sexta-feira, 20 de maio de 2016

VAMOS FALAR DO GOLPE NO BRASIL, FILHO




Eu tenho uma estranha mania de "catar" textos na internet e, quando encontro um que me apaixono, tenho que repassar para alguns, que como eu, gostam de ler algo que lhes seja particularmente interessante e que, acima de tudo lhes traga uma lembrança, um momento que faça parte da vida.

Quando coloquei na descrição deste blog que publico o que gosto, é exatamente isso. Particularmente nesta postagem de Pablo Gentili, o título já me chamou e em seguida, uma frase que completou meu interêsse, quando ele escreveu:

"Todos (ou quase todos) têm uma pátria. Eu tenho a sorte de ter duas. Com você, tornei meu o Brasil da solidariedade, o Brasil da luta pela justiça, pela liberdade e pelos direitos negados historicamente às grandes maiorias. O Brasil dos que não se resignam a aceitar a derrota do bem comum, o Brasil dos da Silva, o Brasil dos que nasceram sem nada além de suas mãos e da posse de seus princípios, sem nada além de seu trabalho e da valentia necessária para reconstruir uma nação que quase sempre os tratou com desdém, um país no qual quase sempre triunfou a infâmia, que os estigmatizou e humilhou, que os desprezou e ignorou. O Brasil dos Joãos e das Marias, o Brasil desses a quem nunca foi permitido falar, porque se supõe que não têm voz, que não sabem o que dizer ou que simplesmente não existem porque ninguém os ouve gritar. O Brasil daqueles que, neste momento, quando ainda não amanheceu, não escrevem como eu suas impotências, mas estão indo trabalhar, como fazem todos os dias, há tantos anos e desde estão cedo na vida, sabendo que poderá faltar até mesmo a comida para alimentar seus filhos, mas nunca aquilo que sempre faltará aos donos do poder e da palavra: a dignidade necessária para olhar o futuro sem sentir vergonha."

E aí, quando percebi, estava já procurando em minha mente o que aquilo tinha a ver de tão importante dentro de minhas lembranças e surgiu em minhas recordações a foto de um garoto, de bermuda, com uma bandeira escrita ARRAES ... era o meu filho Miguel Farias, que tinha uma mãe que despertava nele o sentimento de justiça, de liberdade, de luta pelos direitos, fod que não tinham voz, que eram estigmatizados e sofriam de uma coisa chamada fome, sede de água e de justiça. Era uma criança, que ao crescendo, também ia ficando estigmatizada porque se dedicava a causas que para muitos pouco significava, mas a culpa era daquela mãe maluca, que o acompanhava em suas aventuras.


MIGUEL FARIAS

Aquele menino com a bandeira na mão, tornou-se um cara que levantou mais uma bandeira a da Comunicação Comunitária, porque para ele, todos tinham direito a uma comunicação fiel, responsável, verdadeira.Conseguiu a concessão de uma Rádio Comunitária e reunia outros jovens e dava aulas de Comunicação e ensinava respeito a todos aqueles Joãos e Marias que tinham ali a possibilidade de ter voz. E foi estigmarizado justo por isso.

A história é longa e inclui assaltos à rádio, quando levaram todos os equipamentos e mil outras histórias que não eram entendidas pelos que não sabiam o que significava justiça social. Foram anos e anos de luta pela Democratização da Mídia através de uma pequena e singela rádio comunitária. Deram um golpe e ele perdeu a rádio, foi para a TV Educativa e para a Tv Pública, sempre com o mesmo sentimento e com as mesmas iideias de que todos têm direito a uma informação de qualidade.

E aí você pode perguntar o que tem a ver esta história com todo o belíssimo sofrer de Pablo falando, ou melhor, escrevendo para seu filho? 

Tudo...E eis que encontro a resposta nos seus escritos:

 "A chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da república, em janeiro de 2003, foi o resultado e a cristalização de avanços significativos no processo de democratização vivido pelo Brasil desde o fim da ditadura militar, em meados da década de 80. Contrariando as previsões preconceituosas e desqualificadoras daqueles que pensavam que o destino da maior nação da América Latina não podia estar nas mãos de um torneiro mecânico de origem rural e sem estudos universitários, Lula transformou o Brasil em uma nação com um enorme reconhecimento internacional, com um potencial econômico e de desenvolvimento social nunca antes visto na história do país. "

Mentira? Não... verdade. E o próprio Lula afirmou "Ter vergonha de não ter feito a Democratização da Mídia"

A aí Pablo, estamos nós. Você escrevendo ou descrevendo seus sentimentos, suas angústias sobre o impeachment de uma Presidenta honesta, citando uma frase linda que diz:  a história não é escrita pelos leões, mas pelos caçadores. Temer finalmente conseguiu ressurgir das cinzas de seu até então medíocre, sem brilho e banal exercício do poder. Uma presença sombria em Brasília que despertava apenas o esporádico interesse da revista Caras. Até algumas poucas semanas atrás, parecia tão esperto quanto o ex-presidente argentino Fernando de la Rua. Hoje, parece mais com Franklin Delano Roosevelt." e dizendo: o poder e a imprensa fazem milagres, meu filho.

E eu, cá do outro lado, refletindo o quanto a  imprensa é capaz de destruir.especialmente no Brasil onde sete famílias dominam os meios de comunicação, provocando uma enorme concentração de poder e com os partidos de direita fragilizados, conforme previu Gramsci, a velha mídia assume o papel de oposição dos governo progressistas, como a Globo e a Veja.

Mas foram lembranças minhas que me trouxeram até aqui. Espero que seu filho tenha a chance de ler este seu desabafo. O meu já está um homem, com um filho de seis anos que também já aprendeu com o pai a ir prá rua gritar por Liberdade.



JOÃO MIGUEL FARIAS




JOÃO MIGUEL FARIAS

Maristela Farias


VAMOS FALAR DO GOLPE NO BRASIL, FILHO


Por Pablo Gentili - Secretário executivo do CLACSO e professor da UERJ.






São quatro e meia da madrugada. Acordo ansioso, angustiado e com uma profunda sensação de impotência. Tenho vontade de sair correndo, de gritar pela janela, de me encolher em um canto, de me tornar invisível, de começar a chorar. Em casa, todos ainda dormem. Já dei voltas e mais voltas. Nos últimos dias, minha cama parece uma montanha-russa, na verdade, um abismo, como a borda fina de uma queda infinita. E eu estou do lado do vazio, querendo chegar à terra firme, que está logo ali, a poucos centímetros, inalcançável. Sei que se olhar para baixo cairei. É melhor ignorar o fato de que meus pés estão apoiados sobre um imenso precipício. Penso em você, meu filho querido. Penso em tantos companheiros e companheiras, amigos queridos desses vinte e cinco anos de Brasil. Penso que não posso, que não podemos começar este dia de infâmia, de ignomínia e de vergonha mostrando desesperança ou desequilíbrio. Penso que não posso, sei que não quero, que este seja o primeiro dia da nossa derrota, mas sim o primeiro da nossa próxima vitória.

Quero e preciso escrever para você antes que chegue o fim um dia que será lembrado como um dos mais nefastos e desonrosos da história democrática da América Latina: o dia em que derrubaram Dilma Rousseff sem outro argumento que o da prepotência da mentira, sem outro mecanismo que a infâmia, sem outro objetivo que continuar fazendo do Brasil uma terra de privilégios, de abusos e de impunidade. Sei que não preciso lhe explicar nada, que com seus dezoito anos você já sabe muito bem o que está acontecendo neste país que, por ser seu, tornou-se meu, embora por vezes você não entenda como, depois de tantos anos, eu ainda não aprendi a pronunciar certas palavras em português.

