sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A IDEIA DE FELICIDADE OCIDENTAL, BASEADA NO INDIVIDUALISMO, FALHOU. COLOCAR-SE NO LGAR DO OUTRO É A VERDADEIRA REVOLUÇÃO, AFIRMA ROMANM KRZNARIC


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Roman Krznaric é um pensador cultural e escritor sobre a Arte de Viver. Ele é fundador e professor da The School of Life, conselheiro de organizações como a Oxfam e a ONU, sobre como usar empatia e a conversação para criar uma mudança social. Ele foi eleito pela Observer como um dos melhores filósofos de “lifestyle” do Reino Unido; esteve no Brasil em 2013 e a entrevista abaixo é uma junção de entrevistas que ele deu para o Estadão, Revista Exame e outros meios de comunicação.
Nascido em Sidney e criado em Hong Kong, ele estudou nas Universidades de Oxford, Londres e Essex, onde concluiu seu PHD e foi professor de sociologia e política na Universidade de Cambridge. Durante anos ele foi Diretor da The Oxford Muse, a fundação avant-garde que estimula a coragem e a invenção na vida pessoal, profissional e cultural.
Os seus últimos livros, Sobre a Arte de Viver (Zahar) e Como Encontrar o Trabalho da Sua Vida (Objetiva), já estão à venda no Brasil e foram traduzidos para diversas línguas. O blog dele dedicado a empatia e à arte de viver, Outrospection, é amplamente divulgado mundo afora e o video, feito por ele, “The Power of Outrospection,” já foi visto por de 250 mil pessoas.
Um fanático por tênis, ele já trabalhou de jardineiro e é apaixonado por fazer móveis. Sua maior ambição é criar o primeiro museu de empatia do mundo.  “Trata-se de um lugar onde você poderá entrar e conversar com pessoas que não conhece. Assim como emprestamos livros de uma biblioteca, será possível emprestar pessoas para uma conversa”, explica. O projeto não é de todo utópico. Segundo o filósofo, depois de um vídeo explicando seu conceito de empatia, com 500 mil visualizações, sua caixa de e-mail recebe, pelo menos, uma mensagem por dia de pessoas do mundo inteiro se propondo a ajudar na criação do museu. É por meio dessa troca e da disseminação desse conceito de empatia que o filósofo acredita ser possível fazer uma revolução: “As pessoas acham que a paz e as revoluções são construções de acordos políticos. Mas acredito que é possível que isso seja feito nas raízes das relações humanas. Desmontando ignorâncias e preconceitos”, diz.
 Como você começou a se interessar por empatia?
RK: Três coisas aconteceram. A primeira é que quando eu tinha 25 anos eu fui para a Guatemala e trabalhei com refugiados na selva indígena. Eu vi o sofrimento, a pobreza e a violência. Eles tinham que lidar com isso diariamente. Havia uma Guerra civil acontecendo. E eu percebi que precisava entender vidas que eram diferentes da minha. Isso me abriu completamente para a empatia, ver a pobreza e o sofrimento deles.
A segunda coisa foi na época em que eu era Professor Universitária de Ciências Políticas. Há 10 anos eu, de repente percebi, que a maneira que você muda uma sociedade não é mudando a política, ou partidos, ou leis, é mudando relacionamentos. É através de empatia, através de uma conversa por vez, com as pessoas entendendo as outras.
A terceira coisa que aconteceu comigo, foi que um dia, uns 6 ou 7 anos atrás eu estava pensando em como a morte da minha mãe, quando eu tinha 10 anos de idade, me afetou. Eu percebi que depois que ela morreu, eu perdi a minha vida emocional. Eu não conseguia chorar ou amar, ou me preocupar com as pessoas. Então eu percebi que o meu interesse em empatia vinha de eu tentar recuperar o meu eu empático que perdi quando era criança.
Como você começou a trabalhar com isso? Foi depois da Guatemala?
RK: O que aconteceu é que quando eu percebi que a sociedade muda através da empatia, e não da política, eu parei de dar aulas na Universidade e decidi me dedicar a estudar empatia. E eu comecei a dirigir uma organização para a OxfordMuse e comecei a fazer projetos práticos para fazer a empatia acontecer, projetos de massa.
