LEMBRO QUE FICAVA ESPERANDO OS JORNAIS E REVISTAS QUE SEU ODILON TRAZIA TODOS OS DIAS PORQUE EU PRECISAVA LER PARA CRER. OUVIR APENAS NÃO ERA SUFICIENTE. ESTAVA ASSUSTADA DE VERDADE E MUITO.
NOVAMENTE ESTAMOS SOB CATARSE. NOVAMENTE VIVENDO SOB AMEAÇA. NOVAMENTE VENDO OS OUTRORA DA TFP, -TRADIÇÃO, FAMILIA E PROPRIEDADE SOB A BANDEIRA DE UM INDIVÍDUO CHAMADO PLÍNIO (SEI LÁ DE QUE) QUE QUANDO FUI OBRIGADA A VE-LO DE PERTO, JURO SENTI CHEIRO DE ENXÔFRE. NEM RIAM PORQUE FOI VERDADE E ESSA SENSAÇÃO ME PERSEGUE ATÉ HOJE SE ME LEMBRO DELE, O QUE RARAMENTE OCORRE, MAS SURGIU AGORA.
E AO INVÉS DA BANDEIRA DA TFP, PANELAS BATENDO, CAMISAS AMARELAS, BANDEIRAS DO BRASIL E NO MEIO, MULHERES SEMINUAS, HOMENS COM A BUNDA DE FORA EM FRENTE AO PALÁCIO DO PLANALTO, UM DESRESPEITO E UMA ABERRAÇÃO QUE NÃO SE VIU NOS TEMPOS DE CHUMBO.
AO COMEÇAR A LER O MEMORIAL DA DEMOCRACIA PUBLICADO PELO INSTITUTO LULA, ESTAVA APENAS TENTANDO FAZER UM PARALELO. ENCONTREI O HORROR, O TERROR, O MEDO E LEMBREI DE ALGUNS INDIVÍDUOS QUE INVADIRAM O CONGRESSO, CUSPIRAM NO ROSTO DOS SEGURANÇAS, PEDIRAM A VOLTA DOS MILITARES E CERTAMENTE NENHUM DELES TEM IDEIA DO QUE FORAM AQUELES ANOS, NÃO CONHECERAM NOSSOS HEROIS, NOSSOS REVOLUCIONÁRIOS, NÃO SABEM NADA DA HISTÓRIA DESTE PAÍS E DE TANTOS QUE SE EXPUSERAM E SE SACRIFICARAM EM DEFESA DESTE BRASIL..
TROUXE DO MEMORIAL DA DEMOCRACIA, UM RESUMO INCOMPLETO DAQUELES ANOS NA ESPERANÇA QUE NÃO PRECISEMOS MAIS VER SOFRER OS FRANCISCO JULIÃO, O MARIGHELA, O JOSÉ DIRCEU, O VELHO, PRESTES, E MUITOS, MUITOS OUTROS QUE ESTÃO PARA SEMPRE NA HISTÓRIA DESTE BRASIL PORQUE PARA ELES A DEMOCRACIA SIGNIFICAVA VIDA E LIBERDADE.
QUEM QUISER SABER UM POUCO, PRECISA LER E ENTENDER QUE A HISTÓRIA DE UM PAÍS SE FAZ COM HOMENS E LUTA. É UM RESUMO DO BELO TRABALHO PUBLICADO NO SITE DO INSTITUTO LULA E EM OUTRAS PUBLICAÇÕES, QUE DESEJEI PUBLICAR NO MEU SITE O BALAIO DE GATOS.
) golpe de 1964, que derrubou o presidente João Goulart, interrompeu um dos períodos mais ricos, democráticos e participativos da nossa República. Convocados pelos grandes grupos econômicos e pelos principais meios de comunicação, os chefes militares, com o apoio direto do governo dos Estados Unidos, rasgaram a Constituição e submeteram o Brasil à mais longa e terrível noite de sua história. Foram 21 anos de opressão e resistência. Nunca o povo brasileiro passou por provas tão duras. Nunca foi tão exigido. Nunca lutou com tamanha bravura.
Retrocessos nos direitos dos trabalhadores, brutal concentração de renda, agravamento das desigualdades sociais, aumento dos desequilíbrios regionais. O Brasil, que já era um país profundamente injusto, tornou-se ainda mais desigual durante a ditadura. Os ricos ficaram mais ricos. Os pobres ficaram mais pobres.
O povo e suas principais lideranças foram alvos de implacável perseguição: sindicatos sob intervenção, entidades estudantis fechadas, militares constitucionalistas expulsos das Forças Armadas, partidos políticos extintos, artistas e intelectuais amordaçados, imprensa sob censura ou autocensura, Legislativo e Judiciário castrados, fim do voto direto para presidente e governadores, manifestações dissolvidas a golpe de cassetete ou a bala.
Para tentar calar o povo, os donos do poder montaram um gigantesco aparelho repressivo, que não se detinha diante de nada: 200 mil cidadãos foram presos por motivos políticos, 500 mil submetidos a investigações. Cerca de dez mil brasileiras e brasileiros tiveram de se exilar. Milhares padeceram nos centros de tortura. Mais de 400 foram assassinados ou estão desaparecidos.
Mas o povo brasileiro não se dobrou. Jamais renunciou a lutar por seus direitos. Resistiu de todas as maneiras. Dentro das prisões e nas ruas. Nos sindicatos e nas escolas. Nas igrejas e nos bairros.
Em condições extremamente difíceis, ele encontrou ou criou brechas para seguir batalhando. Nas passeatas estudantis. Na resistência cultural. Na imprensa alternativa. Na luta armada. Na denúncia dos crimes do regime. No voto e no Parlamento. Na luta pela anistia. Nas grandes greves dos trabalhadores. Na reação aos atentados terroristas promovidos pelos órgãos da repressão. Na formidável campanha das Diretas-Já.
Quantos mártires não se sacrificaram então por um país mais justo? Quantos patriotas, desafiando enormes sofrimentos, não mantiveram acesa a chama da luta pela liberdade e pela justiça social? Quantos não teimaram em sonhar em meio àqueles anos de chumbo e de pesadelo? Nunca serão esquecidos.
Desse terrível período, nosso povo saiu mais forte, mais maduro e mais determinado. Aprendeu a duras penas que a democracia é uma conquista extraordinária, que pertence a cada brasileira e brasileiro, que tem de ser cultivada, respeitada e fortalecida por todos nós.
Ditadura, nunca mais.
1964 13 DE MARÇO
COMÍCIO DA CENTRAL: 300 MIL APOIAM REFORMAS
Goulart expropria terras, toma refinarias e defende direito de voto dos analfabetos
O Comício das Reformas, realizado no Rio de Janeiro em frente à estação ferroviária Central do Brasil, reuniu cerca de 300 mil pessoas, entre trabalhadores, camponeses, representantes de partidos políticos, estudantes, servidores públicos, soldados e sargentos. Foi organizado para apoiar a decisão do governo de João Goulart de levar à frente as chamadas Reformas de Base — que incluíam as reformas agrária, urbana, educacional, tributária e eleitoral -- e de propor a legalização do Partido Comunista e o direito de voto para analfabetos, cabos e soldados. Entre os oradores, estavam os governadores Leonel Brizola e Miguel Arraes e dirigentes do Comando Geral dos Trabalhadores e da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Em seu discurso, Jango anunciou a encampação das refinarias privadas de petróleo e a desapropriação, para fins de reforma agrária, das terras às margens de rodovias, ferrovias e açudes federais. O presidente afirmou que essas terras começariam a ser divididas em até 60 dias, “com a colaboração patriótica e técnica das nossas Forças Armadas”. Anunciou também o envio ao Congresso de mensagem propondo as reformas universitária e eleitoral, que estendia o direito de voto a soldados e analfabetos. Comprometeu-se ainda a assinar um decreto para regulamentar o valor dos aluguéis.