Quando você nasceu, eu já estava no Brasil há sete anos. Contudo, enquanto você crescia, comecei a compreender que nós nascemos em um país, mas às vezes renascemos em outro. E que ver você crescer, ter a alegria infinita de ter compartilhado com vocês esses anos, fez com que, entre outras coisas, o Brasil ficasse tatuado na minha pele, marcando-a indelevelmente com uma de suas tantas identidades, a dignidade, essa que não dá chance à adversidade porque sabe que o pessimismo foi inventado pelos poderosos para continuar no poder. Você fez o Brasil ficar marcado no meu coração, oferecendo-me essa generosidade cosmopolita própria das ilhas e não dos continentes, essa solidariedade que hoje parece tão distante, tão alheia. Hoje, sinto-me um brasileiro morando em um país estranho, irreconhecível, indescritível.

Todos (ou quase todos) têm uma pátria. Eu tenho a sorte de ter duas. Com você, tornei meu o Brasil da solidariedade, o Brasil da luta pela justiça, pela liberdade e pelos direitos negados historicamente às grandes maiorias. O Brasil dos que não se resignam a aceitar a derrota do bem comum, o Brasil dos da Silva, o Brasil dos que nasceram sem nada além de suas mãos e da posse de seus princípios, sem nada além de seu trabalho e da valentia necessária para reconstruir uma nação que quase sempre os tratou com desdém, um país no qual quase sempre triunfou a infâmia, que os estigmatizou e humilhou, que os desprezou e ignorou. O Brasil dos Joãos e das Marias, o Brasil desses a quem nunca foi permitido falar, porque se supõe que não têm voz, que não sabem o que dizer ou que simplesmente não existem porque ninguém os ouve gritar. O Brasil daqueles que, neste momento, quando ainda não amanheceu, não escrevem como eu suas impotências, mas estão indo trabalhar, como fazem todos os dias, há tantos anos e desde estão cedo na vida, sabendo que poderá faltar até mesmo a comida para alimentar seus filhos, mas nunca aquilo que sempre faltará aos donos do poder e da palavra: a dignidade necessária para olhar o futuro sem sentir vergonha.


Quero escrever a você porque acredito que é necessário compartilharmos um esforço comum para entender o que aconteceu. O que aconteceu com o país e o que aconteceu conosco. Certamente será necessário registrar os fatos, a sequência de eventos que se seguiram nos últimos meses, muitos deles surpreendentes e outros morosos, soporíferos, de tão repetitivos e monótonos. Fazer isso será algo necessário e essencial, é verdade. No entanto, creio que nós também precisamos fazer um grande esforço e, certamente, muito doloroso, para entender quais foram as causas que nos trouxeram até aqui. A reflexão e o conhecimento são fundamentais para a luta política. E a análise de nossas ações, a reflexão sem desculpas do que nós mesmos fomos capazes ou incapazes de fazer para evitar determinadas derrotas é absolutamente essencial para iniciar as lutas que virão, sem repetir as tragédias e farsas da história que teremos de viver.

O conhecimento e a crítica são ferramentas políticas. Se não as aplicarmos a nós mesmos, correremos o risco de viver momentos ainda mais sombrios. Hoje, após o que será um dia de hipocrisia e de infâmia, depois que o senado brasileiro tiver dado início à destituição de Dilma Rousseff, será necessário pensar coletivamente, de forma urgente, aberta e sem concessões, procurando compreender por que tudo isso aconteceu.

Os últimos trinta e cinco anos da história do Brasil foram marcados pelo protagonismo e pela liderança do Partido dos Trabalhadores (PT) nas grandes conquistas democráticas de um país que saía de uma das ditaduras mais longas da América Latina. O PT não foi o único responsável por essas grandes realizações, é verdade. Sem ele, entretanto, sem suas lutas, seus líderes, seus membros e, em particular, duas grandes organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Sem Terra (MST), não é possível compreender e interpretar os avanços e retrocessos da democracia brasileira nas últimas décadas.

Todos (ou quase todos) têm uma pátria. Eu tenho a sorte de ter duas. Com você, tornei meu o Brasil da solidariedade, o Brasil da luta pela justiça, pela liberdade e pelos direitos negados historicamente às grandes maiorias. O Brasil dos que não se resignam a aceitar a derrota do bem comum, o Brasil dos da Silva, o Brasil dos que nasceram sem nada além de suas mãos e da posse de seus princípios, sem nada além de seu trabalho e da valentia necessária para reconstruir uma nação que quase sempre os tratou com desdém, um país no qual quase sempre triunfou a infâmia, que os estigmatizou e humilhou, que os desprezou e ignorou. O Brasil dos Joãos e das Marias, o Brasil desses a quem nunca foi permitido falar, porque se supõe que não têm voz, que não sabem o que dizer ou que simplesmente não existem porque ninguém os ouve gritar. O Brasil daqueles que, neste momento, quando ainda não amanheceu, não escrevem como eu suas impotências, mas estão indo trabalhar, como fazem todos os dias, há tantos anos e desde estão cedo na vida, sabendo que poderá faltar até mesmo a comida para alimentar seus filhos, mas nunca aquilo que sempre faltará aos donos do poder e da palavra: a dignidade necessária para olhar o futuro sem sentir vergonha.. A sociedade brasileira veria pela primeira vez sua pátria se tornar uma potência mundial com espaço, prestígio e não pouca admiração no cenário global, graças à combinação de políticas de inclusão social que tirariam milhões de pessoas da pobreza extrema, poria fim ao flagelo da fome, multiplicariam o acesso a direitos fundamentais historicamente negados e promoveriam uma distribuição de riqueza sem precedentes no continente. Uma nação que faria valer sua posição estratégica em um novo cenário mundial, sem repetir a histórica subordinação aos interesses intervencionistas norte-americanos, e expandiria o horizonte do multilateralismo, apoiando um forte processo de integração latino-americana. Uma nação que, pela primeira vez, estabeleceria uma forte e ativa relação econômica, política e científica com os países africanos, eternamente desprezados pela diplomacia dominante brasileira.

É um fato curioso que esse progresso impressionante do Brasil durante a última década seja desconsiderado em nosso próprio país, ou quando reconhecido seja atribuído à sorte de se ter vivido uma conjuntura econômica excepcionalmente favorável, com a alta dos preços das commodities, particularmente do petróleo, do minério de ferro, da soja e de outros insumos primários, base das exportações brasileiras. O Brasil não mudou sua matriz produtiva nem sua estrutura tributária, um problema grave para o presente e para o futuro do país, mas de fato transformou radicalmente as prioridades de investimento do fundo público e de estabelecer sem concessões  quem deveria estar no centro das prioridades do orçamento nacional: os pobres e as necessidades acumuladas por uma dívida social endêmica.

Sei que você reclama e afirma, com razão, que nós não fizemos a revolução que tantas vezes prometemos. Mas o nosso governo, o governo daqueles que lutam por mais justiça social, por fazer avançar os processos de construção da igualdade e da expansão da cidadania, de maior liberdade, autonomia e participação democrática, fez com que em menos de uma década o Brasil deixasse de se comportar como uma nação indiferente às demandas, necessidades e direitos fundamentais do povo; que o Brasil deixasse de se mostrar como uma nação subalterna, colonial e dependente diante dos Estados Unidos e das outras potências imperiais do planeta; que se posicionasse diante do mundo como uma nação responsável, soberana e fundamentalmente disposta a reverter o legado de exclusão, miséria e abandono que carregavam sobre seus ombros os setores populares urbanos, os trabalhadores e trabalhadoras rurais, a população negra, as classes médias emergentes e as comunidades indígena.