Eu organizei refeições de conversas, comecei a colocar 100 empresários sentados diante de 100 sem-tetos, coloquei menus de conversação diante deles com perguntas como: que tipos de amor você vivenciou?; como você gostaria de ser mais corajoso?. E eram conversas de 2 horas, não aquelas de “speed dating”de 2 minutos.
Foi assim que eu comecei a fazer a empatia acontecer, entre pobres e ricos, jovens e velhos, gente de diferentes religiões. Fiz diferentes projetos para testar a empatia no mundo real.
Você acredita muito que empatia também é uma questão de hábito. Pode descrever pra gente quais são os principais hábitos?
RK:
1)    Cultive a curiosidade diante dos estranhos.
As pessoas altamente empáticas tem uma curiosidade enorme sobre o outro. Eles conversam, por exemplo, com a pessoa sentada ao lado deles no ônibus, como se tivessem aquela curiosidade de criança, aquela curiosidade que a socidade é tão boa em tirar da gente. Eles acham as outras pessoas mais interessantes do que eles mesmos. O historiador oral Studs Terkel diz: “Não seja um examinador, faça perguntas e mostre interesse”
 2)   Desafie preconceitos e procure coisas em comum
Nós todos temos achismos e sempre colocamos rótulos nas pessoas: “fundamentalista islâmico” “do lar”, entre outros. Isso nos faz deixar de apreciar a particularidade de cada pessoa. As pessoas altamente empáticas procuram passar por cima dos preconceitos e tentam encontrar algo em comum com outros, em vez de segregá-los.
 3)   Tente viver a vida de outra pessoa
As pessoa altamente empáticas desenvolvem a empatia tentando viver a vida de outra pessoa. Como diz o provérbio americano “ande uma milha com o mocassim de uma pessoa, antes de criticar a vida dela”
O George Orwell é a maior inspiração para isso. Ele se vestiu de mendigo e morou junto a eles em Londres, para depois escrever “Down and Out in Paris and London” e mudar suas crenças, prioridades e relacionamentos.
 4)   Ouça muito e se abra
É necessário, para que você seja uma pessoa altamente empática, que consiga ouvir o outro e tentar entender o que ele está sentindo naquele exato momento, seja um amigo que acabou de ser diagnosticado com câncer, ou o seu companheiro que está bravo por ter que trabalhar até tarde de novo.
Mas, ouvir apenas não é suficiente. Temos que nos fazer vulneráveis, remover as nossas máscaras e revelar os nossos sentimentos para criar um laço com as pessoas.
 5)   Inspirar ações de massa e a mudança social
A empatia também pode ser um fenômeno de massa e pode trazer a mudança social.
As redes sociais tem que aprender a espalhar não apenas informação, mas também conexão empática.
 6)   Desenvolva uma imaginação ambiciosa
Precisamos desenvolver empatia não apenas com pessoas marginalizadas, mas também com pessoas com crenças diferentes das nossas, ou com os nossos ïnimigos”
Se você faz campanha para diminuir o aquecimento global, que tal tentar se colocar no lugar de um executivo de uma petrolífera?
Empatizar com a adversidade também é um caminho para a tolerância social. Foi isso que Ghandi passou durante os conflitos entre muçulmanos e hindus, que levou à independência da Índia, em 1947, quando ele declarou: “eu sou um muçulmano, eu sou um hindu, eu sou um cristão, eu sou um judeu.”
Como começou sua inquietação com os modelos tradicionais de ensino?
Roman Krznaric – Quando eu olho para a minha própria educação – graduação, pós, doutorado – eu a considero um fracasso porque eu não aprendi nela habilidades para a vida. Nós vamos para a escola e não aprendemos sobre as coisas que mais nos preocupam na vida, como a forma de construir relacionamentos, de lidar com problemas familiares ou de escolher a carreira, como pensar sobre a criatividade e seu potencial. Nada disso se aprende nos nossos sistemas de educação. Sempre achei que tinha alguma coisa faltando na minha própria educação.
Na minha jornada pessoal, eu era um acadêmico tradicional, ensinava sociologia na universidade. Mas a burocracia estava me deixando louco. Eu achava que só poderíamos mudar a sociedade por meio de partidos políticos. Mas então eu comecei a entender que a forma de transformar a sociedade era mudando a maneira como as pessoas se relacionam. Na forma como eu e você aprendemos uns com os outros, como nos colocamos no lugar do outro, como agimos com empatia, como você se compreende enquanto pessoa.
