiada por uma intenção propriamente estética, isto é, uma percepção de sua forma mais do que sua função". Ela é (a arte) então, produto histórico, que deve ser legitimada pela sociedade em que é produzida. Fora dela, o significado intrínseco à sua forma de expressão se perde, para dar lugar apenas ao de beleza plástica.
Neste contexto então, a pintura rupestre estaria fora da esfera artística, e se pertencesse a essa esfera, estaria fora da possibilidade de qualquer análise científica. Arte e ciência se tocam em seus extremos. Geertz (1999, p. 143) sobre este ponto de vista, afirma que:
[...] descrevamos, analisamos, comparamos, julgamos, classificamos: elaboramos teorias sobre criatividade, forma, percepção, função social; caracterizamos a arte como uma linguagem, uma estrutura, um sistema, um ato, um símbolo, um padrão de sentimento; buscamos metáforas científicas, espirituais, tecnológicas, políticas, e se nada disso dá certo, juntamos várias frases incompreensíveis na expectativa de que alguém nos ajudará, tornando-as mais inteligíveis.
O conceito de arte, como já foi colocado, tem sua origem na Europa no início do século XX, estendendo-se para o resto do mundo quando foi assimilado para atender uma nova exigência estética: de incorporar à cultura do prazer e do mercado nos tempos modernos (moderno no contexto europeu), onde seu significado é muito específico.
André Prous (1992, p. 510; 2003, p.44) discorda do termo ‘arte’ rupestre e sugere em seu lugar ‘grafismos’, embora considere a primeira expressão já consagrada pelo uso para ser abandonada. Conforme Prous: "[...] a ‘obra de arte’ é considerada, desde Kant, uma ‘finalidade sem fim’, ou seja, sua própria finalidade, objeto de contemplação estética quase que mística... Por não o conhecer, é que consideramos uma escultura de sambaqui, de catedral gótica ou da Nigéria apenas como ‘obra de arte’, e não como instrumento de culto, ou meio de propagação de uma ideologia" (PROUS, 1992, p. 510).
Desse modo, deve ser discutido porque a expressão ‘arte’ não deve ser incorporada à expressão "arte rupestre", pois os caminhos que levam a fazer e a pensar arte, fazem sentido para a sociedade que a produz, "[...] é específica de cada cultura" (MITHEN, 2002, p. 252). Conkey (apud MITHEN, 2002, p. 292, nota 7) discute como a categoria ‘arte’ adotada pelos arqueólogos prejudica as análises sobre a evolução cultural no início do Paleolítico Superior. A regra ideal é que o termo não desvie do conceito: o que imaginaria um leigo ao folhear um livro com inúmeras ilustrações de pinturas rupestres cujo título fosse "arte-rupestre"?
Thomas Heid (1999, p. 453), discutindo o lugar do conceito de arte, questiona sobre a orientação teórica de Blocker (1994), quando justifica que os artefatos produzidos pelas sociedades tradicionais (small-scale societies), ocupam o mesmo espaço nas salas dos museus etnográficos ou de museus de arte. Blocker argumenta que: "[...] people who make and use such artifacts manifest enough of the relevant artistic and aesthetic attitudes and dispositions to justify us in calling such artifacts ‘works of art’ and treating them as such." (BLOCKER apud HEID, op. cit. p. 454).
A proposta de Blocker, no entanto, pode fazer sentido se realmente a sociedade possui o conceito de arte para seus artefatos produzidos. É preciso que se verifique se este conceito não tenha sido incorporado como forma de se apelar para uma maior integração à cultura envolvente, quando o verdadeiro significado implícito nas obras passa a ser obscurecido e onde uma interpretação mais geral e simples de arte, de artefato decorador, tenha sido imposto para ser exibido ao público.