Não foi uma revolução, ou talvez tenha sido, porém diferente daquela que um dia imaginamos fazer. Quando Lula tomou posse da presidência, em seu discurso histórico de 1 de janeiro de 2003, ele declarou que seu sonho era viver em um país no qual as pessoas comessem pelo menos três vezes por dia. Para aqueles que nunca sentiram a tirania da fome e, ao contrário, exercitam descaradamente seu direito à gula, talvez fosse considerada uma trivialidade populista lutar pelo programa “Fome Zero”. Para aquela esquerda, convencida de que o nirvana da revolução só pode ser alcançado após a aniquilação da burguesia e a derrota definitiva do capitalismo, lutar contra a fome talvez pareça muito pouco heroico. Mas garanto a você que, para os mais de cinquenta milhões de brasileiros e brasileiras para os quais ter um emprego passou a ser um direito, para quem ter acesso a escola, habitação decente ou cuidados médicos básicos passou a ser uma oportunidade real, para eles, filho querido, o que estava acontecendo no Brasil foi algo absolutamente extraordinário e inédito. Certamente não acho que só isso foi importante, mas também o fato de que os mais pobres não tenham acreditado que tudo isso aconteceu graças à generosidade de um Deus, de um líder salvador ou de uma oligarquia paternalista, mas sim como fruto da política e de um Estado que, pela primeira vez, reconhecia-os em sua qualidade de cidadãos e cidadãs. Sei que essa não é a revolução com a qual sempre sonhamos. E espero que não se transforme na única revolução que você e sua geração pretendam realizar em um país que, agora, parece teimar em voltar ao passado, em repetir sua história de injustiça e desprezo pelos mais pobres.

O Brasil se transformou e deu início a um processo de modernização social. O mundo reconheceu e compreendeu que, sem nenhuma sombra de dúvida, os grandes arquitetos dessa mudança foram Lula e o Partido dos Trabalhadores.

Mas ninguém é profeta em sua própria terra, nós já sabemos disso. A direita brasileira odeia Lula. Ela o odiava antes que ele vencesse as eleições em 2002; ela o odiou durante e após seus dois mandatos presidenciais. Lula sabe que a direita o odeia e que manifesta seu desprezo para com ele e as realizações de seus governos por meio das organizações em que atua: obviamente, os partidos conservadores, as corporações empresariais, algumas das igrejas evangélicas inquisidoras e corruptas, bem como setores dos meios de comunicação, da justiça e das forças de segurança. A direita não o odeia apenas por ser de esquerda ou porque ele pertence a um partido socialista que transformou a esquerda latino-americana. Não. Eles o odeiam porque Lula ampliou direitos e multiplicou oportunidades de desenvolvimento, bem-estar e progresso social para milhões de brasileiros e brasileiras que haviam nascido em um país que os queria calados, silenciados, submissos, invisíveis. Eles o odeiam por ter chegado ao poder e não ter se transformado em mais um na lista de ditadores, medíocres, covardes, incompetentes, mentirosos, medrosos e traidores que compõem grande parte da galeria dos presidentes do Brasil desde a proclamação da república.

O que certos setores mais dogmáticos da esquerda não entendem é como a direita o os grandesgrupos econômicos odeiam tanto Lula se seu programa de reformas sociais não interferiu nas estratégias dominantes de acumulação e reprodução do capital durante a última década. Os mais ricos não deixaram de ganhar nos últimos anos; ao contrário, alguns aumentaram suas fortunas. Os níveis de desigualdade, embora tenham diminuído, não alteraram a estrutura profundamente injusta de distribuição da riqueza, do poder e dos benefícios. O que essa esquerda supõe é que, pelo fato de Lula não ter desestabilizado as bases de sustentação do capitalismo vernáculo, o poder econômico, os grandes monopólios de imprensa ou a própria política conservadora deveriam venerá-lo. Não vou pedir que você faça o que eu, quando tinha sua idade, fui incapaz de fazer. Mas quero advertir-lhe a sempre desconfiar das explicações políticas ou sociológicas que parecem simples demais, das análises nas quais não se identifica nenhuma curva, nenhuma margem para dúvidas. A esquerda dogmática está enganada a esse respeito, como quase sempre está enganada, no Brasil e em todos os lugares.

A direita não luta apenas para que seus interesses não sejam questionados; não luta somente para não parar de ganhar nem para continuar a acumular mais riqueza, ou para manter seus interesses inalterados. Ela luta por algo mais: impedir que uma política qualquer acabe desestabilizando ou ameaçando, por meio da ampliação das oportunidades e dos direitos dos mais pobres e excluídos, as estruturas de poder sobre as quais se sustenta um sistema injusto e desigual que pertence a eles e o qual não querem mudar. Não se trata só do capitalismo, mas do capitalismo praticado nos trópicos,o capitalismo selvagem, incapaz inclusive de conviver com uma democracia que seja algo mais do que o comércio de votos entre candidatos insípidos e obedientes. Quando, na América Latina, a democracia produz resultados democráticos, quando serve para afirmar os direitos dos cidadãos, essa democracia é anulada e surgem os golpes de Estado. Desta vez, sem a presença dos militares. Assim como acontece em uma caçada, é uma questão apenas de esperar o momento certo. A democracia está cercada pelos poderes que pretendem transformá-la em uma sombra do que deveria ser, em uma caricatura grotesca, sem conteúdo ou adjetivos que lhe deem alvo e sentido. A classe dominante se convenceu de que se não é possível vencer a democracia, é preciso esvaziá-la. Transformá-la em algo que seja desprezível, desnecessário, em uma sinfonia de procedimentos distanciados da realidade das pessoas. Inútil como uma plataforma mínima a partir da qual sonhar e imaginar um mundo mais justo, mais livre e igualitário. Uma democracia que, afinal de contas, não interesse a ninguém. Uma democracia anoréxica, sem graça, fútil, frívola, insignificante.

Se você se opuser a isso, terá de enfrentar o poder. E esse campo político que chamamos esquerda nasceu para fazer isso: enfrentá-lo.

É por isso que odeiam Lula e farão tudo que estiver ao seu alcance para destruí-lo. Não tem a ver com uma pessoa. Trata-se de um projeto, de uma utopia, de uma esperança que está em jogo. Não é um homem, é um horizonte. Não é Luiz Inácio que os aterroriza, são os Lulas que estão por vir.

E caberá a você e a sua geração inventá-los.

Sim, eu já sei. Imagino sua expressão de tédio ao ler isto. Você me dirá que só sei falar de Lula, contar suas histórias e relatar os feitos de seu governo. Mas que a presidenta é Dilma, e que o “nosso” governo não ia nada bem.

É verdade. O segundo mandato de Dilma começou com um grande erro estratégico, em um momento no qual as condições políticas e econômicas haviam mudado significativamente. Após o apertado resultado das eleições que lhe garantiram a vitória em outubro de 2014, o governo se transformou no defensor de uma maior disciplina fiscal, abandonou os mecanismos participativos e consultivos da política pública, que haviam sido criados durante a gestão de Lula, além de se aproximar estreitamente das perspectivas e enfoques daqueles que assessoram, interpretam e determinam os humores do mercado. Para isso, colocou à frente do Ministério da Economia um exímio neoliberal e lhe deu carta branca para avançar em uma severa política de ajuste fiscal. Se a estratégia era ganhar amigos, o que se conseguiu foi perdê-los por todos os lados. A direita correu pela esquerda, a esquerda não soube para onde correr, e quase ninguém acreditou na promessa de que era possível reduzir drasticamente os gastos públicos sem mexer nos programas sociais.

Dilma Rousseff sempre foi uma excelente administradora, uma militante inabalável e uma lutadora corajosa. Ela é, também, uma pessoa extraordinária, dura e exigente, mas generosa, comprometida e dedicada de corpo e alma à construção de um Brasil mais justo, mais democrático e igualitário. O desprezo com o qual a trataram nos últimos meses é muito mais do que uma rejeição aos caminhos assumidos por seu novo mandato. É uma reação que pode ser explicada no contexto de um fascismo social emergente e a partir de um exercício ensurdecedor de misoginia, de um machismo descontrolado, de pura humilhação pelo simples fato de Dilma ser mulher. Sim, é fato que se ela fosse homem provavelmente também buscariam meios de destituí-la. Mas não creio que se assim fosse teríamos visto se multiplicarem as mais diversas formas de desprezo que foram manifestas nestes dias no parlamento, por alguns meios de comunicação e certos inquisidores evangélicos, com a mais absoluta impunidade.

