AMO BLUES!
O talentoso artista angolano Jack NKanga (Imagem: Reprodução/Internet)
Jack NKanga, Cef e Emanuel Kanda, banharam-se nas vertentes contemporâneas do jazz e do blues e da música angolana e africana, e lançam ao público suas formas individuais de expressar essas mesclas musicais. Juntamente com outros talentosos jovens artistas, eles fazem parte do belo cenário musical atual de Angola que, infelizmente, é ainda bastante desconhecido do público brasileiro, fato que é simplesmente injusto aos dois lados do Atlântico.
Diferentemente do que aprendemos com a nossa mídia, o continente africano não é só desgraça, guerras e sofrimento. Existem coisas boas acontecendo e muita beleza sendo construída e celebrada. Em Angola não é diferente, e lá existe uma produção musical efervescente, revigorante e de muito boa qualidade.
No ano passado, quando descrevendo os talentos promissores de Angola, Ismael Botelho, no Jornal deEconomia & Finanças, pareceu comemorar o surgimento de uma nova onda de produção musical no país: “Já lá vão os tempos em que Angola dependia fundamentalmente do estrangeiro para o consumo musical, principalmente dos Estados Unidos da América (EUA), Antilhas, Cabo Verde e alguns países europeus, com destaque para Inglaterra. Hoje, essa realidade é outra. O cenário musical nacional mudou. Pode-se mesmo dizer que o país tornou-se auto-suficiente neste campo”.
Como todo o resto do mundo, Angola está exposta à música dos EUA. E como no Brasil, a língua inglesa se faz presente em várias canções atualmente produzidas naquele país, juntando-se ao português e às outras línguas angolanas, assim como estão presentes os gêneros do jazz e o R&B que fazem um tipo de retorno ao solo africano. E é assim que talvez possamos ter um senso do blues nas vozes de alguns artistas angolanos. Não se quer aqui atestar a “autenticidade” do blues, já que na sua forma autêntica ou tradicional, o blues apresenta alguns padrões particulares, como a composição de um verso apresentando a repetição de uma só frase algumas vezes; o antigo elemento musical africano do “chamado e resposta” (aquele da música da capoeira); e outros elementos técnicos como a progressão de acordes e outros. Estes padrões foram utilizados para que o blues pudesse se desenvolver em novos gêneros como o rock&roll, por exemplo. No entanto, podemos sentir a essência do blues na interpretação vocal, também encontrada nas vozes de artistas angolanos.
O blues nasce entre os trabalhadores negros das grandes plantações do sul dos EUA no final do século 19 e foi uma mescla da tradição africana como os ritmos, canções espirituais e de trabalho, e dos gritos de campo, com a música de dança “country” parte do repertório cultural europeu. O termo blues deriva do termo blue devils e significa “tristeza” e “melancolia”, por isso as letras do blues geralmente lidam com as adversidades pessoais—algo parecido ao “fado” português. Contudo, as letras do blues também narram experiências de superação das adversidades da vida, expressam sentimentos, falam sobre diversão, e brincam com o caráter libidinoso do ser humano—o blues também é sexy e jocoso.
O blues influenciou diretamente o bem abrangente gênero Rhythm and Blues, termo criado no final dos anos 40, depois denominado “R&B”, popularizado mundialmente por artistas como James Brown, Ray Charles, Aretha Franklyn, chegando a Whitney Houston, Rhiana, e Beyoncé. O R&B é quase tudo na música pop negra estadunidense e compreende até mesmo o Hip Hop, quando este apresenta um vocal com “soul”, “alma” em inglês. Mas a sonoridade e a expressividade vocal do blues (aquele vibrato natural, sem esforço, espontâneo e instintivo, seria um exemplo) se manteve, muitas vezes quase que intacta, nesses novos formatos do antigo gênero musical.
E viajando pela internet é possível sacar a grandiosidade da música angolana e como ela tem se mostrado fértil no que se refere a novas e boas “vozes”. Dentre vários, três cantores se destacam: os irmãos Jack NKanga e Cef, e Emanuel Kanda, pois eles refletem o blues, enquanto um, digamos, gênero vocal.
Jack NKanga. Mesmo tendo frequentado o Instituto Nacional de Formação Artística, o aparentemente tímido cantor e guitarrista Nkanga afirma ser autodidata. O artista diz ter começado a cantar e compôr aos 4 anos de idade, e faz um som único dentro do que poderia ser classificado como Afrojazz, mas NKanga é um músico bem eclético e sua arte vai além de qualquer classificação, e talvez por isso tenha criado o seu próprio gênero musical, o “Konono Soul”.
O site Welcome to Angola assim apresenta o cantor: “Jack N Kanga é cantor de Konono Soul, Rock 'N Roll, Funk, compositor e produtor. É conhecido pela sua performance sui generis e as suas habilidades vocais. Influenciado por sons exóticos da música negra, é um dos mais recente músicos conhecidos da nova sonoridade na indústria musical angolana”.