Num ambiente político radicalizado, Jango rebateu a oposição, os jornais e os empresários contrários às reformas, que o acusavam de atropelar a Constituição e de tramar um golpe de Estado: “A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobras; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício”.
1964 19 DE MARÇO
MARCHA REAGE 'COM DEUS' CONTRA JANGO
De rosários nas mãos, setores da classe média protestam contra 'perigo comunista'
Organizada por setores da igreja católica e associações femininas conservadoras, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade é uma resposta ao Comício da Central, realizado no Rio de Janeiro seis dias antes, durante o qual João Goulart anunciara seu programa de Reformas de Base. A Marcha reuniu segmentos da classe média temerosos do "perigo comunista" e favoráveis à deposição do presidente da República.
A primeira dessas manifestações ocorreu em São Paulo, no dia de São José, padroeiro da família. Seu principal articulador foi o deputado Antonio Silva da Cunha Bueno apoiado pelo governador Adhemar de Barros. A base ideológica da manifestação foi o movimento Cruzada do Rosário pela Família, introduzido no Brasil em 1962 pelo padre irlandês Patrick Peyton, ex-pároco de Hollywood com vínculos com a CIA.
A segunda Marcha da Família, programada para 2 de abril no Rio de Janeiro, realizou-se no dia seguinte à deposição de Jango e foi batizada pelos jornais conservadores de “Marcha da Vitória”.
1964 26 DE MARÇO
AMPLA MAIORIA PEDE REFORMA AGRÁRIA
Democratização da terra obtém apoio de mais de 70%, segundo pesquisa
Pesquisa de opinião realizada pelo Ibope em oito capitais entre os dias 9 e 26 de março de 1964 aponta que 72% dos brasileiros consideravam necessária a realização da reforma agrária no país. Para isso era preciso mudar a Constituição, que determinava indenização prévia, em dinheiro, aos donos de terras desapropriadas. O governo de João Goulart propunha o pagamento com títulos públicos de longo prazo, como era prática corrente em muitos países.
Boa parte da luta política no início de 1964 girou em torno dessa questão. Os latifundiários e seus aliados diziam que a reforma feria direitos adquiridos, tendo inspiração comunista. O líder das Ligas Camponesas, deputado Francisco Julião, pregava: “Reforma agrária, na lei ou na marra”. Ironicamente, em 1965, o Estatuto da Terra anunciado pela ditadura militar previa a indenização com títulos de longo prazo nos caso das grandes desapropriações.
Ligas camponesas pela Reforma Agrária
1964 26 DE MARÇO
MARINHEIROS ABREM CRISE COM REVOLTA
Anistia a rebelados desafia hierarquia militar e aumenta isolamento de Jango
Cerca de 2 mil marinheiros se reúnem na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro para comemorar o segundo aniversário da fundação da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. O ato contou com a presença de sindicalistas, líderes estudantis, de Leonel Brizola e do marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata de 1910. A entidade era considerada ilegal pela Marinha.
O ministro Silvio Mota enviou um contingente de fuzileiros para prender os marujos reunidos na sede do sindicato, mas o tiro saiu pela culatra. Os fuzileiros aderiram à manifestação. O movimento só foi sufocado quando tropas do Exército cercaram o prédio e prenderam os rebelados.
Jango substituiu o ministro e mandou libertar os marinheiros. A rebelião e a posterior anistia foram recebidas por boa parte da oficialidade da Marinha como quebras da disciplina e da hierarquia, o que fortaleceu os setores golpistas das Forças Armadas e contribuiu para o isolamento de Jango.
Marinheiros saúdam soldados do Exército destacados para prendê-los no Sindicato dos Metalúrgicos
1964 30 DE MARÇO
NO ÚLTIMO DISCURSO, JANGO ANTEVÊ GOLPE
Durante festa da PM, presidente denuncia a manipulação golpista
Muito tenso e falando de improviso, o presidente denunciou o “clima de intrigas e envenenamento” que grupos poderosos tentavam criar. Defende as Reformas de Base, associando-as à doutrina social da igreja católica, como já havia feito no comício de 13 de março na Central do Brasil, e garantiu o estrito cumprimento da Constituição.
Numa clara alusão a entidades como o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), que financiavam partidos e parlamentares da oposição, Jango alertou para a manipulação dos “grupos de pressão que hoje controlam facções políticas, agências de publicidade e órgãos de cúpula das classes empresariais”. E finalizou: “O presidente não vacilará um instante sequer na execução de todas as leis e todos os decretos”.
Foi a última aparição em público do presidente constitucional, que seria deposto 48 horas depois.
1964 MARÇO
POPULAÇÃO APROVA JANGO E AS REFORMAS
Às vésperas do golpe, pesquisa indicou apoio de 59% às medidas do governo
Pesquisas realizadas pelo Ibope às vésperas do golpe militar de 1964 mostram que João Goulart contava com forte apoio popular ao ser deposto. Uma delas apontou que 15% consideravam seu governo ótimo; 30%, bom; e 24%, regular. Para 16%, a administração Goulart era ruim ou péssima. Outra pesquisa em oito capitais, entre 9 e 26 de março, indicou que 49,8% dos entrevistados admitiam votar em Jango caso a Constituição fosse alterada e ele saísse candidato à reeleição.
O Ibope revelou que 59% dos entrevistados eram a favor das Reformas de Base anunciadas por Jango no comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março. As medidas incluíam a desapropriação de terras às margens de rodovias e ferrovias e a encampação das refinarias estrangeiras. Em mensagem ao Congresso, o presidente havia proposto a reforma universitária e a reforma eleitoral, que daria direito de voto aos soldados e aos analfabetos.
Presidente João Goulart saúda o público em comício no Nordeste, no início de 1964
1964 31 DE MARÇO - 2 DE ABRIL
GOLPE MILITAR DEPÕE GOVERNO CONSTITUCIONAL
1º de abril de 1964: o primeiro dia de uma ditadura militar que durou 21 anos
Na noite de 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Divisão de Infantaria, sediada em Juiz de Fora (MG), manda sua tropa marchar em direção ao Rio, precipitando o golpe que vinha sendo articulado por generais, empresários e governadores de oposição ao governo Jango. No dia seguinte, as tropas que partiram do Rio para garantir a ordem confraternizaram-se com os rebeldes. O general golpista Arthur da Costa e Silva declarou-se titular do Ministério da Guerra (antigo nome do extinto Ministério do Exército), sem encontrar resistência por parte da oficialidade leal ao governo.
A sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), onde se tentava articular a resistência ao golpe, foi incendiada com a conivência da polícia do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, da UDN. Tropas reprimiram manifestações em defesa do governo no Rio, em Porto Alegre e em outras capitais.