Não é por acaso que a representação de mulheres no Congresso brasileiro tenha diminuído, e que algumas das poucas que nele têm seus cargos o façam como representantes de seus maridos, também políticos profissionais. Não é por acaso que quase não se tenha negros, e menos ainda mulheres negras, ou indígenas, e menos ainda mulheres indígenas, ou jovens, e menos ainda mulheres jovens. É um fato escandaloso que esse parlamento misógino, machista e recheado de preconceitos, onde a Bíblia é mais citada do que a Constituição, tenha metade de seus membros processados por corrupção e que quem contava os votos a favor da destituição de Dilma tenha sido condenado por trabalho escravo, sendo apresentado diante da sociedade como um grande defensor da democracia.

Dilma Rousseff consolidou e expandiu as reformas sociais dos dois primeiros governos do PT. Sua política de atendimento sanitário com o programa “Mais Médicos”; seu inovador e abrangente programa popular habitacional “Minha Casa, Minha Vida”; seu programa de obras públicas e de infraestrutura; sua política educacional, com foco na educação técnica e profissional, mas também com um amplo desenvolvimento da política cientifica e do programa “Ciência sem Fronteiras”, que se tornou a maior iniciativa mundial de internacionalização de estudantes, foram marcos da maior relevância no desenvolvimento de uma política de inclusão social e de promoção da cidadania.

Agora, meu filho, você está se preparando para entrar na faculdade. Há 12 anos, o Brasil tinha cerca de três milhões e meio de estudantes universitários. Hoje, estamos chegando a quase oito milhões. Em uma década, a matrícula universitária dobrou. Pouquíssimos países do mundo conseguiram isso em tão pouco tempo. E o Brasil conseguiu porque houve uma decisão política fundamental: permitir que milhares e milhares de jovens de setores populares, filhos e filhas de trabalhadores, empregadas domésticas, agricultores e agricultoras, jovens de comunidades indígenas e em particular jovens negros e negras, ingressassem pela primeira vez no ensino superior. O Brasil tem hoje um sistema universitário muito melhor que há uma década. E é muito melhor porque é muito mais justo e democrático, embora ainda existam muitas coisas que precisamos fazer para melhorar nossas universidades.

As elites nunca perdoam aqueles que democratizam o acesso à universidade, essa instituição que sempre foi considerada por eles como sua propriedade e privilégio. As elites não gostam que questionem seu direito sobre o que acreditam que lhes pertence, embora o tenham roubado.

Dilma pode ter se empenhado em criar um plano econômico que não assustasse os setores do poder oligárquico nacional, os especuladores internacionais (que se fazem ser chamados de “investidores”) e aqueles que publicam suas opiniões, fazendo-as passar pela opinião pública. No entanto, também não a perdoaram por colocar em ação um programa de cuidados básicos de saúde que, dada a baixa resposta dos médicos brasileiros, trouxe médicos de Cuba, da Espanha e de toda América Latina. Não a perdoaram por ter garantido o direito a uma moradia digna para famílias que, ao que parece, deveriam ter tido apenas a oportunidade de viver em casas de papelão e lata, empilhadas, correndo o risco de morrer enterradas pela lama após a primeira chuva de verão. Dilma pode ter colocado no ministério de economia o banqueiro mais neoliberal do mundo, mas jamais a perdoaram por ter ousado tirar os pobres do lugar que as oligarquias lhes impuseram ocupar.

Por que prosperou o impeachment, que os senadores estão votando enquanto escrevo estas linhas? Isso, talvez, quase todo o mundo já saiba. A oposição encontrou uma maneira de trazer um partido aliado do governo para o seu pelotão golpista. Assim, o PMDB, partido que sempre esteve no poder nos últimos trinta anos, aderiu sem remorsos ao golpe institucional, sabendo que seria seu principal beneficiário.

O PT havia se aliado ao PMDB e a outros partidos conservadores, possibilitando as articulações que lhe permitiriam chegar ao poder nas eleições de 2010 e de 2014. A democracia é sempre uma estratégia de alianças, e aquele que quer ganhar precisa negociar. Mas o negociar tem seus riscos, especialmente se a negociação é com um partido venal, repleto de corruptos e cuja virtude democrática mais brilhante é a de praticar o oportunismo, tentando estar sempre e em todas as circunstâncias perto do poder. Sob o esmagador impulso do PT para ganhar as eleições de 2010, Michel Temer integrou a fórmula presidencial com Dilma Rousseff. O PMDB alcançaria assim uma enorme influência no terceiro mandato petista. As eleições de 2014 encontraram o PMDB dividido e um setor do partido, liderado pelo próprio Temer, disposto a não correr o risco de perder os espaços conquistados. O casamento com o PT se manteve.

As alianças, filho querido, são o grande mistério da democracia. A grande oportunidade e também a grande armadilha. Sem alianças é impossível chegar ao paraíso, o Éden do poder. Mas nunca se esqueça de que o caminho para o inferno está semeado de alianças que falharam e de pactos que nunca foram cumpridos. Já no século XVII, o cardeal Jules Mazarin advertiu que a arte da política é a arte da traição. Desde então, até hoje, há aqueles que lutam para mudar a política, inventando uma nova forma de ação coletiva e de administração daquilo que pertence a todos, do público, do comum, uma política construída sobre outros valores e outras práticas. O PT foi o partido que ensinou a muitos da minha geração que isso era possível. Não acredito que tenhamos conseguido. Ou, talvez, mal tenhamos começado.

O que chama a atenção é que ainda existam alguns que se surpreendam ou se indignem porque Temer traiu Dilma, quando todo o conjunto da oposição, com a indiferença do Supremo Tribunal Nacional, encontrou a chave do cofre da felicidade e, simplesmente, inventou um crime para dar início ao processo de impeachment. Temer não se tornou um “traidor” diante da oportunidade eminente de chegar à presidência sem ter sido eleito para isso. Não. Aqui, a ocasião não faz o ladrão. O PT precisava de Temer e do PMDB para ganhar as eleições nacionais em 2014. E o PMDB e Temer precisaram de um ano e quatro meses do governo de Dilma Rousseff para arrancar-lhe o cargo das mãos. Que isso tenha sido feito a partir de uma mentira, de um artifício pseudojurídico, de uma farsa ou um grande fiasco, a poucos importa. Assim é a mágica da maioria. Se 367 deputados dizem que houve crime e 137 dizem que não houve, o que aconteceu foi um crime. Talvez a única coisa boa nesse domingo fatídico no qual os deputados brasileiros deram início à destituição de Dilma, foi conhecer a cara desses deputados, muitos dos quais sequer tiveram votos, mas estão lá pela lógica do reboque de candidatos estrelas. Se dou meu voto, por exemplo, para o palhaço Tiririca, também dou meu voto a um conjunto secreto e desconhecido de candidatos bem mais patéticos do que o próprio Tiririca, que serão eleitos com 20 ou 30 votos. Talvez nada disso tenha a menor importância para alguém que vota no palhaço Tiririca, afinal, nem sempre a democracia parece mais séria do que um bom espetáculo circense.

Por que se deveria confiar em Michel Temer?

Um provérbio africano diz que a história não é escrita pelos leões, mas pelos caçadores. Temer finalmente conseguiu ressurgir das cinzas de seu até então medíocre, sem brilho e banal exercício do poder. Uma presença sombria em Brasília que despertava apenas o esporádico interesse da revista Caras. Até algumas poucas semanas atrás, parecia tão esperto quanto o ex-presidente argentino Fernando de la Rua. Hoje, parece mais com Franklin Delano Roosevelt.