Pode dar um exemplo?
RK – Comecei a trabalhar com isso na Oxfam Muse. A ideia era criar momentos de conversa entre estranhos e cruzar limites sociais. Reuníamos 100 empresários com 100 moradores de rua. Os convidávamos para um jantar em qualquer lugar, num museu, num parque. Entregávamos menus. Não menus de comida, mas de conversa. Havia perguntas sobre aspectos humanos universais: o que você já aprendeu com as diferentes formas de amor na sua vida? De que forma você acha que pode ser mais corajoso? A ideia era criar conversas de 1 para 1, em que as pessoas podiam se conectar umas com as outras para ir além do papo superficial.
Fizemos esses encontros também em escolas entre estudantes de diferentes idades, entre professores e alunos… Quando você tem 14 ou 15 anos, você pensa sobre tudo isso. Pode ser que você não tenha a linguagem ou espaço para falar sobre esses assuntos, mas todo mundo é especialista em sua própria experiência.
Qual era o propósito dessas conversas?
RK – Criar conexões. Quando você tem uma conversa legal com alguém, você sente que mudou um pouco, criou-se uma espécie de igualdade. Nas escolas, estamos sempre cercados de estranhos. O que as outras pessoas pensam são pontos obscuros para nós. Em empresas também. O diretor de uma empresa pode não saber que sua secretária é uma exímia cineasta. Existem muitas coisas que não sabemos sobre pessoas que estão próximas e assim se perde muito potencial. Conversas são importantes para abrir a cabeça das pessoas.
 Isso foi o início da School of Life?
RK – Tive muitas conversas com pessoas sobre os diferentes aspectos da vida. Entendi que eu queria dar aulas sobre a arte de viver. Percebi que havia um tipo de educação que ainda não existia. E nós até sabemos muitas coisas sobre vida, amor e morte porque as pessoas estão pensando sobre isso há milhares de anos, mas sempre podemos aprender mais se entendermos o que as pessoas da Grécia Antiga pensavam sobre o amor, o que as pessoas do Renascimento pensavam sobre morte, como as pessoas no oeste africano pensam sobre relacionamentos, o que podemos aprender, que ideias podemos ‘roubar’.
 Então você já tinha a ideia e era só começar?
RK – Eu não tinha um lugar. Aí minha mulher sugeriu que usássemos nossa cozinha no sábado seguinte. Chamei uns amigos para discutir, de manhã, como encontrar um trabalho que nos satisfaça e, de tarde, para repensar as ideias sobre o amor. Fui fazendo isso mais vezes e precisei sair da cozinha. Fui para espaços públicos e comecei a desenvolver uma metodologia sobre o que funcionava, que fosse um aprendizado pessoal e significativo. Queria ensinar filosofia grega de um jeito que não fosse só teoria.
   E como foi isso?
RK – Eu e outras pessoas desenvolvemos cursos em cinco grandes áreas da vida: trabalho, amor, família, diversão e política. Passamos um ano pesquisando, pensando, conversando com pessoas para definir essas cinco áreas. Passamos dois anos desenvolvendo materiais, como as aulas seriam – mais do que um professor ir à frente e falar –, como seria a participação das pessoas, os debates, o tamanho das turmas, o material visual. Começamos a School of Life e foi um sucesso. Mais de 100 mil pessoas já vieram ouvir o que temos para falar. Fomos para outros países do mundo, agora estamos chegando no Brasil e na Austrália e vamos expandir para outros lugares.
Descobrimos uma espécie de ‘fome existencial’ e estamos agora em um momento de inflexão da história. Temos um nível recorde de insatisfação com a vida. As pessoas estão procurando por significado em suas vidas. É por isso que, mesmo que não saibam quem eu sou e o que eu faço, as pessoas comparecem para ver o que eu tenho a dizer sobre repensar o trabalho. Elas querem alguma coisa. A educação moderna está fracassando. Claro, existem muitas organizações como a School of Life que estão preocupadas com um aprendizado mais significativo, mas ainda é muito pouco. Educação para a arte de viver não existe para crianças e jovens na maior parte dos países.