No dia 2 de abril, sem apoio militar, Goulart saiu de Brasília e foi para o Rio Grande do Sul. A oposição consumou o golpe no Congresso, declarando vaga a Presidência da República, embora Goulart não tivesse renunciado ao cargo nem deixado o país. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu o lugar de Jango, subordinando-se a uma junta militar. A repressão foi generalizada e logo começaram as prisões em massa. Passados dois dias, Jango exilou-se no Uruguai.
OPOSIÇÃO PARLAMENTAR CONSUMA O GOLPE
1964 3 DE ABRIL
GRANDE IRMÃO DOS EUA AJUDA GOLPISTAS
GRANDE IRMÃO DOS EUA AJUDA GOLPISTAS
USS Forrestal, porta-aviões da Marinha norte-americana que integrava a frota da Operação Brother Sam
Operação Brother Sam lançou frota naval dos EUA em direção ao Brasil
Dois dias depois do golpe militar no Brasil, o governo dos EUA suspende o deslocamento de uma frota da Marinha norte-americana que se dirigia para a região do porto de Santos (SP). A Operação Brother Sam, como foi chamada em código, previa a chegada da esquadra ao país em 11 de abril, para dar apoio aos golpistas em caso de reação por parte de militares e governadores legalistas. A intervenção foi considerada desnecessária depois que o presidente deposto, João Goulart, partiu para o exílio no Uruguai, em 2 de abril, desmobilizando qualquer resistência.
A frota partiu da base naval de Norfolk em 31 de março, de acordo com as instruções do embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, que participara ativamente da conspiração contra Goulart. Foram deslocados dois porta-aviões da Marinha, com uma esquadrilha de aviões de caça, um navio com 50 helicópteros, um encouraçado, uma embarcação de transporte de tropas, além de navios petroleiros. Foram também colocados à disposição da frota 25 aviões C-135 e 110 toneladas de armas e munições. A Operação Brother Sam permitiria uma intervenção militar rápida em pontos estratégicos do Brasil.
O plano de invasão foi mantido em segredo por 12 anos até ser revelado em 1976 pelo jornalista Marcos Sá Corrêa, do "Jornal do Brasil", que teve acesso a documentos do Departamento de Estado dos EUA. Em 2013, o documentário “O Dia que Durou 21 Anos", de Camilo Tavares, apresentou gravações de conversas na Casa Branca em que o presidente John Kennedy dava o sinal verde para a participação do seu país no apoio ao golpe. Outras gravações mostraram seu sucessor, Lyndon Johnson, autorizando o envio da frota para o Brasil com o objetivo de depor Jango. “Não podemos mais engolir esse cara”, diz Johnson. O "cara" em questão era o presidente constitucional do Brasil.
Os comunicados referentes à Operação Brother Sam deixam claro o propósito dos EUA de intervir militarmente no Brasil, o que já ocorria no Vietnã. Anos mais tarde, em entrevista, Lincoln Gordon confirmou o deslocamento da esquadra. Partiu dele a solicitação para cancelar a operação em 3 de abril, com recomendação de que ela fosse mantida em absoluto segredo.
A interferência dos EUA na disputa política que levaria ao golpe militar havia sido denunciada em 1963, por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a atuação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). A entidade vinha patrocinando a publicação de livros e material de propaganda anticomunista no Brasil, além de ter financiado, em 1962, as campanhas eleitorais de políticos alinhados com o governo norte-americano. A comissão revelou que tanto o Ibad quanto o Instituto de Pesquisas Sociais (Ipes) tinham conexões com a CIA, agência de inteligência dos EUA.
DIÁLOGOS REVELADORES
O DIA QUE DUROU 21 ANOS - DE CAMILO TAVARES
1964 9 DE ABRIL
ATO 1 DA DITADURA RASGA A CONSTITUIÇÃO
Comando Supremo cassa mandatos e impõe 'eleição' de presidente pelo Congresso
Uma semana depois de derrubar o governo constitucional, os chefes militares decretam Ato Institucional que revoga garantias democráticas da Constituição em vigor desde 1946. O Ato, que seria o primeiro de uma série de decretos autoritários, instituiu o Comando Supremo da Revolução, formado pelos ministros militares que já vinham exercendo o poder: Costa e Silva, da Guerra (Exército); Augusto Rademaker, da Marinha; e Correia de Melo, da Aeronáutica. A imunidade parlamentar foi suspensa e o Comando Supremo cassou mandatos e suspendeu por dez anos os direitos políticos de cem cidadãos.
A primeira lista de cassações incluiu os ex-presidentes João Goulart e Jânio Quadros, os governadores Miguel Arraes e Seixas Dória, o deputado Leonel Brizola, o líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião, o líder comunista Luís Carlos Prestes, o ex-ministro Celso Furtado e 40 deputados federais, além de sindicalistas, intelectuais e oficiais das Forças Armadas. Os atingidos que não foram presos passaram para a clandestinidade ou buscaram asilo em embaixadas. Seriam os primeiros exilados do regime militar.
O Ato Institucional determinou também que o Congresso, expurgado dos parlamentares cassados, indicasse em 48 horas um presidente para concluir o mandato de Jango, com duração prevista até 31 de janeiro de 1966.
Lista dos cem brasileiros cujos direitos políticos foram cassados por dez anos:
1. Luiz Carlos Prestes
2. João Goulart
3. Jânio da Silva Quadros
4. Miguel Arraes
5. Darcy Ribeiro
6. Raul Ryff
7. Waldir Pires
8. General Luiz Gonzaga de Oliveira Leite
9. General Sampson da Nóbrega Sampaio
10. Leonel Brizola
11. Clodsmith Riani
12. Clodomir Morais
13. Hércules Corrêa
14. Dante Pellacani
15. Oswaldo Pacheco
16. Samuel Wainer
17. Santos Vahlis
18. Lincoln Oest
19. Heber Maranhão
20. José Campelo Filho
21. Osny Duarte Pereira
22. José de Aguiar Dias
23. Francisco Mangabeira
24. Jesus Soares Pereira
25. Hugo Regis dos Reis
26. Jairo José Farias
27. José Joffily
28. Celso Furtado
29. Marechal Osvino Ferreira Alves
30. Josué de Castro
31. João Pinheiro Neto
32. Antonio Garcia Filho
33. Djalma Maranhão
34. Humberto Menezes Pinheiro
35. Ubaldino Santos
36. Rafael Martinelli
37. Raimundo Castelo de Souza
38. Rubens Pinho Teixeira
39. Felipe Ramos Rodrigues
40. Álvaro Ventura
41. Antonio Pereira Netto
42. João Batista Gomes
43. Ademar Latrilha
44. Feliciano Wanderley
45. Othon Canedo Lopes
46. Paulo de Santana
47. Luiz Hugo Guimarães
48. Luiz Viegas da Mota Lima
49. Severino Schnaipp
50. Meçando Rachid
51. Newton Oliveira
52. Demistóclides Baptista
53. Roberto Morena
54. Benedito Cerqueira
55. Humberto Melo Bastos
56. Hermes Caíres de Brito
57. Aluisio Palhano Ferreira
58. Salvador Romano Losacco
59. Olympio Fernandes de Mello
60. Waldir Gomes dos Santos
61. Amauri Silva
62. Almino Affonso
63. Neiva Moreira
64. Clovis Ferro Costa
65. Silvio Leopoldo de Macambira Braga
66. Adahil Barreto Cavalcante
67. Abelardo Jurema
68. Arthur Lima Cavalcante
69. Francisco Julião
70. José Lamartine Tavora
71. Murilo Costa Rego
72. Pelopidas Silveira
73. Barros Barreto
74. Waldemar Alves
75. Henrique Oest
76. Fernando de Sant’Ana
77. Helio Vitor Ramos
78. João Doria
79. Mario Soares Lima
80. Ramon de Oliveira Netto
81. Luiz Fernando Bocayuva Cunha
82. Luiz Gonzaga de Paiva Muniz
83. Adão Pereira Nunes
84. Eloy Dutra
85. Marco Antonio
86. Max da Costa Santos
87. Roland Corbisier
88. Sergio Nunes de Magalhães Junior
89. José Aparecido
90. Plinio de Arruda Sampaio
91. Rogê Ferreira
92. Rubens Paiva
93. Paulo de Tarso Santos
94. Moysés Lupion
95. Milton Garcia Dutra
96. Ney Borges
97. Paulo Mincarone
98. Armando Temperani Pereira
99. Gilberto Mestrinho
100. José Anselmo dos Santos
TROPAS INVADEM O CAMPUS DA UNB
Demissão do reitor Anísio Teixeira abre série de violências contra a instituição
A chegada das tropas do Exército e da PM de Minas Gerais em 14 ônibus, preparadas para possíveis confrontos, pega de surpresa o reitor da Universidade de Brasília (UnB), Anísio Teixeira, e o vice-reitor, Almir de Castro. Começava a primeira de uma série de violências contra a instituição.
