Mídia e Sociedade: A negação do Brasil – análise televisiva
Atualizado em 07/04/2011 às 00:12
Por Leonardo
Campos*
A negação do Brasil – análise
televisiva
Assistir novelas globais de forma distanciada
tornou-se um dos maiores trunfos em minha carreira acadêmica ainda em fase de
germinação. Todo aquele conteúdo repleto de um discurso preconceituoso e ácido
contido na historiografia das novelas globais agora pode ser visto de forma
crítica, tornando-me uma pessoa distante do processo de hipnose da sedutora
cultura da mídia.
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O
assunto deste artigo é o documentário A negação do Brasil, de Joel Zito de Araújo, cineasta
e pesquisador mineiro, da cidade de Nanuque. O documentário é uma viagem na
história da telenovela no Brasil e particularmente uma análise do papel nelas
atribuído aos atores negros, que sempre representam personagens mais
estereotipados e negativos. Baseado em suas memórias e em fortes evidências de
pesquisas, o diretor aponta as influências das telenovelas nos processos de
identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação
positiva do negro nas imagens televisivas do país.
Estejam atentos para os depoimentos de Milton Gonçalves e
Zezé Mota, os mais marcantes do documentário.
Cineasta Joel Zito de Araujo
Joel Zito de Araújo é
doutor em Ciências da comunicação pela Escola de Comunicações e Arte da
Universidade de São Paulo – ECA/USP e pós-doutorado no departamento de rádio, TV
e cinema e no departamento de antropologia da University of Texas, em Austin,
nos Estados Unidos. Nascido em 1954, dirigiu documentários de curta e
média-metragem tematizando o negro na sociedade brasileira, dentre os quais
destacam-se São Paulo abraça Mandela (1991), Retrato em
preto e branco (1993), Ondas brancas nas pupilas
pretas (1995) e A exceção e a regra (1997). Em 1999,
finalizou seu primeiro longa, o documentário O efêmero estado, União de
Jeová, sobre Udelino de Matos, um homem que, nos anos 1950, tentou
formar um estado camponês com a população de maioria negra no norte do Espírito
Santo. Dois anos depois, lançou A negação do Brasil, sobre a
trajetória do personagem negro nas novelas brasileiras, com impressionante
trabalho de pesquisa que deu origem a um livro homônimo. Foi escolhido melhor
filme brasileiro do É Tudo Verdade daquele ano, tendo sido
também selecionado para vários festivais pelo mundo, entre eles o Festival de
Cinema Latino de Madri e o Festival de Documentários do Porto. Em 2004,
finalizou seu primeiro longa-metragem de ficção, Filhas do vento, que ganhou oito prêmio no Festival
de Gramado, entre eles: melhor filme segundo a crítica, melhor diretor, ator e
atriz. Na Mostra de Cinema de Tiradentes, foi escolhido como melhor filme pelo
público e participou ainda de festivais na Índia, na França, na África do Sul e
em Camarões. Em 2009, lançou o documentário Cinderelas, lobos e um príncipe
encantado.
O documentário inicia depondo sobre
a novela Direito de nascer, exibida em 1964. Na sociedade moralista de Havana, capital de Cuba, no início do século XX, a jovem Maria Helena engravida do noivo Alfredo e, diante da recusa do rapaz em assumir o filho, torna-se mãe solteira. A criança será alvo do ódio do avô, o poderoso Dom
Rafael. Após o nascimento, temendo as represálias do velho, a criada negra
Dolores foge com o bebê, que batiza como Alberto. Depois disso, desgostosa,
Maria Helena se recolhe a um convento, e passa a atender por Sóror Helena da
Caridade.
Na trama, temos a presença da atriz negra interpretando o
velho estereótipo da mãe negra, oriunda da literatura. Basta lembrar de alguns
personagens do romance regionalista e José Lins do Rego.
Durante os
depoimentos sobre a novela Direito de nascer, o diretor aproveita para comentar um
pouco da história da televisao brasileira. Entrar neste mérito requer uma
análise mais profunda aqui. Iremos nos ater apenas em um breve resumo disso
tudo.
A televisão no Brasil começou em 18 de setembro de 1950, trazida
por Assis Chateaubriand que fundou o primeiro canal de televisão no país, a TV
Tupi. Desde então a televisão cresceu no país e hoje representa um fator
importante na cultura popular moderna da sociedade brasileira.
Cena de "Beto Rockfeller"
Segundo depoimentos de
Joel Zito, havia a necessidade de branqueamento dos atores negros e
escurecimento dos atores brancos, algo que pode ser visto no excelente A
hora do show, de Spike Lee. No filme, Pierre Delacroix (Damon Wayans),
um escritor de séries de TV que não aguenta mais a tirania de seu chefe. Sendo o
único empregado negro da companhia, Delacroix resolve propôr a idéia mais
absurda que conseguira imaginar, um programa de TV estrelado por dois mendigos
negros que denunciariam o estereótipo e o preconceito do negro na televisão
americana, exatamente no intuito de ser demitido. Mas a surpresa que o programa
em questão não apenas se torna realidade como passa a ser um grande sucesso
entre o público americano.
Outra novela analisada com bastante afinco foi
Beto Rockfeller, que trazia o dramaturgo Plínio
Marcos em um dos papéis de destaque. Na novela, temos Beto Rockfeller, um
charmoso representante da classe média-baixa que morava com os pais e a irmã no
bairro de Pinheiros, em São Paulo, trabalhava como vendedor de sapatos e tinha
uma namorada, Cida, no subúrbio. Fazendo-se passar por milionário, consegue
penetrar na alta sociedade, namora uma moça rica (Lu) e se apaixona por outra
moça (Renata), grã-fina decadente, que conhece sua real situação. Para se safar
das confusões, conta com a ajuda dos amigos fiéis, Vitório e Saldanha.
Personagem clássica do estereótipo da mãe negra em "E o vento
levou..."
Joel Zito deixa claro a avassaladora relação que a
televisão vai estabelecer com a sociedade e consequentemente, a desvalorização
do cinema, uma arte até então cultuada com muito afinco. O estereótipo e o
preconceito que já tinham muita força nos suportes literários e cinematográfico
agora ganhava um novo e eficiente aliado: o discurso televisivo.
Outra
novela que trouxe muita controvertimento na mídia foi Xica da Silva. A novela foi produzida pela extinta
Rede Manchete e escrita por Walcyr Carrasco (sob o pseudônimo Adamo Angel) e
dirigida por Walter Avancini. Uma reprise da telenovela foi exibida no canal
SBT, a partir do dia 28 de março de 2005 à 9 de dezembro de 2005.
A
novela causou muita polêmica na época por exibir Taís Araujo seminua com apenas
17 anos. A vara da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro notificou
publicamente a Manchete além de protestos de setores da sociedade pedindo para
retirada da novela do ar.
A mensagem critica de Joel Zito de Araujo é
clara e incisiva: mesmo que tentem mostrar um paraíso racial, as novelas tendem
a cair na contradição. Novelas como Pecado Capital,
Gaivotas, Pátria Minha, Anjo
Mau, Por Amor, Irmãos Coragem e
tantas outras citadas pelo diretor são provas vivas deste discurso do
preconceito no Brasil e no mundo.
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