O poder e a imprensa fazem milagres, meu filho.

Machismo? Uma mulher que exerce suas funções de controle com firmeza e não se deixa derrubar pela adversidade geralmente é motivo de desprezo por parte de empresários, políticos e jornalistas misóginos que não perderão a chance de fazer piadas, criar rumores ou inventar histórias sobre sua sexualidade. Assim foi tratada Dilma desde que assumiu seu primeiro ministério no governo de Lula, mais de dez anos atrás. Mas agora tudo mudou. Temer é casado com uma mulher branca e loira, 43 anos mais jovem do que ele, “muito feminina”, como a descrevem, sem outra ambição pessoal além de cuidar do lar. Ele, um homem vigoroso, potente, de quase oitenta anos, mas cheio de vitalidade em sua capacidade reprodutiva. Ela, dedicada à sua casa, prolífera, atenciosa, disciplinada, que sabe ocupar seu lugar. Uma combinação perfeita. O casal que o Brasil precisa para sair da crise.

Até poucas semanas atrás, Michel Temer parecia menos sedutor do que o Incrível Hulk. Hoje, parece o George Clooney.

O poder, a misoginia e o Photoshop fazem milagres.

Michel Temer não é Frank Underwood, embora em Brasília se viva a dramatização amazônica deHouse of Cards, com Chespirito e Cantinflas.

Mas, filho, desculpe, acho que me desviei do que realmente queria lhe dizer. O que pretendo explicar-lhe é que não houve improviso, espontaneidade nem sorte inesperada. Havia um plano:acabar com o governo Dilma e com o PT. Um plano que seguirá seu curso. Um plano que não vai acabar até que eles possam, definitivamente, impedir que Lula chegue à presidência da república pelo voto popular em 2018. Nessa linha, continuarão as questionadas investigações do juiz Sérgio Moro, do procurador-geral Rodrigo Janot, e de todo funcionário, político, delinquente ou delator que pretenda conquistar o Globo de Ouro da justiça brasileira: mostrar que Lula é corrupto.

Sim, eu sei: a corrupção. Cheguei até aqui sem mencionar até agora a palavra “corrupção”. E não porque quis me esquivar do assunto que hoje, para muitos, dentro e fora do Brasil, explica por que Dilma está sendo destituída.

O sistema político brasileiro está infectado pela corrupção. A corrupção não é uma anomalia. Ela é um dos seus elementos constitutivos. É o que impulsiona boa parte dos interesses, relações, influências e preferências de um número significativo de representantes do povo, funcionários públicos, juízes e promotores, membros das forças de segurança pública e, especialmente, do mundo das grandes corporações. Claro que existem políticos, deputados, funcionários, juízes, promotores, policiais, militares e empresários honestos. Mas a corrupção é um dos combustíveis que acionam o sistema. E talvez o principal erro que tenhamos cometido na esquerda brasileira e latino-americana nos últimos anos tenha sido não nos colocar na frente, na vanguarda, como gostamos de dizer, do combate contra a corrupção. Deveríamos tê-lo feito cortando pela raiz qualquer responsável por corrupção entre nossas fileiras, doesse onde doesse, sem nunca deixar de emitir sinais claros sobre de qual lado estávamos. Nosso apoio a uma reforma política que evidencie que o atual sistema partidário promove a promiscuidade entre o mundo privado, os negócios e os interesses públicos, deveria ter sido muito mais explícito e determinado.

Deveríamos ter feito isso sem medo e, especialmente, sem culpa. Não para convencer os corruptos que existem dentro ou fora da política, que operam dentro ou fora da justiça, que atuam dentro ou fora das corporações. Deveríamos tê-lo feito por nosso compromisso com os setores populares, com as classes médias, com as pessoas que, neste país e em todo o nosso continente, trabalham honestamente e constroem sua dignidade cotidiana sem cometer nenhum delito. A imensa maioria das pessoas que compõe nossas nações são cidadãos e cidadãs honrados e bons. Os dirigentes de esquerda, quando deixam de se parecer com elas, começam a se parecer com os empresários, políticos, juízes e policiais cujo comportamento corrupto desejamos combater.

O PT foi o partido brasileiro que, desde o início do primeiro governo Lula e durante os dois mandatos de Dilma Rousseff, mais combateu a corrupção. Trata-se de um fato objetivo, concreto e irrefutável. Nunca se investigou tantos casos de corrupção; nunca a justiça e a polícia federal tiveram tanta autonomia; nunca tanto dinheiro roubado foi recuperado para os cofres públicos. Não acho que isso deva ser considerado um mérito, a menos que o comparemos com o fraco desempenho na luta contra a corrupção por parte dos governos anteriores.

O problema é que, na América Latina, quando a corrupção não é combatida, torna-se imperceptível. E, por outro lado, quanto mais ela é combatida, mais parece presente e mais parece invadir tudo.

É lamentável que o governo tenha pensado que, mesmo sem um relato sobre o que estava acontecendo, as pessoas entenderiam por osmose (ou porque haviam sido feitas boas políticas sociais) que o PT era o principal partido envolvido no combate à corrupção. E como o relato não foi feito pelo governo, a oposição o fez. Assim foi dito e boa parte da sociedade acreditou: a corrupção vem do PT e erradicá-la envolve livrar-se de seu governo.

Conseguiremos demonstrar agora que essa afirmação é falsa?

Certamente será difícil, mas precisamos tentar. Não é esse, meu filho, o único grande desafio que teremos pela frente. Precisaremos enfrentar um governo neoliberal, cuja composição e estrutura representarão um enorme retrocesso na história democrática do Brasil. Governarão agora aqueles que perderam as eleições nacionais há menos de dois anos. Os mercados, a imprensa dominante e as oligarquias os apoiam fortemente. Um amplo setor da sociedade, cansado da crise, talvez também os apoie. Não é preciso ter muita imaginação para prever o cenário que se aproxima: perda de direitos, retrocesso nas reformas democráticas, redução dos espaços de participação, privatização da esfera pública, criminalização do protesto social e exacerbação da intolerância. É a história se repetindo, desta vez em sua condição de farsa. Na década de noventa, o neoliberalismo chegou ao poder pelas mãos do apoio popular. Hoje, voltará apoiado nas muletas do golpe. Não acredito que a falta de dignidade nem a decadência ética sejam sentimentos que tirem o sono de grande parte dos funcionários do novo governo.

Mas a gravidade do momento que estamos vivendo não pode deixar espaço para o pesar, a angústia ou a perplexidade. Precisamos chorar nossas lágrimas em silêncio e nos recompor o mais rápido possível, a fim de lutar as lutas que ainda precisamos lutar. Hoje é um dia de infâmia para a democracia no Brasil e na América Latina. Mas dependerá de nós, em grande parte, que amanhã possa deixar de ser. Vamos ter de recolher os restos da batalha perdida e seguir em frente com dignidade e esperança, com convicção e valentia. As bandeiras da luta pela justiça social e a liberdade humana, a luta pela igualdade e o bem comum, continuam exigindo que as levantemos com orgulho e determinação. Os zapatistas dizem, querido filho, que as bandeiras existem quando existem mãos para fazê-las tremular, quando há mãos para erguê-las e fazê-las brilhar. Nossas bandeiras precisam de muitas mãos dispostas a erguê-las novamente e a lutar por elas. Convencer cada vez mais e mais pessoas, jovens e não tão jovens, de que essa é uma luta justa e necessária será uma das grandes batalhas que teremos de lutar. A luta por um mundo melhor começa aqui e começa agora, construindo um Brasil melhor.

Eu me formei politicamente na luta contra a ditadura e, em seguida, nas dinâmicas de mobilização que acompanharam o processo de transição democrática na Argentina dos anos 80. Aqui no Brasil, muitos jovens como você se formaram politicamente na luta pelas “Diretas Já”, exigindo seu direito inalienável de escolher sem mediação o presidente que deveria governar os destinos da nação.