Criada para ser a universidade de um novo Brasil, com um currículo aberto e professores vindos de vários países, a UnB seria duramente atingida pela ditadura, que perseguiu estudantes, professores e funcionários. Um de seus fundadores, o antropólogo Darcy Ribeiro, havia sido chefe do Gabinete Civil no governo de João Goulart.
Em 9 de abril, os militares ocuparam o campus e revistaram estudantes em salas de aula atrás de armas e de "propaganda subversiva". Houve prisões e interrogatórios. Biblioteca e salas dos professores ficaram interditadas por duas semanas. Teixeira, um dos pioneiros da escola pública de qualidade no país, e Castro foram demitidos.
ONIBUS PARA LEVAR ESTUDANTES PRESOS
O reitor Anísio Teixeira, afastado da UnB pelo governo militar junto com o vice-reitor, Almir de Castro
1964 11 DE ABRIL
CASTELO SE IMPÕE A CONGRESSO MUTILADO
Primeiro general presidente da ditadura era o interlocutor dos EUA antes do golpe
Dois dias depois do Ato Institucional e da cassação de 40 parlamentares, o general Humberto de Alencar Castelo Branco é eleito presidente da República em votação indireta no Congresso Nacional. Candidato único, obteve 361 votos contra 72 abstenções, tornando-se o primeiro dos cinco generais presidentes em 21 anos de ditadura.
O presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, que exercia formalmente a Presidência da República desde a deposição de Goulart e era tutelado pelos ministros militares, transmitiu-lhe o cargo no dia 15 de abril.
Nos anos que precederam o golpe, o general Castelo Branco foi o principal interlocutor militar do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon. Conspirador discreto, foi chefe do Estado Maior do Exército no governo Goulart. Os três membros do Comando Supremo da Revolução mantiveram-se nos ministérios militares.
Soldados na Torre de TV, em Brasília, no dia da eleição de Castelo Branco pelo Congresso
1964 11 DE ABRIL
REGIME FAZ EXPURGO NAS FORÇAS ARMADAS
Golpistas afastam, cassam e prendem militares legalistas e democratas
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O Ato Complementar nº 3 do Comando Supremo da Revolução expulsa das Forças Armadas 122 oficiais (77 do Exército, 14 da Marinha e 31 da Aeronáutica). Da primeira lista de cem cassações, divulgada dois dias antes, já faziam parte seis oficiais superiores que apoiavam o governo constitucional de João Goulart. Centenas de marinheiros, praças, cabos e sargentos que participavam de associações profissionais e defendiam as Reformas de Base foram presos nas primeiras horas do golpe. A repressão aos democratas e legalistas, da base ao topo da hierarquia, fez dos militares o grupo mais numeroso de cidadãos perseguidos pelos golpistas de 1º de abril.
Levantamento do pesquisador Cláudio Beserra de Vasconcelos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), mostra que entre 1964 e 1970 foram punidos pelo menos 1.487 militares: 53 oficiais-generais, 274 oficiais superiores, 111 oficiais intermediários, 113 oficiais subalternos e 936 sargentos, suboficiais, cabos, marinheiros, soldados e taifeiros. Novo surto de perseguição ocorreria nos anos 1980, no final da ditadura. De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, entre 6.500 e 7.500 membros das Forças Armadas e das polícias militares foram perseguidos, presos, torturados ou cassados pela ditadura.
Os números da repressão aos militares desfazem o mito de que as Forças Armadas estavam “unidas e coesas” em torno do golpe de 1964. Na verdade, desde o final da Segunda Guerra, havia uma nítida divisão da oficialidade entre os defensores de um projeto de desenvolvimento nacional e os que apoiavam o alinhamento do país aos interesses econômicos dos Estados Unidos. Essa divisão se expressou na campanha pela criação da Petrobrás, nas acirradas disputas pela direção do Clube Militar e nos golpes e contragolpes que marcaram os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart.
Os legalistas e democratas, que haviam garantido a posse de JK em 1955 e a de Jango em 1961, foram os derrotados de 1964 e pagaram um alto preço por isso. Entre os cassados e expurgados das primeiras listas estavam o general Ladário Pereira Telles, comandante do 3° Exército; o almirante Pedro Paulo de Araújo Suzano, ex-ministro da Marinha; o contra-almirante Cândido Aragão, comandante do Corpo de Fuzileiros Navais; o brigadeiro Ruy Moreira Lima, herói da FAB; o brigadeiro Francisco Teixeira e os generais Argemiro Assis Brasil e Luís Tavares da Cunha Mello, auxiliares de Jango; o marechal Osvino Ferreira Alves, presidente da Petrobras; e o historiador Nelson Werneck Sodré, general reformado. De 1964 a 1966, foram expurgados 24 dos 91 oficiais-generais das Forças Armadas.
Muitos sargentos, marinheiros e praças punidos em 1964 iriam se integrar a organizações clandestinas no combate à ditadura, especialmente o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), a Ação Libertadora Nacional (ALN) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Um dos primeiros assassinatos reconhecidamente ocorridos numa prisão da ditadura foi o de um militar, o sargento Manoel Raimundo Soares, do MNR, cujo corpo foi encontrado com as mãos amarradas nas águas do rio Jacuí, em Porto Alegre, em 1966.
Eram também militares dois dos maiores heróis da resistência à ditadura: os capitães Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, da Aeronáutica, e Carlos Lamarca, do Exército. Em 1968, o capitão Sérgio integrava o grupo de resgate Para-Sar e recusou-se a executar um plano terrorista de seu comandante, o brigadeiro João Paulo Burnier. Dessa forma, evitou a explosão criminosa do gasômetro do Rio, atentado que serviria de pretexto para o assassinato de líderes democratas. O herói foi punido pelo AI-5. Em 1969, o capitão Lamarca desertou do quartel de Quitaúna (SP) para unir-se à VPR e tornou-se um dos guerrilheiros mais procurados do país. Em 1971, isolado, doente e faminto, foi assassinado por agentes da repressão no sertão da Bahia.