Como você imagina uma escola que tenha um programa para ensinar a arte de viver?
RK – Imagine que, numa escola regular, uma tarde por semana seja dedicada para a aula de vida, com três componentes. Em um, é o aprendizado tradicional, na sala de aula e ensina, por exemplo, os seis tipos de amor da Grécia Antiga. O segundo seria de conversas. Os alunos sairiam às ruas para falar com estranhos, visitar casas de repouso para cegos. Essas conversas podem ser de muitas maneiras, inclusive on-line, em que se pode ter contato com crianças no Quênia. O ponto é ir além do papo superficial de duas linhas do Facebook. O terceiro componente seria destinado a experiências de diferentes tipos de vida. Poderia ser ajudar alguém a construir uma casa ou um voluntariado com pessoas muito diferentes de você. Eu adoraria ver as escolas oferecerem esse tipo de educação para a vida, mas também adoraria que as escolas ensinassem empatia.
Como funcionaria?
RK – A boa notícia é que 98% das pessoas têm a capacidade de desenvolver empatia, de se colocar no lugar do outro, ver o mundo pelos olhos de outra pessoa. Mas nós nem sempre usamos isso. Os outros 2% são psicopatas, pessoas com alguns tipos de autismo. Alguns acontecimentos na nossa vida erodem nossa capacidade de ‘empatizar’. A outra boa notícia é que empatia é uma habilidade que se pode aprender e se ensinar. Existem diferentes modelos de ensinar empatia. O mais famoso deles é o Roots of Empathy. Para mim ele é o melhor porque ele tem aqueles três passos sobre aprender, conversar e experimentar. Você coloca um bebê no centro de uma roda e as crianças interagem e falam sobre o bebê. Eles têm feito muitos estudos que mostram mudanças no comportamento das crianças. O programa torna as crianças mais empáticas, preocupadas com o outro, colaborativas, mas também as faz melhorar seus resultados em outras áreas, como autoconfiança e resiliência emocional. Mas há outros modelos.
O que a empatia pode trazer de positivo para a carreira?
RK - No passado, as pessoas consideravam que a empatia tinha uma importância moral, algo que faz bem para as outras pessoas. Mas estudos recentes mostram que a empatia é boa principalmente para você. Ao reunir visões diferentes, o trabalho se torna mais rico e proporciona mais felicidade.
As companhias têm percebido que a empatia é uma habilidade importante para seus funcionários, pois permite um trabalho em equipe mais eficaz, uma vez que as pessoas se entendem e também compreendem os desejos e as necessidades dos clientes.
O ambiente de trabalho dá à empatia a devida importância?
RK - Tradicionalmente a maioria das organizações não valoriza nem estimula relações empáticas. Em alguns setores há mesmo um estímulo à competição, ao individualismo e ao progresso com base na queda de outras pessoas. Mas acredito em fortes evidências de que a empatia pode tornar negócios e relações de trabalho melhores. Empresas que têm altos níveis de empatia mantêm os funcionários por mais tempo.
Por exemplo, durante uma conversa dura com seu chefe, ele pode aproveitar tais situações para ser terrível nas críticas ou para buscar entender o porquê de seu desempenho ter oscilado. Isso lhe ajuda a corrigir o que precisa, se você estiver interessado em crescer, e facilita ao líder entender como contribuir para essa melhoria.
Todo mundo funciona melhor quando a empatia faz parte da cultura de uma empresa. Quando pesquisei sobre o que as pessoas dão valor no trabalho, descobri que as amizades e as boas relações desenvolvidas figuram entre os principais fatores.
 A empatia ajuda a crescer na carreira?
RK - Passamos muito tempo aprendendo a ler e escrever, mas não somos ensinados a entender as outras pessoas e nos colocarmos em lugares diferentes. Se não entendermos como fazer isso, não seremos capazes de pensar em diferentes atitudes. No espaço do trabalho é possível aprender muito ao se colocar no lugar de qualquer colega. Esse tipo de pensamento imaginativo é essencial para melhorar a comunicação.
Qual é a principal mudança do trabalho no mundo atual?