Você nasceu à militância na luta contra a destituição injusta de uma presidenta honesta e valente, democraticamente eleita pelo voto popular. Eu aprendi a militar exigindo o regresso da democracia que haviam roubado de nós. Você está aprendendo a militar exigindo que não seja roubada a democracia que tanto sofrimento, morte e dor nos custou para conquistar.

Certa vez, Eduardo Galeano disse que a única coisa que se constrói de cima para baixo são os poços. O restante, principalmente o restante das coisas pelas quais vale a pena continuar vivendo, são construídas de baixo para cima. Nosso futuro é uma delas.

Nestes dias eu me lembrava daquela noite de outubro de 2002, quando Lula se consagrou presidente da república diante de José Serra, sucessor de Fernando Henrique Cardoso. Saímos para caminhar junto com um mar de gente, você, sua mãe e eu, na praia de Copacabana. O céu estava nublado de estrelas. As bandeiras vermelhas e as lágrimas de emoção desenhavam serpentinas de esperança nos rostos e nos corpos de milhares e milhares de brasileiros e brasileiras, que estavam dispostos, agora sim, a inventar uma nova nação. Eu carregava você em meus ombros e não parava de repetir que, depois do seu nascimento, aquele era, sem sombra de dúvidas, o dia mais feliz da minha vida.

Os senadores ainda estão votando e já anoiteceu. Dilma começará a deixar a presidência em poucas horas. A sessão não terminou, mas sinto um enorme desejo de voltar e percorrer com minhas lágrimas e minha bandeira vermelha aquela areia branca e aquele céu milagroso que nos acariciou quando para você tudo isso talvez parecesse simplesmente mágico. Venha, vamos juntos outra vez. Não prometo agora carregar você sobre os meus ombros. Mas o que prometo, querido filho, é que estarei ao seu lado, aprendendo novamente a lutar, aprendendo novamente a sonhar.


(Escrito entre a madrugada e a noite do 11 de maio de 2016, um dia infame)

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O COMÍCIO QUE MUDOU O DESTINO DO PAÍS


domingo, 13 de março de 2016

Publicado por  × 13/03/2014


Em 13 de março de 1964, o presidente João Goulart reuniu 150 mil pessoas no Comício da Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em prol das chamadas reformas de base de seu governo. Carlos Lacerda, governador da Guanabara e um dos principais opositores de Jango, teve a ideia de decretar feriado no dia 13 de março acreditando que, com isso, os trabalhadores não iriam ao comício. A tentativa não deu resultado.
Organizado por uma comissão de líderes sindicais, o comício mostrou aos opositores o apoio popular às reformas propostas pelo governo, que pretendiam modernizar a estrutura do país em vários setores como o agrário, bancário, administrativo e eleitoral.
Goulart discursou por quase uma hora. No início, atacou os “democratas” e sua “democracia anti-povo e anti-reforma”. Jango os acusou de defender “uma democracia dos monopólios nacionais e internacionais”. Mais adiante, ele propôs a revisão da Constituição de 1946, “que legaliza uma estrutura socioeconômica já superada” e a necessidade de “colocar fim aos privilégios de uma minoria”. Jango defendeu também a extensão do direito de voto aos analfabetos, soldados, marinheiros e cabos, assim como a elegibilidade para todos os eleitores.
Escute trecho do discurso de Jango:




Quinze oradores precederam o presidente da República. O mais aplaudido foi Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e deputado federal pelo PTB carioca, que exortou o presidente a “abandonar a política de conciliação” e instalar “uma Assembleia Constituinte com vistas à criação de um Congresso popular, composto de camponeses, operários, sargentos, oficiais nacionalistas e homens autenticamente populares”.

As propostas que levaram a elite brasileira ao desespero
As propostas de Jango mexiam em interesses poderosos e arraigados há séculos no país. Entre elas, o presidente pretendia desapropriar terras com mais de 600 hectares, além de áreas que ladeavam rodovias e ferrovias nacionais. Para realizar uma reforma educacional, o governo utilizaria 15% da receita tributária brasileira. Entre os projetos nessa área, constava uma ampla reforma de erradicação do analfabetismo, baseada nas experiências pioneiras do educador Paulo Freire.
Na economia, Jango propunha um controle da remessa de lucros das empresas multinacionais para o exterior e o imposto de renda seria proporcional ao lucro pessoal. Com relação à Petrobrás, afirmou que assinara pouco antes o decreto de encampação de todas as refinarias particulares, que passavam a pertencer ao patrimônio nacional.
13 de março Brizola  no Comício da Central do Brasil
O discurso de Brizola preparou os presentes para o histórico discurso de Jango (fonte: site Brasil Recente)
” A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver. Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças , porque não têm dinheiro para comprar… (A reforma agrária) interessa, por isso, também a todos os industriais e comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo”. (trecho do discurso de Jango)
O livro Jango, a vida e a morte no exílio, do professor Juremir Machado da Silva, descreve a entrega pessoal de Jango ao comício: “Sai exausto. Quase desmaia no carro, para desespero de Maria Thereza. Ao chegar ao palácio, amassado e sem os botões da camisa, o velho Braguinha pergunta: — Que foi que aconteceu, presidente, o senhor parece que está vindo de uma guerra. Está mesmo. Chega vitorioso. Acaba de travar a sua mais franca batalha, de peito aberto, corpo exposto aos inimigos. Essa vitória terá o seu preço. A conta chegará logo”.
13 de março jango central do brasil
Capa do jornal Última Hora, que apoiava o governo Jango
Pelo que já se sabe, a ofensiva dos setores conservadores do país não demorou a acontecer. Em 19 de março, dia de São José, considerado o padroeiro da família, milhares de paulistanos saíram às ruas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. O pânico incutido por quase toda a mídia (a exceção mais conhecida era o Última Hora, jornal de Samuel Wainer) na classe média contra a “ameaça vermelha” levou, duas semanas depois, ao golpe militar.
Leia a matéria da Folha  (dica da jornalista e blogueira @cynaramenezes) claramente favorável  sobre a marcha conservadora em São Paulo.
Fontes: livro Jango, a vida e a morte no exílio de Juremir Machado da Silva, CPDOC-FGV e Folha de São Paulo.

Sou blogueiro, jornalista e criador de conteúdo. Pai de Lorena, santista e obcecado por literatura, cinema, música e política.

UMA GRANDE HONDURAS, UMA GRANDE GRÉCIA.

 Por Marcelo Zero



Por causa do golpe, o Brasil se converteu, aos olhos do mundo, numa espécie de grande Honduras. Um país sem instituições democráticas sólidas, instável, sujeitos a golpes de todos os tipos. Uma típica e caricata república de bananas.

Graças ao golpe, o Brasil se converteu em motivo de chacota em todo o mundo. Nunca a imagem do nosso país esteve tão baixa. Até mesmo jornais conservadores, como o New York Times, fazem editoriais condenando o golpe e afirmam o óbvio: a destituição de Dilma Rousseff piorará a crise política brasileira. Já a nossa mídia plutocrática e bananeira dedica-se, agora com vocação para grande partido da situação, a ocultar o óbvio e a defender o indefensável.

Por sua vez, a reação do governo golpista relativa à imagem internacional negativa do golpe é previsível. Já começaram de novo a falar grosso com países como Bolívia e El Salvador, mas preparam-se para falar fininho, bem fininho, com países como os EUA, em negociações comerciais assimétricas.

Agora, o circo de horrores legislativo da sessão da Câmara do dia 17 abril foi substituído pelo circo de horrores executivo de um ministério composto exclusivamente por homens brancos, quase todos acusados de alguma irregularidade, a exalar misoginia, racismo, incompetência técnica e conservadorismo extremo.