TRECHO DO FILME MILITARES DA DEMOCRACIA- EM DEFESA DOS ESTUDANTES
TRECHO DO FILME MILITARES DA DEMOCRACIA - A DITADURA É UMA MÁFIA
1964 9 DE MAIO
CARLOS MARIGHELLA RESISTE À PRISÃO
Dirigente comunista enfrenta a polícia e torna-se símbolo de resistência
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O ex-deputado comunista Carlos Marighella é localizado e preso por agentes do Dops carioca dentro de um cinema no bairro da Tijuca. Enfrentando os policiais com socos e gritos de “abaixo a ditadura militar fascista!” e “viva a democracia!”, Marighella recebeu um tiro à queima-roupa no peito. Dominado, foi levado ao Hospital Souza Aguiar e de lá para a Penitenciária Lemos Brito.
Por sua atuação como deputado federal nos anos 1940 e pela articulação de grandes greves e protestos, Marighella tornou-se o mais famoso dirigente do PCB, superado apenas pelo secretário-geral Luiz Carlos Prestes. Ficou três meses preso e, antes de cair mais uma vez na clandestinidade, publicou em 1965 o livro “Por Que Resisti à Prisão”, uma denúncia contra a ditadura.
Marighella iria se distanciar progressivamente da direção do PCB até romper com a legenda em 1967. Tornaria-se comandante da Ação Libertadora Nacional (ALN), a maior organização de guerrilha urbana do país naquele período.
O dirigente comunista tornou-se um dos mais procurados inimigos da ditadura e, em 1969, foi morto em emboscada, numa ação coordenada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais sanguinários agentes do aparelho de repressão da ditadura militar.
MARIGHELLA SAI DA CADEIA E VAI ÀS REDAÇÕES DE JORNAIS DENUNCIAR A VIOLENCIA DO REGIME
1964 13 DE MAIO
DITADURA ROMPE RELAÇÕES COM CUBA
Na Guerra Fria, militares alinham política externa às ordens dos EUA
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O Brasil rompe relações diplomáticas com Cuba, assinalando a mudança de orientação da política externa brasileira. Até o governo Jango, o país adotava uma linha de independência em relação aos blocos político-militares da Guerra Fria. Em 1961, o então presidente Jânio Quadros havia condecorado o líder guerrilheiro e ministro da Indústria cubano, Ernesto Che Guevara. Na Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil havia negado apoio à expulsão dos cubanos proposta pelos EUA.
A nova atitude em relação a Cuba, primeiro país da América Latina a se declarar socialista, decorreu do alinhamento ideológico e diplomático aos norte-americanos, que combatiam o regime de Fidel Castro e haviam patrocinado a fracassada tentativa de invasão do país por anticastristas na Baía dos Porcos. Como recompensa, os EUA ofereceriam ajuda econômica e militar à ditadura brasileira.
Os norte-americanos também deram suporte técnico ao aparelho de repressão brasileiro. Desde uma década antes do golpe, o Brasil enviava regularmente militares para a Escola das Américas, que treinou agentes dos regimes ditatoriais de toda a América Latina nas décadas de 1960 e 1970. Os grupos de direitos humanos do país identificaram, entre os treinados pela escola, o brigadeiro João Paulo Burnier, que teve abortado um plano arquitetado para explodir o Gasômetro do Rio e matar os mais importantes líderes da oposição institucional ao regime militar brasileiro, em 1968. Vários torturadores brasileiros chegaram a atuar como instrutores da academia norte-americana.
A vitória da Revolução Cubana provocou a latino-americanização da Guerra Fria, com reflexos no Brasil após o golpe
1964 MAIO
PIF-PAF DE MILLÔR RENOVA O HUMOR E A CRÍTICA
Precursora da imprensa alternativa, revista usou irreverência contra a ditadura
Lançada poucas semanas depois do golpe militar, a revista "Pif-Paf" abre o ciclo da imprensa alternativa que atuou corajosamente na frente de resistência à ditadura. Editada por Millôr Fernandes, que mantinha coluna com o mesmo título na revista "O Cruzeiro" desde meados dos anos 1940, a nova publicação tinha entre seus colaboradores Jaguar, Claudius, Fortuna, Ziraldo e Sérgio Porto. A irreverência desses mestres do humor político não seria tolerada pelos militares, e a revista fechou no seu oitavo número, depois de ameaças e prisões. Millôr vaticinou o fim da revista numa finíssima peça de humor e provocação: “Se o governo continuar deixando circular essa revista (...) dentro em breve estaremos caindo numa democracia”.
A imprensa alternativa, também chamada de nanica num contraponto à chamada grande imprensa, foi uma marca registrada da luta contra a ditadura militar. Geralmente editados em formato tabloide (29 cm x 38 cm), os jornais alternativos mantiveram acesa a chama da resistência ao arbítrio, denunciando a violência, os abusos e o arrocho salarial. Alguns tiveram vida curta, mas outros bateram recordes de edições e de tiragem, sobrevivendo por vários anos. "O Pasquim" foi o que mais durou, ao lado de "Opinião" e "Movimento".
Criada por jornalistas, muitas vezes agrupados em cooperativas, a imprensa alternativa desenvolveu uma linguagem informal e criativa. Tinha muita opinião, mas também trazia importantes reportagens sobre temas proibidos. Resistiu com coragem ao cerco da censura e às seguidas ofensivas dos órgãos de segurança. No final dos anos 1970, foi vítima das ações terroristas desencadeadas pelos agentes da repressão. Redações e bancas de jornais foram destruídas em atentados a bomba.
Entre os muitos títulos da imprensa nanica, que iam do humor à política, da contracultura à denúncia dos abusos, da luta pela modernização dos costumes à divulgação dos movimentos sociais, destacaram-se "Versus", "CooJornal", "Em Tempo", "Hora do Povo", "Repórter", "Brasil Mulher", "Lampião" e "Tição".
CAPA DA 1. EDIÇÃO DE PIF PAF
Documentos e extras
O JOGO DA DEMOCRACIA"PIF-PAF" Nº 2, JUNHO DE 1964GOVERNO A CAVALOCHARGE DE FORTUNA NA "PIF-PAF" Nº 7, AGOSTO DE 1964MISS ALVORADASRTA. CASTELINHO E CARLOTA NA FOTOPOTOCA DE ZIRALDOA "ADVERTÊNCIA" DE MILLÔRA GOTA D’ÁGUA PARA O FECHAMENTO DA R
1964 1º DE JUNHO
NOVA LEI ANTIGREVE GOLPEIA SINDICATOS
Exigências impossíveis quebram a espinha do movimento sindical
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A Lei nº 4.330, conhecida como Lei Antigreve, é aprovada pelo Congresso e sancionada pelo general presidente Castelo Branco. Tornou praticamente impossíveis as paralisações de trabalhadores tantas eram as exigências previstas no texto. Uma paralisação teria de ser aprovada pelo voto secreto de dois terços da categoria em dois turnos, com intervalo de um mês entre eles.
Uma das primeiras medidas do regime militar foi o banimento do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), organização intersindical nacional influenciada pelo PTB e pelo PCB que tinha grande poder de mobilização dos trabalhadores urbanos. Sindicatos importantes sofreram intervenção, dirigentes foram depostos, demitidos e presos, quebrando a espinha do movimento sindical.
