Ota Benga, Zoológico do Bronx, Nova York em 1906
A foto acima é do pigmeu Ota Benga que ficou em exibição junto a macacos no Zoológico do Bronx, Nova York, em 1906. Ota foi levado do Congo para Nova York e sua exibição em um zoológico americano serviu como um exemplo do quê os cientistas daquela época proclamaram ser uma raça evolucionária inferior ao ser humano. A história do jovem Ota serviu para inflamar as crenças sobre a supremacia ariana defendida por Adolf Hitler. Sua história é contada no documentário “The Human Zoo” (O Zoológico Humano).
Comparar os negros a macacos não é nada maneiro.
Assim como aquela velha e infeliz “piada” que pergunta, qual a diferença entre uma lata cheia de merda e um negro?, as piadas que comparam negros a macacos são racistas em sua essência; não são inovadoras, originais ou mesmo inteligentes pois humilham, causam constrangimento, tristeza e mal-humor em várias pessoas, pricipalmente aquelas que sabem o real significado de ser não-branco no Brasil. E a causa desse constrangimento tem uma razão histórica, como veremos.
Hoje vemos no Brasil o comportamento racista contra os negros surgindo de forma não camuflada e assim abalando as bem fracas estruturas do mito nacional da democracia racial. E nestes últimos dias o Brasil testemunhou casos onde negros sofreram humilhação pública, ofensas que utilizaram a figura do macaco dentro de um espaço já tradicionalmente reconhecido como popular, racialmente democrático e diverso: a arena de futebol.
O árbitro de futebol Márcio Chagas da Silva foi mais um alvo de racismo no último dia 5, durante a partida entre Esportivo e Veranópolis, no Estádio Montanha dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, quando ele, na entrada do jogo, foi chamado pela torcida de “macaco”, “imundo”, e “escória”. E mais tarde o árbitro encontrou seu carro amassado e sujo com bananas, inclusive no cano do escapamento, assim reportado pelo Portal Terra.
Um dia depois mais um caso ocorreu, desta vez em São Paulo, como noticiou o jornal Estado de São Paulo:
“Após ser chamado de ‘macaco’ no Estádio Romildo Ferreira, em Mogi Mirim, o volante Arouca repudiou as ofensas racistas que sofreu de torcedores na vitória do Santos por 5 a 2 contra o time da casa. Em nota, o atleta, que fez o terceiro gol da equipe praiana no jogo, classificou como ‘lamentável e inaceitável’ os xingamentos ouvidos na noite da última quinta-feira, em partida válida pelo Campeonato Paulista.”
Esse tipo de ofensa vem ocorrendo em todo o mundo, e aumentou bastante desde que Barak Obama se tornou presidente dos Estados Unidos, tendo ele sido alvo de várias caricaturas humilhantes retratando-o como macaco, e que tiveram o intuito único e absoluto de ofender o primeiro negro a ocupar o cargo de presidente daquele país. Estádios de futebol na Europa também se tornaram palco deste tipo de insulto regularmente.
Entretanto, muita gente não compreende a magnitude e profundidade da utilização da figura do macaco como insulto aos negros, mesmo quando a utilização da figura daquele animal tem como objetivo fazer alguém rir.Já algum tempo atrás, um humorista fez uma piada onde comparou o King Kong a jogadores de futebol. Entidades e grupos afro-brasileiros repudiaram tal piada e através de um twitter o humorista pergunta porque não se pode chamar um negro de macaco.
Esta postagem não é uma tentativa de explicação do porque não se pode chamar um negro de macaco, mas sim uma explicação do porque não se deve fazer esta comparação, e porque e como a mesma fere profundamente algumas pessoas.Bem, tudo tem uma raíz histórica.
James Bradley, professor de História da Medicina/Ciência da Vida da University de Melbourne, na Austrália, em seu texto “The ape insult: a short history of a racist idea” (O Macaco Como Insulto: Uma curta história de uma idéia racista), publicado no site The Conversation: Academic rigour, journalistic flair, detalha o uso ofensivo da comparação de descendentes de africanos com o animal macaco. Ele diz que para se “entender a força e o objetivo do uso do macaco como insulto, a gente precisa de uma dose de história”.