A extinção do Ministério da Cultura, uma conquista da jovem democracia brasileira, e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial da Juventude e dos Direitos Humanos completa o quadro tenebroso e simbólico dos retrocessos democráticos. A nomeação de um Ministro da Justiça especializado na repressão a estudantes e movimentos sociais desnuda a intenção de lidar com reivindicações legítimas com o uso ilegítimo da força bruta. Já a extinção da CGU demonstra o grau de compromisso do governo golpista com o combate à corrupção.

Mas isso foi apenas o começo. Vem aí o grande circo de horrores do programa do golpe. Muito maior e ainda mais horrendo. Vai eclipsar, com folga, o circo de horrores do golpe em si.

Como já havia mencionado em artigos anteriores, o programa do golpe, a "Pinguela para o Passado", destina-se a acabar, mediante um só golpe (o trocadilho é intencional), com o legado social de Lula, de Ulysses Guimarães e de Getúlio Vargas.

Com efeito, não se trata somente acabar com ou reduzir drasticamente os legados sociais de Lula/Dilma, como os relativos ao Bolsa Família, ao Mais Médicos, ao Minha Casa Minha Vida, ao Prouni, ao Fies ou a política de valorização do salário mínimo. Não se trata somente de voltar ao status quo ante do neoliberalismo que vigia na época do tucanato. É muito pior. A ideia aqui é desconstruir toda uma arquitetura histórica de direitos sociais e mecanismos econômicos que, bem ou mal, apontam para a criação de um capitalismo minimamente civilizado no país.

Assim, o golpe é também contra a Constituição Cidadã, ou Constituição Social, de 1988. A tese dos golpistas é que os direitos sociais assegurados na Carta Magna, como o da irredutibilidade dos salários, o do salário mínimo real capaz de assegurar uma sobrevivência digna, saúde, educação, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, etc. "não cabem no orçamento". Daí a proposta de extinguir os mínimos percentuais orçamentários que a Constituição prevê para serem investidos nessas áreas sociais.

Os golpistas querem o "orçamento de base zero", isto é, a desvinculação de todas as receitas e gastos sociais existentes. Assim, não haveria mais pisos constitucionais mínimos para saúde, educação e outras despesas sociais. Também querem desvincular o salário mínimo das aposentadorias pensões e outros benefícios previdenciários.

A Constituição Cidadã seria, dessa forma, substituída por uma Constituição Empresária, que asseguraria a realização de superávits primários, o pagamento aos rentistas e taxas de lucro que "estimulariam a retomada do crescimento".

Em suma, os golpistas querem repor a nossa triste tradição histórica de colocar nas costas dos trabalhadores o custo da superação da crise. Querem também a volta da desigualdade como fator que estimularia um novo ciclo de crescimento concentrador e excludente, como o ocorrido na ditadura. Querem até mesmo acabar com proteção trabalhista assegurada pela CLT de Getúlio Vargas.

A "Pinguela para o Passado", se implantada em todo seu esplendor reacionário, vai nos reconduzir à República Velha, quando a questão social era "caso de polícia". Nesse sentido, o novo ministro da Justiça parece ter sido escolhido a dedo.

Em interessante e reveladora atitude "sincericida", Moreira Franco já deixou claro que pretende focar o Bolsa Família nos 5% mais pobres, o que excluiria do programa cerca de 30 milhões de pessoas.

Outra atitude "sincericida" foi a do novo Ministro da Saúde, que declarou, com todas as letras, que o país não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante –como o acesso universal à saúde– e que será preciso repensá-los.

Foi ainda mais sincero em seu exemplo do que precisa ser feito no Brasil:

"Vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e em outros países que tiveram que repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de sustentá-las".

Inacreditável. O novo ministro usou a Grécia, exemplo mais bem-acabado das políticas de austericídio, do que não deve ser feito, para apontar o caminho que o Brasil deve seguir.

Mais claro impossível. Além de nos transformar numa grande Honduras, exemplo de desastre político, querem nos transformar também numa grande Grécia, exemplo de desastre social e econômico.

Haja República Velha!

http://www.brasil247.com/pt/colunistas/marcelozero/232841/Uma-grande-Honduras-uma-grande-Gr%C3%A9cia.htm


quarta-feira, 18 de maio de 2016

RELIGIÃO, HINO, FAMÍLIA, BANDEIRA, DINHEIRO, NÃO SÃO MONOPÓLIO DA DIREITA

VAMOS REFLETIR?

Encontrei um artigo do professor Osame Kinouchi, que é Professor Associado (Livre-docente) do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo, publicado no blog Cafezinho, que admiro e reputo como um dos excelentes conjunto de jornalistas, com ítens que ousei recortar a copiar numa nota, porque li e achei muito interessante até porque, apesar de estar com muita raiva por todos os acontecimentos que culminaram na admissibilidade do impeachment da Presidenta Dilma e ainda crer na possibilidade de que nada disso siga adiante (sou uma inveterada otimista) e mesmo sabendo que nada disso pode acontecer e que nós tenhamos que enfrentar dias terríveis pela frente, o que já percebemos pelas notícias que são amplamente divulgadas, porque felizmente temos a internet, que apesar de saber que temos que investigar antes de aceitar todas as informações a rede ainda nos oferece todas as possibilidades de nada mais ser escondido.
Li o artigo do professor Osame Kinouchi e fui pesquisar quem era, para ter certeza de que minha interpretação tinha uma linha de pensamento dentro de minhas vicências e, claro, também coloco aqui nesta nota, algumas atividades do Professor Kinouchi, que é bacharel em Física pelo Instituto de Física e Química de São Carlos - atual IFSC- USP (1987), mestre em Física pelo Instituto de Física e Química de São Carlos - USP (1992) e doutor em Física pelo Instituto de Física da USP (1996). Fez seu pós-doutorado no IF-USP (1997) e IFSC-USP (1998), foi Jovem Pesquisador FAPESP na FFCLRP-USP (1999-2002) e fez livre-docência pela USP (2008). Atualmente é professor associado da Universidade de São Paulo no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Tem experiência na área de Física Estatística e Sistemas Dinâmicos, atuando principalmente nos temas ligados a neurociência computacional, meios excitáveis, redes neurais, automata celulares e criticalidade auto-organizada. Teve um de seus trabalhos (publicado no Physical review Letters) comentado por H. Eugene Stanley na seção News and Views da Nature. Também publicou um trabalho na Nature Physics mostrando que a faixa dinâmica em redes de elementos excitáveis similares a neurônios é otimizada no ponto crítico de uma transição de fase. Coordenador do Laboratório de Física Estatística e Biologia Computacional no Departamento de Física da FFCLRP-USP. Coordenador do Laboratório de Divulgação Científica e Cientometria do DF-FFCLRP-USP, é responsável pelo Anel de Blogs Científicos e pelo blog SEMCIÊNCIA.
Bom, identificado o homem, lido o artigo, mesmo sem licença do Cafezinho e sem licença do professor Osame, colei alguns itens para facilitar a leitura e coloco também o link http://www.ocafezinho.com/2016/05/1..., para quem desejar ler o artigo na íntegra.
Resumindo: Gostei de tudo que foi escrito, evidente que tenho minhas convicções a respeito de algumas coisas, mas estamos num momento em que devemos pensar que todas as conquistas obtidas até agora, não podem ser destruídas (não sei se a palavra seria esta), mas pelos acontecimentos iniciais e pela ira que todos os gabinetados interinos estão tomados, tudo indica que já está havendo um verdadeiro desmanche de todas as conquistas sociais sem que tenhamos a menor possibilidade de pararmos a não ser que saiamos às ruas como estamos tentando, mesmo sob a possibilidade de sermos considerados terroristas por defendermos um ideário que tem apenas 13 anos, somente acontecido mais de 500 anos após a descoberta e colonização deste pobre país, promovido inicialmente por um operário atrevido chamado Luiz Inácio (Lula) da Silva, o Lula veio depois, que não teve medo de enfrentar a elite global, representada pela inimiga número 1 do Brasil, a Rede Globo. O Lula era o sapo dos operários, um líder do movimento sindical que tinha “ojeriza” à política partidária e que convencido por alguns amigos, abriu uma exceção para a candidatura do sociólogo do Morumbi. Pediu em troca sua adesão às bandeiras econômicas dos sindicatos, prontamente atendidas. Tal qual FH, era sua primeira vez nas corridas eleitorais e que num comício, virou-se para Ulysses Guimarães e disse: “Agora querem que eu peça votos também pro Montoro. Eu não vou pedir. Se não me deixarem fazer o que eu quero, eu desço e levo o palanque todo comigo, e vamos fazer o comício em outro lugar.”
Segundo o Senador Cristovam Buarque, hoje decepcionando a todos que sempre o admiraram, porque votou a favor da admissibilidado do impeachment da Presidenta Dilma, quando em 1998, acompanhando Lula ao Palácio da Alvorada, Fernando Henrique quase que profetizou dizendo: “Lula, venha conhecer a casa onde você um dia vai morar”. E ele foi mesmo. Um torneiro mecânico, Presidente do Brasil, que nunca foi aceito pela mídia golpista da Rede Globo, nem pela elite batedora de panelas porque esta elite nunca aceitou que houvessem mudanças nas estruturas soiais do país.
Mas falei demais e, como já disse recortei alguns ítens do artigo do Professor Osame, que achei interessante, porque estamos em momento de reflexão e de pensar como teremos de agir com ou sem o afastamento da Presidenta Dilma, eleita por 54.000.000 de votos brasileiros e esperançosos e injustamente afastada depois de uma luta incansável de mais de um ano sem poder governar .