RK - Hoje, as pessoas veem significado no trabalho quando colocam seus valores em prática. Anos atrás, o dinheiro era a motivação principal. Desde o fim da Segunda Guerra a necessidade de ter significado no trabalho está crescendo. Uma das principais maneiras de obter isso é levar valores éticos, sociais e morais para o que você faz. Ao longo das últimas décadas, construímos a noção de que, se tivéssemos mais dinheiro, seríamos mais felizes, uma maneira mais individualista de avaliar o que é uma boa vida.
Pesquisas recentes em vários países apontam que a sensação de felicidade não cresce no mesmo ritmo que a renda. Não somos felizes na mesma proporção em que somos ricos. Você trabalha duro e compra coisas que proporcionam uma felicidade imediata e passageira.
Mas aí as expectativas aumentam e você deseja consumir mais para manter-se realizado. Isso traz ansiedade e frustração. Assim como a felicidade vem sendo atrelada a conquistas individualistas, a insatisfação com o trabalho anda pelo mesmo caminho.
O ato de olhar para fora de si pode ser uma maneira de sair dessa lógica. Ao ver a questão de outra perspectiva, você cria diferentes laços sociais e passa a se importar com as outras pessoas de maneira nova.
O que temos a aprender com a história sobre o trabalho?
RK -  O maior erro dos atuais conselhos de carreira é aquele que diz que há um trabalho perfeito para você. Isso não é verdade para a maioria das pessoas. Não há um único trabalho perfeito porque temos muitos traços de personalidade, uma identidade formada por diversos conhecimentos e interesses. A ideia de um “profissional de amplo espectro” é mais interessante como maneira de satisfazer mais objetivos.
Pensar nesse modelo de “portfólio” de atividades é bom não só por aumentar a satisfação com o trabalho. Trata-se de uma sábia estratégia num momento de recessão econômica e insegurança no emprego. Você distribui o risco e não fica com uma única carta na mão. Ser generalista, em vez de especialista, se torna importante.
É difícil ser generalista numa época em que o trabalho é altamente especializado.
RK - A ideia clássica de sucesso e satisfação no trabalho indica que você alcançará esse estágio após se tornar um especialista em seu campo. Mas já houve períodos históricos, como a Renascença, em que o homem era considerado sábio quando dominava assuntos variados.
Acredito que isso voltará a ser importante hoje em dia. Estamos num momento em que as pessoas recomeçam a atuar em frentes múltiplas, como participar de projetos de curta duração paralelos à ocupação principal. As pessoas querem alimentar os muitos lados de sua personalidade.
Crê que as sociedades contemporâneas continuam incentivando o sucesso por meio das conquistas individuais?
RK - Perseguir o interesse próprio foi a grande propaganda do último século. Entretanto, ser humano não é apenas seguir os desejos individuais. A ideia de felicidade ocidental falhou. A introspecção, o interesse próprio, perseguir valores que não envolvam o coletivo… Temos a tendência a sentir compaixão uns pelos outros. Somos criaturas empáticas. Há estudos que mostram que compaixão dá prazer. Somos também coletivos. Formamos comunidades de todos os tipos, o tempo inteiro. As pessoas estão, cada vez mais, querendo fazer parte de algo maior do que elas mesmas.
O senhor tem a ideia de criar um Museu da Empatia. O que é esse projeto?
RK - É a maior ambição da minha vida. Estamos em desenvolvimento ainda. Trata-se de um lugar onde você pode entrar e conversar com pessoas que não conhece. Fazer um “laboratório humano”. Assim como você empresta livros de uma biblioteca, será possível “emprestar pessoas” para uma conversa. Nesse processo também quero criar uma plataforma online, em que será possível “baixar” exposições.
Como?
RK - Você poderá estar em São Paulo e fazer parte do Museu da Empatia, dividindo histórias de como, por exemplo, você faz uma “conversa-refeição” – que é um conceito criado por nós na The School of Life. “Conversa-refeição” nada mais é do que estranhos que se sentam a uma mesa e, no lugar de um menu gastronômico, recebem um cardápio de ideais. Com questões sobre a vida, do tipo: “De que maneira o amor mudou a sua história?”, “Como ser mais corajoso?” ou “Como ter mais satisfação no trabalho”. Meu objetivo é que as pessoas possam baixar esses menus, com instruções para fazer isso em suas comunidades.