O Brasil só voltaria a ter uma organização intersindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), 19 anos depois.
Paralisações e manifestações de trabalhadores, como na Greve dos 700 mil, de novembro de 1963, são proibidas pela Lei Antigreve
1964 6 DE JUNIO
CASSADO, JUSCELINO PARTE PARA O EXÍLIO
Ex-presidente, que planejava disputar eleições em 1965, deixa o Brasil
É cassado o mandato do senador Juscelino Kubitschek (PSD-GO) juntamente com outros 39 políticos. O ex-presidente JK era aliado de João Goulart, mas se distanciou dele às vésperas do golpe. Votou na eleição indireta de Castelo Branco e sua expectativa era a de disputar a eleição presidencial prevista para outubro de 1965. A suspensão dos direitos políticos do ex-presidente, contra quem não pesavam acusações de subversão, foi anunciada no programa radiofônico oficial "A Voz do Brasil".
Surpreendido, JK tornou-se alvo de Inquéritos Policiais Militares (IPMs) conduzidos por coronéis que vasculharam suas finanças e as de empresários ligados a ele. Uma semana depois de cassado, JK embarcou para o exílio na França, de onde retornaria somente em outubro do ano seguinte
JK EM PARIS
1964 13 DE JUNHO
SNI: NASCE O MONSTRO DA ESPIONAGEM
Serviço controla a vida de cidadãos brasileiros dentro e fora do país
Concebido pelo general Golbery do Couto e Silva, o Serviço Nacional de Informações (SNI) é criado pela Lei nº 4.341 com a finalidade de assessorar o presidente da República e o Conselho de Segurança Nacional. O SNI se tornou o principal órgão de espionagem da ditadura e peça-chave do Sistema Nacional de Informações (Sisni).
O SNI articulava-se com os ministérios militares, que tinham seus próprios serviços de informação – o Cenimar (Marinha) e, mais tarde, o CIE (Exército) e o Cisa (Aeronáutica) –, a Polícia Federal, os Dops estaduais e os serviços secretos das polícias militares, ocupando o centro da malha da chamada "comunidade de informações". Nos ministérios civis, em empresas públicas e estatais, foram instaladas as Assessorias de Segurança e Informação (ASIs), que eram braços do sistema responsáveis pela vigilância política de funcionários e mesmo de ministros.
O SNI monitorou atividades dos cidadãos dentro e fora do Brasil. Os agentes do "Serviço", como o SNI era chamado, operavam nas embaixadas do país por meio do Centro de Informações do Exterior (CIEx), criado em 1966 dentro do Itamaraty. Em pouco tempo, o SNI tornou-se uma vasta teia de espionagem, intrigas políticas e negócios ilegais, a ponto de se atribuir ao general Golbery a frase "Criamos um monstro", quando o regime militar estava nos seus estertores.
OLBERY, O IDEALIZADOR DO SNI
1964 JUNHO
EUA DITAM REFORMA DO ENSINO NO BRASIL
Acordos MEC-Usaid subordinam educação a interesses econômicos
Dois meses depois do golpe apoiado pelo governo norte-americano, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) firma acordos de assistência técnica com a United States Agency for International Development (Usaid). Mantido em segredo por quase dois anos, o conteúdo dos acordos MEC-Usaid foi a base de uma reforma do ensino voltada para as necessidades imediatas da economia e os interesses do mercado.
A implantação desse modelo implicaria mais tarde a substituição dos cursos primário, ginásio, clássico e científico pelos cursos de primeiro e segundo graus, com redução de um ano de estudo e da carga horária de ciências humanas, abolição de matérias como filosofia e latim e adoção obrigatória do estudo de inglês. Os acordos previam ainda a substituição da universidade pública por fundações e universidades particulares.
A revelação dos acordos, a partir de 1966, repercutiu fortemente, gerando protestos de estudantes e educadores.
Estudantes em passeata em São Paulo contra os acordos MEC-Usaid, que permaneceram por dois anos em segredo
1964 JULHO
DEUS E O DIABO NA TERRA DOS CONFLITOS
Filme de Glauber Rocha remete às lutas agrárias e revoluciona o cinema
"Deus e o Diabo na Terra do Sol" é considerado um marco do Cinema Novo. Segundo longa-metragem do cineasta Glauber Rocha, ambientado no sertão da Bahia, o filme começa como um típico "western", opondo o vaqueiro Manuel (Geraldo Del Rey) ao patrão que toma seu gado. Manuel mata o patrão numa briga e foge com a mulher, Rosa (Yoná Magalhães). Os donos da terra mandam no seu encalço o jagunço Antônio das Mortes (Maurício do Valle).
A partir daí, Glauber surpreende com uma narrativa não convencional, estabelecendo o conflito de Manuel entre seguir Deus (o líder messiânico Sebastião, interpretado por Lídio Silva) ou o Diabo (o cangaceiro Corisco, com Othon Bastos). A esses elementos tipicamente nordestinos, o diretor acrescenta a narrativa de um cego cantador conduzindo a marcante trilha sonora de Sérgio Ricardo, que se completa com uma das Bachianas de Heitor Villa-Lobos.
Gravado em 1963 em Monte Santo, região onde viveu e pregou Antônio Conselheiro, "Deus e o Diabo" estreou para o público três meses depois do golpe. A direção surpreendente e a temática do conflito pela terra – quando as Ligas Camponesas já estavam banidas – provocaram impacto. O filme foi aclamado no Festival de Cannes. Mais tarde, seria proibido pela censura.
GLAUBER ROCHA DIRIGE DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL
Documentos e extras
GOLPE ALCANÇA O CINEMA NACIONAL
Premiado em Berlim, 'Os Fuzis' mostra realidade banida das telas do Brasil
O golpe militar interrompeu a produção dos documentários "Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho, e "Maioria Absoluta", de Leon Hirszman. Registro documental da vida de João Pedro Teixeira, líder camponês da Paraíba assassinado em 1962, o filme de Coutinho seria concluído somente 20 anos depois. "Maioria Absoluta", que mostra as condições de vida dos trabalhadores do campo e a desigualdade social no país, ficaria proibido até 1980.
Em julho de 1964, "Os Fuzis", de Ruy Guerra, ganha o Urso de Prata, em Berlim. Obra que consagrou a carreira do diretor, o filme conta a história da tentativa de invasão e saque de um depósito de alimentos no sertão da Bahia por um grupo de flagelados da seca.
RUY GUERRA DIRETOR DE "OS FUZIS"
1964 9 DE NOVEMBRO
REGIME JOGA UNE E UEES NA ILEGALIDADE
A nova ordem da ditadura: estudante é pra estudar; trabalhador, pra trabalhar
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A União Nacional dos Estudantes (UNE) e as entidades estudantis estaduais e municipais estiveram entre os primeiros alvos do golpe de abril de 1964. A sede da UNE na praia do Flamengo, no Rio, foi incendiada e seus dirigentes entraram na clandestinidade. A polícia política também perseguiu dirigentes das Uniões Estaduais de Estudantes (UEEs) e das uniões de secundaristas.
O novo ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda, propôs um projeto de lei para enquadrar a representação estudantil na nova ordem. Diretórios Acadêmicos, por curso, e Diretórios Centrais de Estudantes, por universidade, passariam a funcionar sob controle oficial, restringindo-se a assuntos acadêmicos e assistenciais. Para suceder a UNE, a lei previa um Diretório Nacional dos Estudantes, que deveria se reunir em Brasília somente nas férias e sob controle direto do MEC.