Para isso ele retorna ao século 18, momento no qual as teorias da evolução já estavam sendo propostas, e que as teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck (1744-1829) o tornaram o ancestral das teorias de Darwin. Bradley diz que para Lamarck a evolução não se deu através da seleção natural no espírito darwiniano, mas sim através de uma força vital que levou organismos a se tornarem mais complexos, funcionando em combinação com a influência do ambiente. Segundo Bradley, “nesta visão, os seres humanos não compartilhariam um ancestral em comum com os macacos”, eles seriam na verdade, “os diretos descendentes dos macacos”, e por consequência, os africanos “se tornaram o elo entre os macacos e os europeus”.
A teoria de Lamarck junto às várias outras teorias similares da época, foram vitais para a elaboração do racismo científico—também conhecido como pseudo-ciência, ou falsa ciência. Bradley novamente nos explica que ao fazer parecer que os “não-europeus seriam mais macacos do quê humanos, essas diferentes teorias foram usadas para justificar a escravidão nas Américas e o colonialismo no resto do mundo”. O autor acredita que todas aquelas diferentes teorias “científicas e religiosas operaram na mesma direção”, ou seja, “reforçar a direito europeu de controlar grande parte do mundo”. E esta foi a maneira que os europeus se diferenciaram não só biologicamente mas também “culturalmente”, mantendo sua superioridade sobre os outros povos.
Bradley por fim faz uma importante proposição: “Invocar a imagem do macaco é acessar o poder que levou a desapropriação das populações não-européias e outras heranças do colonialismo”. E interessantemente ao se referir ao contexto australiano, mas que tem uma repercursão também em várias outras partes do mundo, o autor termina seu texto dizendo:
“Claramente, o sistema educacional não faz o suficiente para nos educar sobre a ciência ou a história do homem. Porque se o fizesse, nós veríamos o desaparecimento do uso do macaco como insulto”.A razão pela qual não se deve comparar negros a macacos, é por esta ser uma simples repetição de uma parte perversa da nossa história, e que por ainda ser o Brasil uma sociedade de imensas desigualdades sociais, essa comparação se torna altamente perigosa. Assim, mesmo enquanto piada, a comparação não é inovadora nem mesmo original ou inteligente, pois usa as idéias obsoletas criadas no século 18 como base para o humor. Estas piadas reforçam o racismo já estabelecido na nossa sociedade e só servem a um único objetivo: aumentar a aura de falsa superioridade biológica e cultural do branco, aumentando consequentemente, as desigualdades entre a população.
A comparação do negro ao macaco também evoca a crença escavocrata de que os escravos africanos, por serem equivalentes aos animais, não tinham alma.A equação negro = macaco poderia não ser ofensiva caso esta não tivesse feito parte de uma estratégia engenhosamente construída para legitimar o controle e o domínio sistemático sobre a população africana que durou 4 séculos. Esta equação retirou o caráter humano da população africana e de seus descendentes tranformando-os em seres inferiores. Esta equação não somente justificou o trabalho forçado e não remunerado nas grandes lavouras, mas também dividiu milhões de famílias e transformou milhões de seres humanos em mercadoria que com o respaldo social, legal e científico para a sua inferioridade podiam ser sitematicamente humilhados, torturados, estuprados e assassinados à mercê do humor de seus donos. Comparar negro a macaco é, queira ou não, reviver e venerar um dos mais horríveis e longos episódios da história da humanidade.
Ainda, fica claro que fazer piada sobre um grupo social historicamente fragilizado é fácil, pois quem o fizer receberá o apoio de uma parte da sociedade que tem cravado em seu imaginário coletivo a crença de que os negros gostam de ser humilhados e ofendidos, e que podem ser humilhados e ofendidos por sereminferiores. Todavia, fazer alguém rir sem usar a ofensa, por ser difícil, ainda será uma tarefa a ser realizada somente pelos portadores de real talento humorístico.
Piada, humor e comédia em geral, servem para liberar as mais variadas emoções escondidas no ser humano, geralmente criando um senso de bem estar, mas hoje temos um monstro à solta nos estádios de futebol, nos salões de manicure, por aí, nas ruas. Isso nos leva a crer que parte do humor que ataca gratuitamente a ideologia do “politicamente correto”, o faz tão somente como forma de justificar limitações artísticas.Talvez seja esta uma outra razão pela qual não se deva comparar o negro ao macaco: as pessoas podem acreditar, já que uma população que muito carece de um sistema educacional de qualidade (desde a classe social mais alta até a classe baixa), tende a aprender, acreditar, imitar, tende a se educar através das verdades criadas pelas celebridades do mundo do entretenimento.
c&p
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