NKanga tem um CD chamado “Oops”, com músicas em português e inglês. Ele diz ao Portal de Angola: “O álbum é um projecto de sonoridades do passado e do futuro, com uma só identidade e fruto de uma única alma”. Sua arte claramente reflete sua história de vida de aventuras “transculturais” entre Angola, Namíbia, e África do Sul. Sua voz é transcendente e singular; é tímida e ao mesmo tempo ousada no timbre e nos seus recursos extraordinários. Sua música tem produção e arranjos cuidadosos, bem feitos, resultando em um som maduro e de qualidade ímpar, distante de um pop estritamente comercial. Jack NKanga tem um grande apelo internacional e, com certeza, se tornará em uma referência da música angolana.
Clip da música “Redentor” < Cef. Ainda novo na cena musical ele parece já ter conquistado seu lugar. O jovem compositor, guitarrista e cantor boa pinta Cef faz um som pop romântico dentro do estilo R&B, atraindo o público feminino—ele seria parte do gênero sexy blues, caso este existisse oficialmente. Ele começou a cantar no coral de sua igreja aos dez anos de idade e seu primeiro CD recebeu o título de “Botão de Rosa”, levando o prêmio de artista revelação no Angola Music Awards de 2013 com a música “Amor é Prático”. Mas a música “Pintor de Rua” parece ter sido a responsável pelo reconhecimento do artista.
Mesmo considerando a simplicidade das letras de suas músicas—o quê realmente não é um problema—, a voz bem rouca, sua técnica de respiração (semelhante a do seu irmão Jack), e a interpretação do artista conseguem elevá-las a um nível de sofisticação para além do pop, particularmente quando são interpretadas no estilo acústico. Nestes momentos Cef transmite uma grande vitalidade emocional que poderá ser comparada àquela dos grandes intérpretes do R&B. Mas essa é uma questão de tempo, de evolução, algo que o próprio artista afirmou após um show em dezembro do ano passado: “Para mim é uma emoção muito grande ouvir o pessoal a cantar as minhas canções e as próximas serão melhores porque o objectivo é sempre evoluir”.
Clip da música “Pintor de Rua”.
Emanuel Kanda. Esse jovem cantor e guitarrista vem sendo considerado uma das vozes mais expressivas entre os jovens angolanos e estreou em 2011 com o disco “Sinais”. O Portal Sapo-Angola Banda diz que “Kanda tem como base a música de raiz Angolana, sendo a sua arte influenciada também por vários outros estilos, como o Afro folk, Afro pop, Jazz e o soul music”.
Emanuel Kanda faz um som pop, mas brinca com várias tendências e gêneros. Em entrevista ao jornal O País no ano passado, ele diz: “Identifico-me mais com a fusão—mistura de estilos, como Jazz, Soul, R&B, Rap, Semba e Quilapanga. A gente pega os pequenos valores e junta todos num só lugar, numa só ideia e, quando os juntamos, dá uma coisa bonita para se ouvir e aprender”.
Suas gravações tem uma ótima qualidade de produção, o quê junto a rouquidão de sua voz forte, de bom alcance e cheia de recursos, certamente o destaca entre as novas caras da música angolana. O cara pode cantar de verdade e tem mostrado que sua voz é surpreendentemente boa, e que parece estar a desenvolver certas habilidades bobbymcferrin-anas usando-as na medida correta, ou seja, sem excesso. Kanda já dividiu palco com Macy Gray, Ivan Lins e outros nomes da música internacional, e é outro artista que se tornará referência da nova música angolana.
Um momento em particular exemplifica seu talento vocal (muito embora a qualidade do vídeo não seja tão boa): a sua interpretação ao vivo da linda música “Tchipalepa” que se torna uma bela homenagem ao lendário artista e político angolano André Mingas, autor da canção e quem a imortalizou, e que faleceu em 2011
Nos Estados Unidos, Angola e no mundo, a essência do blues sobreviveu na interpretação vocal, no poder de expressão dos sentimentos embutidos nos versos das músicas através da particularidade de uma voz. Essa voz do blues tem o poder de transformar o mais simples dos versos em uma profunda estória da alma humana. E assim como as condições do trabalho escravo e a situação pós-abolição dos negros estadunidenses, nada pode superar décadas de guerra para exemplificar o quê pode ser chamado de “adversidade” da vida. A superação desse longo período de conflitos armados e a posterior celebração musical de uma resiliência coletiva oferece um bom ângulo se para entender a atual cena musical angolana refletindo a tal essência vocal do blues.
Certamente, a grande beleza da música é que para ela não existe barreiras. Ela pode viajar entre diferentes continentes e, através do tempo retornar de onde partiu. Aquela música sequestrada com com os escravos, retorna em forma digital e se encaixa aos novos contornos sociais, políticos, e se manifesta com as novas tendências culturais que estão em constante construção.
Fonte: Sapo-Angola Banda; Platinaline; All About Jazz; Wikipedia; O País, “O Rapaz do ‘Konono Soul”; ANGOP—Agência Angola Press;GenresMusic
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