A Lei 4.464 foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo general presidente Castelo Branco em 9 de novembro. Conhecida como Lei Suplicy, ela significou para o movimento estudantil a revogação do livre direito de organização e manifestação – medida que já tinha atingido os trabalhadores com o banimento do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Lei Antigreve.
Flavio Suplicy de Lacerda, ministro da Educação que emprestou o nome à lei anti-UNE
1964 DEZEMBRO
'PODEM ME PRENDER, PODEM ME BATER...
que eu não mudo de opinião': musical mostra a força da resistência cultural
Estreia no Teatro de Arena do Rio o musical "Opinião", dirigido por Augusto Boal, com Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão – um sambista do morro, um compositor nordestino e uma cantora da Bossa Nova que sintetizavam o movimento cultural brasileiro anterior ao golpe.
Produzido com apoio do Centro Popular de Cultura (CPC) da já proibida UNE, o espetáculo intercalava músicas de temática política e social com textos de Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando Costa.
"Opinião" consagrou composições como "Carcará", "Missa Agrária", "Borandá", "Pisa na Fulô", "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas", "Esse Mundo é Meu". A música-título tornou-se referência da canção de protesto no Brasil.
CARCARÁ
1965 13 DE JANEIRO
BULHÕES E CAMPOS, A DUPLA DO ARROCHO
Submissa ao FMI, equipe econômica reduz salário e libera remessa de lucro
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O Fundo Monetário Internacional (FMI) concede crédito de US$ 125 milhões ao Brasil, em troca de um programa econômico de arrocho salarial, cortes no setor público e liberação das remessas de lucros para o estrangeiro. As imposições para o acordo foram incluídas no Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), elaborado pelos ministros da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, e do Planejamento, Roberto Campos. A articulação com o FMI foi patrocinada pelo embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, que esteve na assinatura do acordo ao lado do general presidente Castelo Branco. Gordon tivera ativa participação no golpe de março anterior.
O arrocho salarial começou a ser imposto ao funcionalismo público ainda em 1964, com decretos e circulares que estabeleciam o reajuste pela média salarial dos dois anos anteriores. Em 1965, por meio da lei 4.725, a ditadura impôs as mesmas regras ao setor privado e passou a fixar o índice de reajuste, proibindo acordos entre sindicatos e empresas e a intervenção da Justiça do Trabalho. Outra lei, a 4.923, permitiu que os patrões reduzissem salários em até 25%, sob o pretexto de “dificuldades econômicas”. O economista Mário Henrique Simonsen, discípulo de Bulhões e Campos, diria anos depois que a política de arrocho reduziu os salários em um quarto do valor entre 1965 e 1967.
Os cortes no setor público foram feitos com o objetivo de reduzir a inflação de 46%, em 1964, para 10% no ano seguinte, mas o índice inflacionário de 1965 foi de 41%. Os efeitos recessivos do arrocho de salários e corte de despesas só iriam reduzir a inflação a partir de 1967. Revogar pontos importantes da Lei de Remessa de Lucros, aprovada em 1962 pelo governo João Goulart, era uma exigência dos Estados Unidos para dar apoio financeiro à ditadura brasileira. A lei de Goulart estabelecia um teto anual de 10% para as remessas de lucros das multinacionais instaladas no país. O limite foi revogado em 1964. Essa medida da equipe econômica da ditadura foi o pontapé inicial de um longo e profundo processo de desnacionalização da economia brasileira.
Gordon, Castelo Branco, Bulhões e Campos (a partir da esq.): alinhamento com os EUA e arrocho para os trabalhadores
1965 9 DE MARÇO
GENERAL PRESIDENTE RECEBE PRIMEIRA VAIA
Universitários do Rio protestam contra Castelo Branco; cinco são presos
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Ao deixar a Escola Nacional de Arquitetura, onde fora participar da abertura dos cursos da Universidade do Brasil, Castelo Branco é vaiado por cerca de 150 estudantes. Acompanhavam o general presidente o ministro da Educação, Raimundo Moniz Aragão; o ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões; os ministros das Casas Civil e Militar, Luís Viana Filho e Ernesto Geisel; e o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, entre outras autoridades.
Terminada a aula inaugural do professor Iberê Gilson, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, que abriu a solenidade, a maioria dos estudantes presentes deixou o recinto. Quando Castelo Branco tomou a palavra, o espaço antes ocupado pelos universitários estava praticamente vazio. Ao deixar o prédio, o presidente parou por alguns instantes no saguão para ouvir reivindicações de estudantes. Quando atravessava a porta principal da escola acompanhado de sua comitiva, o murmúrio surdo que começou entre os universitários se transformou em vaia. O general abaixou a cabeça e deixou o local a passos rápidos.
Foram presos imediatamente no local pela Polícia do Exército (PE) os estudantes Nei Couto Marinho (4º ano de medicina), Mauro Fernando Campos (5º ano de engenharia), Sérgio Medeiros (2º ano de engenharia), Milton Castro Filho (1º ano de direito) e Nacif Elias Haid Sobrinho (aluno de filosofia). Conduzidos ao quartel da PE, seriam libertados no final da tarde e novamente presos pelo Dops. Três deles seriam soltos depois de algumas horas. Nacif e Milton foram mantidos incomunicáveis porque assumiram a responsabilidade pela manifestação. Todos sofreram processo disciplinar e foram condenados a penas de suspensão
Castelo Branco discursa na solenidade de abertura do ano letivo na Universidade do Brasil
Estudantes são presos após a vaia a Castelo Branco
1965 13 DE MARÇO
INTELECTUAIS REAGEM AO AUTORITARISMO
Caráter ditatorial do regime fica claro até para defensores do golpe de 1964
Às vésperas do primeiro aniversário do golpe, era cada vez mais claro que a ditadura militar pretendia ficar no poder por muito tempo. Aqueles que acreditavam que o governo militar seria efêmero logo tiveram de encarar a realidade.
Por ocasião do golpe, os partidos que apoiaram a intervenção militar acharam que os novos donos do poder iriam apenas “colocar a casa em ordem”, eliminando adversários indesejáveis, e depois iriam voltar para os quartéis. O mandato do general presidente Castelo Branco havia sido fixado por dois anos, findos os quais eleições diretas seriam convocadas para escolher um novo presidente. Em julho de 1964, todavia, os militares mostraram que tinham vindo para ficar. O mandato de Castelo foi prorrogado, por força de ato institucional, até 1967.
Os atos repressivos pareciam não ter fim, com seguidas intervenções nos sindicatos, novas cassações de mandatos e atos de censura e de intimidação à imprensa e aos artistas. Por qualquer razão, oposicionistas eram presos.
Movimentos de confronto da intelectualidade começaram a tomar corpo com o Manifesto Nacional pela Democracia, que exigia a volta do Estado de Direito, o fim das intervenções nos sindicatos, a garantia da liberdade de expressão, a libertação dos presos políticos e a reintegração dos cassados. Defendia também a realização das eleições previstas para os anos de 1965 e 1966.
Publicado na primeira página do "Correio da Manhã", jornal liberal que havia apoiado a derrubada de João Goulart, o manifesto trazia a assinatura de 107 intelectuais, artistas e jornalistas -- um arco amplo, que ia de cristãos, como Alceu Amoroso Lima, a comunistas, como Oscar Niemeyer, e incluía pessoas que um ano antes tinham sido favoráveis ao golpe.