Shiner examina esta concepção de arte aplicada a diferentes sociedades pelas sociedades ocidentais, atribuindo a elas, uma predeterminação de apropriar-se e extinguir os valores simbólicos dos objetos de outras culturas. Admite-se que, conferindo o título ‘arte’ para tais artefatos simples, nossas instituições fazem um jogo com o propósito de manter o controle sobre ‘culturas marginais’. Shiner afirma que: "[...] ultimately, through this strategy our art institutions seek retain the power of making differentiations between ‘authentic’, ‘fake’ and ‘tourist art" (HEID, 1999. p. 455)
Estas observações são interessantes, à medida em que se questione se os executores das pinturas rupestres possuíam o conceito de arte enquanto arte estética, como no exemplo de alguns sítios africanos descritos por Ki-Zerbo (1982, p. 688) e assim se poder denominar "sítios de arte rupestre". A despeito disto, se as pinturas possuem intrínsecas relações cosmogônicas e religiosas, estas naturalmente devem ser representadas esteticamente. Como Morin ressalta, que a "arte rupestre", além do sentido ritual e mágico, comportaria também o sentido estético, que são perfeitamente combináveis: "os fenômenos mágicos são potencialmente estéticos e... os fenômenos estéticos são potencialmente mágicos" ( apud SEDA, 1997, p. 152).
A preocupação maior, portanto, é sobre o sentido que deve ser dado à interpretação. É perfeitamente plausível que um pesquisador descreva esses painéis como uma obra de arte, partindo de seu conteúdo estético, diferencie as técnicas, as formas, e até as identifique dentro de uma classe de arte, e. g., abstracionista, impressionista etc. Porém, dificilmente chegaria a alguma interpretação científica.
Diferente de uma antropologia urbana ou de uma etnologia indígena, onde se podem resgatar os valores simbólicos de seus interlocutores, fazer uma arqueologia antropológica, quando a "tradição viva" (cf. DAMATTA, 1987, p. 50) não está mais presente, exige que se trate o objeto de estudo com metodologias mais apropriadas e, por conseguinte, a terminologia é importante para que se comece a pensar caminhos mais profícuos para uma análise científica da "arte rupestre".
Sugere-se então, que o termo representação rupestre se apresenta de maneira mais apropriada a esse tipo de manifestação cultural. Representação como reprodução daquilo que se pensa. Conteúdo concreto apreendido pelos sentidos (estéticos), pela imaginação ou pela memória, retraduzido no conjunto de signos não verbais, e compreendido no campo de elaboração relativa ao psicológico e ao sociológico. E ainda, representação no sentido de sua origem na semiótica, onde o conceito exerce o papel de evidenciar categorias de signos diferentes, que interagem no contexto segundo leis próprias de organização estruturais, de processos de representação particulares.
Deste ponto de vista, o termo assume os conceitos unificadores de dois domínios que são: o signo, por seu lado perceptível, e a representação, seu lado mental, pois como afirmam Santaella e Nöth (1998, p. 15): "[...] não há imagem de representações visuais que não tenha surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais".
Representação é significante da idéia de reprodução de algo que já estava na mente. Se a imagem rupestre é produto de uma "visão de mundo" socialmente compartilhada, representar, então, é rememorar aquilo que se reapresenta na mente de quem produziu essas imagens e que desperta sentido no grupo espectador. Representação, portanto, remete ao conceito de signo, e a terminologia por sua vez, em detrimento das outras terminologias citadas, implica que imagens rupestres sejam tratadas metodologicamente, também, sob a perspectiva da teoria geral dos signos, ou semiótica.
O objeto da antropologia, senão único, pelo menos principal, são as representações culturais. Segundo D. Sperber (2001, p. 91) toda representação envolve no mínimo três termos: a própria representação, seu conteúdo e um usuário, aos quais se pode acrescentar um quarto, o produtor da representação, quando não é o próprio usuário.
A representação é mental no momento em que seu conteúdo é construído e torna-se pública quando é endereçada aos espectadores. Admite-se que o conteúdo explícito nos painéis rupestres traz em si espectros da vida social e cultural dos povos que os produziram, visões de experiências e conhecimentos acumulados, e que não somente expressa a vontade de retraduzir esses conhecimentos, mas também é para ser interpretado e assimilado, então se deve conceber essas imagens metodologicamente como representações das representações dos saberes, e devem obedecer a uma estrutura qualquer que tornem inteligíveis as informações referentes a objetos ou a situações. Ainda reforçando esse lado mental da representação Jean-Claude Abric afirma que: [representação é...] "o produto e o processo de uma atividade mental por intermédio da qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real com o qual é confrontado e lhe atribui uma significação específica" (ABRIC, 2001, p. 156).
Trata-se, portanto, da apreensão dos fenômenos sem levar em conta os fatores diretamente observáveis, mas que enfatiza sua dimensão simbólica, valoriza sua significação. Representação como eixo norteador para as hipóteses a serem testadas, que legitima seu conteúdo como objeto de pesquisa científica.
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