1 - A Religião não pode ser monopólio da Direita

Isto porque não existe apenas a direita religiosa, temos no Brasil também uma Esquerda religiosa (embora seja minoritária), representada por exemplo por Frei Betto e Leonardo Boff, pela pentecostal Benedita da Silva e mesmo por Marina Silva, que se apenas se mantiver no centro já é de grande ajuda por tirar votos evangélicos da extrema-direita religiosa de Bolsonaro. Não podemos deixar que aconteça no Brasil o que aconteceu nos EUA, onde o Partido Republicano é o partido de Deus, da família, do patriotismo e o Partido Democrata é o partido dos laicos, feministas, LGBT, anarquistas e ateus, uma eterna minoria no Congresso mesmo que ganhe de vez em quando a presidência

2 -A Família não pode ser monopólio da Direita

A Esquerda deve demonstrar que os programas sociais, a defesa da mulher e dos adolescentes, e até mesmo o casamento homossexual apoiam todos a ideia de família estável e organizada. Deixemos o conceito de família como instituição machista opressora para um feminismo datado dos idos de 1950. A família moderna, inclusive a heterossexual, é hoje muito mais que isso OU menos que isso).

3 - A Bandeira e o Hino nacionais não podem ser monopólio da Direita

Infelizmente, (grifo meu...não acho que seja impecilho) por motivos históricos, a esquerda se associou à cor vermelha, que tem valor simbólico muito negativo: sugere sangue, violência e mesmo o Demônio. Nota vermelha, ficar vermelho no cheque especial etc: inúmeras conotações negativas para a palavra "vermelho" (tente pensar em alguma expressão positiva, existe mas é muito difícil).
Que tal a esquerda mudar suas cores? Afinal, por que perder o poder e as eleições por causa de uma cor de bandeira? Sugiro as cores branca (símbolo da Paz, já usado pelo PT) e a cor verde (símbolo do ambientalismo progressista e cor presente na bandeira do MST). OK, podemos deixar a cor amarela (símbolo do ouro e da casa de Habsburgo) para a direita. Mas talvez pudéssemos usar o azul do céu da bandeira e da Virgem Maria eventualmente, para confundir as coisas... O que as esquerdas não podem deixar se implantar é a ideia de que a Direita é patriota e a Esquerda não o é e nem tem apreço pela bandeira brasileira. O mesmo pode-se se falar do Hino Nacional, que deveria ser cantado com a mão no peito em cada manifestação de esquerda. A Bandeira e o Hino não é monopólio da direita!
O mesmo pode-se se falar do Hino Nacional, que deveria ser cantado com a mão no peito em cada manifestação de esquerda. A Bandeira e o Hino não é monopólio da direita!
Fora essas escolhas simbólicas equivocadas, que só tem prejudicado o avanço das esquerdas, que tal tirar o nome “Comunista” de alguns partidos de esquerda? Afinal, o PT e o PSOL não são comunistas e o PC do B o é só no nome. Na prática, nas propostas concretas defendidas por esses partidos no Congresso, eles são todos socialistas-democráticos, que propõe um socialismo (de mercado?)

4 - O Ambientalismo não pode ser monopólio da Direita

E que tal incorporar o discurso ambientalista moderno, a defesa da Biodiversidade e as novas propostas de energias alternativas que geram inovação tecnológica, empregos e competitividade econômica? Esse é o discurso do Partido Raiz, que está sendo criado por Luiza Erundina e outros, e da Rede (onde dois deputados em quatro honrosamente defenderam o “Não ao Impeachment”).
Um ambientalismo baseado em evidências científicas e a defesa da Biodiversidade é a bandeira de quase todos os cientistas brasileiros, intelectuais, artistas, formadores de opinião e mesmo de uma classe média mais generosa e com consciência social. O Ambientalismo não é monopólio da Direita.

5 - O Anarquismo jovem de rede não pode ser monopólio da Direita

E que tal incorporar também um pouco de Anarquismo inspirado nas redes sociais e na Internet, Anarquismo que fascina nossos jovens que saíram às ruas nas grandes passeatas de 2013. Um pouquinho de Anarquismo de rede não faz mal a ninguém, desde que usado em prol dos oprimidos.

6 - O Capital não pode ser monopólio da Direita

Finalmente, que tal angariar o apoio dos herdeiros do grande capital? Isso mesmo, dos jovens filhos de gente rica que, pela educação universitária e pela consciência existencial e social, não sabem o que fazer com seu dinheiro mas gostariam de ajudar um programa progressista e ambientalista. Essa gente existe, e seus recursos podem e devem ser usados pelas esquerdas em prol dos seres humanos e ecossistemas oprimidos.
E que tal mostrar aos liberais econômicos e políticos que seu apoio à extrema-direita secular ou religiosa é desastrosa para seus próprios interesses? Afinal, Hitler e os neo-Integralistas brasileiros nunca foram amigos do capital internacional e do verdadeiro liberalismo econômico. Que tal unir forças, taticamente, com os verdadeiros liberais, para barrar o domínio do Brasil pela bancada da direita religiosa, do ruralismo atrasado pseudo-capitalista e da bancada da bala de extrema-direita? O capital cosmopolita, eco-socialmente responsável, não é monopólio da direita.

7 - Propostas renovadas

Será que minhas propostas para a esquerda são muito ingênuas ou radicais? Ou será que são extremamente realistas, por desmontarem o discurso da direita, por resgatarem temas importantes do monopólio religioso fundamentalista, por evitarem a polarização política que cria o Tea Party brasileiro, por facilitarem a criação de uma nova maioria progressista na sociedade e no Congresso? Ou será que não aprendemos nada com as derrotas para Reagan, Tatcher, a Queda do Muro e da URSS? Seremos tão dogmaticamente cegos, marionetes inerciais de uma simbologia datada, equivocada e desastrosa?
Uma esquerda renovada, que não tem medo de Deus, da Bíblia, da família e da bandeira brasileira mas os incorpora como símbolos e temas em suas lutas sociais será a única esquerda capaz de derrotar a extrema-direita e o Tea Party brasileiros.
Maristela Farias DRT 1778 PE