el País
Juízo sobre assassinato do jornalista, em 1975, começou nesta quarta e deve ser concluído em 30 dias
San José (Costa Rica) 25 MAI 2017 - 10:11 BRT
Wladimir Herzog ARQUIVO IWH
A Corte Interamericana de Direitos Humanos teve uma jornada intensa nesta quarta-feira, com uma série de depoimentos prévios à sua decisão de condenar ou absolver o Estado brasileiro por torturar e matar o jornalista Vladimir Herzog, em 1975, durante um regime militar que o via como inimigo político.
Com a presença da viúva, Clarice Herzog, além de membros da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), representantes do Governo brasileiro, peritos e público suficiente para encher a sala de audiências do edifício em San José (Costa Rica), os juízes da Corte ouviram os argumentos finais de um processo cujas conclusões devem ser emitidas em aproximadamente um mês.
Em meio a soluços e até alguma troca de palavras com os representantes do Estado brasileiro, a viúva de Herzog repassou as circunstâncias da morte, que inicialmente foi apresentada como suicídio, além das sequelas familiares e o rastro que a morte de Vlado deixou sobre a sociedade brasileira. "A violência social de agora é uma herança da ditadura", lamentou Clarice Herzog perante o tribunal, composto por cinco juízes de várias nacionalidades e presidido pelo mexicano Eduardo Ferrer Mac-Greggor.
"Para nós é fundamental saber a verdade. O Estado nunca fez nada, nem sequer enviou condolências", disse a viúva, após apontar o vazio de informação sobre a cadeia de comando que teve responsabilidade pela detenção, tortura e morte de Herzog, assassinado aos 38 anos. Ele deixou dois filhos, um dos quais hoje dirige o Instituto Vladimir Herzog, que trabalha pela reparação das violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura (1964-85) e contra a posterior impunidade garantida pela Lei de Anistia (1979) e pelo conceito jurídico de "coisa julgada".
"Para nós é fundamental saber a verdade. O Estado nunca fez nada, nem sequer enviou condolências, diz Clarice Herzog, viúva do jornalista.
Em 2012, o Estado brasileiro aceitou modificar o laudo pericial do corpo de Herzog para eliminar a referência a um falso suicídio e atribuir sua morte às lesões provocadas por maus-tratos, embora isso não tenha tido repercussão jurídica alguma. Em 1996, o Governo já havia pagado uma indenização de 100.000 reais à família, mas tampouco houve uma revisão judicial do caso. Em 2008 uma nova tentativa de reabrir o processo foi arquivada por causa dos efeitos da Lei de Anistia.
Em um depoimento contundente nesta quarta, o perito Sergio Gardenghi, em nome da CIDH, disse que o Caso Herzog "deve ser retirado do arquivo", porque os crimes da ditadura se enquadram na categoria dos crimes contra a humanidade, que são imprescritíveis. "Ainda existem práticas de violação dos direitos humanos geradas na ditadura militar", observou o procurador.
Já o advogado Alberto Toron, representando o Estado brasileiro, defendeu a legalidade da prescrição do crime. Embora sejam reconhecidos os atos de tortura e o assassinato contra Herzog, a defesa considerou que tais atos correspondem a um contexto político diferente, sob condições que foram corrigidas pela Constituição de 1988. Também considera improcedente que a Corte julgue atos anteriores a 1998, quando o Brasil aderiu à jurisdição deste tribunal interamericano.
O crime contra Herzog ocorreu durante o Governo do general Ernesto Geisel, quarto presidente da ditadura instaurada após a deposição de João Goulart, em 1964. Há consenso sobre a origem desse assassinato: a repressão a ideias consideradas comunistas. Inicialmente, as autoridades declararam que ele se suicidou com um cinto, em 25 de outubro de 1975, na sede do DOI-CODI (inteligência militar) em São Paulo. As fotos do corpo motivaram suspeitas sobre a falsidade dessa versão. Nelas, o jornalista aparece já morto, com um cinto enlaçando seu pescoço, mas quase ajoelhado no chão, uma posição ilógica para um suicídio por enforcamento. A célebre foto foi mostrada aos juízes da Corte.
O relator da CIDH para a liberdade de expressão, Edison Lanza, salientou que Herzog foi perseguido por seu trabalho de jornalismo crítico. "Depois de uma reportagem sobre a primeira década do golpe militar, Herzog começou a ser vigiado. Como diretor de jornalismo de TV Cultura, foi acusado de fazer proselitismo em favor do comunismo e estigmatizado como um infiltrado da esquerda nesse meio de comunicação", declarou Lanza. Segundo ele, a impunidade e a ocultação da verdade em torno dos crimes da ditadura têm efeitos sobre a liberdade de imprensa no Brasil na atualidade, e, 42 anos depois da morte de Herzog, há medo, autocensura e preconceitos contra a cultura de independência dos meios de comunicação.
"Morreu a pauladas", disse a viúva de Herzog, recordando que depois do assassinato do seu marido ela recebeu telefonemas com mensagens antissemitas, por causa da origem judaica do jornalista. Mencionou ainda ter visto durante algumas semanas um carro da polícia na frente da sua casa. Leu também uma carta escrita por Zora, mãe de Vladimir, já falecida. Ela, que tinha tirado seu filho pequeno da antiga Iugoslávia, lamentava o crime com uma frase: "Salvei o meu filho dos nazistas para que viesse morrer aqui desse jeito".
A Audiência na Costa Rica ocorre apenas 12 dias depois de a Corte Interamericana notificar contra o Brasil a primeira condenação por violência policial, por dois massacres policiais cometidos em 1994 e 1995 na favela Nova Brasília, no Rio, nas quais 26 pessoas foram mortas e três mulheres foram violentadas. A investigação a cargo da polícia local foi arquivada em 2009 por prescrição do crime, sem esclarecimento dos fatos nem sanções aos responsáveis, concluiu a Corte. Tampouco houve reparações às jovens vítimas e violência sexual e aos familiares dos mortos.
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