O senhor diz que a “empatia”, no sentido de compaixão, é algo capaz de criar uma revolução. Poderia explicar?
RK - A ideia de empatia é, para mim, o ato de “calçar os sapatos de outra pessoa”. Olhar o mundo pela visão do outro. E, normalmente, quando pensamos nessas coisas, sempre consideramos um relacionamento somente entre duas pessoas. Entretanto, se olharmos a história, em todo o mundo, vemos que movimentos de empatia coletiva tiveram momentos de grande êxito. Em outros, sofreram um colapso e desapareceram, como no Holocausto e no genocídio de Ruanda. As pessoas podem agir juntas. Fazendo esse exercício de se colocar no lugar do outro, é possível, sim, mudar o mundo.
Tem um exemplo de um desses momentos?
RK - Na Europa e nos EUA, no século 18, quando houve um grande movimento contra a escravidão. Foi disseminada uma grande reflexão sobre o que era ser escravo. De tempos em tempos, surgem pessoas que se organizam para desafiar atitudes de injustiça. E muitas dessas pessoas são motivadas pela empatia. Hoje, no Oriente Médio, há muitas iniciativas para criar paz entre palestinos e israelenses. As pessoas acham que a paz e as revoluções são construções de acordos políticos. Mas acredito que é possível que isso seja feito nas raízes das relações humanas. Desmontando ignorâncias e preconceitos. Há um enorme potencial no diálogo para comandar mudanças profundas nas sociedades.
Como nutrir esse sentimento em épocas de extremismos?
RK - Nutrir empatia em um local cheio de preconceitos é difícil. A saída para isso é alimentar a curiosidade pelo outro. Nós não conversamos com quem não conhecemos. Esse seria um belo exercício de sensibilização. Ficamos muito tempo com pessoas que são como nós.

Como budistas, podemos fazer uma adição a este tema: como diz Alan Wallace, compaixão sem sabedoria vira desespero. A empatia é fundamental mas é preciso ir além. Conforme você confere neste trecho encontrado no Equilibrando.me: Compaixão, pena e empatia. Será que é tudo a mesma coisa? Para explicar que não, o Professor Alan Wallace empresta uma metáfora perfeita de Matthieu Ricard,  “o homem mais feliz do mundo”.
Imagine que você está em um navio, em alto-mar, e um homem, que está a bordo e que não sabe nadar, cai do barco. Logicamente, o que você sente, em primeiro lugar, é uma tristeza e um desespero profundo. O barco, por alguma razão não pode retornar e, portanto, o pobre homem vai morrer afogado. Tristeza! Você é um exímio nadador e pensa em pular no mar para salvar o homem. Mas como? Nadar para onde? Morreriam os dois, na melhor das hipóteses, de cansaço. Mas, olhando mais à frente você vê uma ilha, não muito longe de onde o homem está. E então… perfeito! Você, sem hesitar, salta para o mar, alcança o homem e consegue nadar com ele até a ilha.
Compaixão é assim: você empatiza com o sofrimento do outro, quer ajudar, mas não para por aí! Não é assim: “Ah, tomara que ele se salve!” Tem uma prontidão para ajudar. Você procura uma saída e encontra a ilha. E sabe que tem os meios hábeis para ajudar – você aprendeu a nadar, é um bom nadador.
Nas relações, além de perceber o sofrimento do outro, em todas as suas formas, é também preciso enxergar uma saída, caso contrário tudo vira desespero. E vamos precisar saber o que fazer.  A compaixão e a sabedoria são como as duas asas de um pássaro. Se uma delas falha, o pássaro voa apenas em círculos.
”O primeiro estágio da compaixão é a empatia. Com empatia, há sofrimento. Mas o sofrimento que se sente com a empatia se torna combustível para o fogo da compaixão. A empatia combinada ao que os tibetanos chamam de sem-shuk, ou “poder do coração”, acende a compaixão. O poder da compaixão está além do sofrimento pessoal e está focado em soluções, no quê pode ser feito. O velho iogue explicou aos neurocientistas que quando a compaixão surge, o sofrimento é transcendido e a atenção se volta a como ser útil. O sofrimento é o combustível da compaixão, não o seu resultado.”

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