Guerrilheiros de Três Passos levados à prisão em Foz do Iguaçu (PR)
1965 ABRIL
DITADURAS SE UNEM ÀS ORDENS DE TIO SAM
Brasil, Paraguai e Nicarágua se aliam na invasão da República Dominicana
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Em mais um gesto de alinhamento incondicional aos EUA, Castelo Branco envia 1.300 militares brasileiros para apoiar a invasão da República Dominicana. O ataque norte-americano ao pequeno país do Caribe tinha o objetivo de garantir a ditadura instalada em 1963 em Santo Domingo, que havia derrubado o governo constitucional de Juan Bosch. O golpe contra Bosch, acusado pelos EUA de comunista, fora organizado pela CIA.
Em abril de 1965, a ditadura dominicana, sentindo-se ameaçada por setores constitucionalistas que vinham ganhando apoio na Marinha e da Polícia Nacional, pediu socorro aos EUA. Além do Brasil, as ditaduras do Paraguai e da Nicarágua aceitaram participar das Forças Interamericanas de Paz, que ficaram 17 meses no país até a vitória do regime pró-norte-americano. Mais de 2 mil cidadãos dominicanos morreram.
A subserviência de Castelo, que colocou o Brasil no papel de polícia dos EUA, desencadeou as primeiras passeatas estudantis depois do golpe de 1964.
Protesto no Brasil contra intervenção dos EUA na República Dominicana
1965 26 DE MAIO
Preso no golpe, governador é visado por ligações com sindicatos rurais
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O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, eleito pelo PST (Partido Social Trabalhista), era um dos políticos mais visados pela direita por sua ligação com os sindicatos de trabalhadores rurais e pelas políticas sociais que adotara em seu Estado. Foi preso em pleno exercício do mandato, em 1º de abril de 1964. Levado ao 4º Regimento de Infantaria do Recife, foi transferido depois para a ilha de Fernando de Noronha, onde permaneceu por 11 meses. Mais tarde, terminou encarcerado na Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.
Em abril de 1965, o advogado Heráclito Sobral Pinto obteve um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para Arraes. O ex-governador é libertado em 25 de maio e segue imediatamente para a Argélia, então governada pelo líder nacionalista Ahmed Ben Bella. Ficaria 14 anos no exílio.
Na Argélia e mais tarde na França, Arraes cumpriria importante papel na organização de redes de apoio político e financeiro às organizações de esquerda brasileiras e às comunidades de exilados. Também teria ação de destaque na divulgação no exterior de denúncias das torturas e assassinatos cometidos pela ditadura.
ARRAES ASILADO NA EMBAIXADA DA aRGÉLIA
1965 4 DE OUTUBRO
JUSCELINO FAZ BREVE RETORNO AO BRASIL
Acossado pela ditadura, ex-presidente fica por apenas um mês no país
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O ex-presidente Juscelino Kubitschek retorna ao país depois de 16 meses de exílio na Europa e é recebido com festa no Rio de Janeiro. É intimado a depor no mesmo dia no primeiro de vários Inquéritos Policiais Militares (IPMs) abertos contra ele.
Submetido a interrogatórios agressivos conduzidos por oficiais das Forças Armadas, o ex-presidente chegou à conclusão de que a ditadura pretendia infernizar sua vida, humilhando-o publicamente. Decidiu partir novamente para o exílio em 9 de novembro.
UNB SOFRE INVASÃO PELA SEGUNDA VEZ
Reitor chama tropa militar; 223 professores se demitem em protesto
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Escolhido pelos militares para enquadrar politicamente a Universidade de Brasília (UnB), o reitor Laerte Ramos de Carvalho demite arbitrariamente três influentes professores – Ernani Maria de Fiori, Edna Soter de Oliveira e Roberto Décio de Las Casas. Em protesto, o corpo docente decretou uma greve de 24 horas que recebeu a adesão dos estudantes.
O reitor pediu o envio de tropas militares, que cercaram todas as entradas da UnB na madrugada de 11 de outubro. Laerte Carvalho demitiria mais 15 professores na semana seguinte. Diante da nova arbitrariedade, 223 dos 305 docentes pediram demissão.
Durante os 21 anos da ditadura, a UnB foi alvo frequente de punições e intervenções que mutilaram o projeto original de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Mesmo sob forte pressão, a instituição se manteve como uma pedra no sapato da ditadura.
1965 27 DE OUTUBRO
ATO 2 FECHA PARTIDOS E VETA ELEIÇÃO DIRETA
Derrotado nas urnas, Castelo edita o AI-2, intervém no STF e impõe bipartidarismo
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Derrotado nas eleições estaduais de 3 de outubro, o general presidente Castelo Branco baixa o segundo Ato Institucional (AI-2), que dissolve os partidos e acaba com as eleições diretas para presidente e governadores. O AI-2 instituiu o bipartidarismo, limitado à Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de apoio ao governo, e ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro), uma debilitada legenda de oposição. O Ato interveio nas atribuições do Poder Judiciário, determinando que civis acusados de crimes políticos passassem a ser julgados pela Justiça Militar.
O AI-2 foi o desdobramento natural do golpe de 1964, consolidando o ataque à democracia e ao Estado de Direito iniciado com a deposição de João Goulart. Sepultou de vez a ilusão de que Castelo Branco devolveria o poder aos civis ao final de seu período na Presidência. Durante três anos, o general presidente governaria em condomínio com a chamada “linha dura”, representada pelos ministros militares e liderada pelo general Arthur da Costa e Silva. A ditadura se impôs numa espiral autoritária que mais tarde se transformaria num regime de terror de Estado.
O pretexto para o novo ato foi a derrota dos candidatos da ditadura em 5 dos 11 Estados que haviam realizado eleições para governador em 3 de outubro: Minas Gerais, a antiga Guanabara, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Norte. Os reveses mais importantes ocorreram na Guanabara e em Minas, onde foram eleitos, respectivamente, Negrão de Lima e Israel Pinheiro, ambos do PSD e amigos pessoais do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Eles venceram candidatos apoiados pelos governadores Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, ambos da União Democrática Nacional (UDN), que se proclamavam “líderes civis” do golpe de 1964.
As principais medidas autoritárias do AI-2:
• Ampliou de 11 para 16 o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, garantindo à ditadura a indicação da maioria da Corte;
• Transferiu para a Justiça Militar os julgamentos de civis acusados de crimes políticos e contra a “segurança nacional”;
• Conferiu ao presidente da República o poder de decretar estado de sítio por até 180 dias sem ouvir o Congresso Nacional;
• Extinguiu os partidos políticos e os substituiu por duas agremiações – Arena e MDB;
• Proibiu eleições diretas para presidente da República, que passaria a ser indicado pela maioria do Congresso, em votação aberta;
• Atribuiu ao presidente da República o poder de cassar mandatos eletivos e suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão;
• Revogou as garantias dos funcionários civis e militares, permitindo que fossem demitidos sumariamente por “atividades incompatíveis com a revolução”;
• Outorgou ao presidente da República o poder de fechar o Congresso Nacional e decretar intervenção federal nos Estados e municípios a qualquer momento;
• Deu ao Executivo o poder de decretar Atos Complementares e decretos-leis sobre qualquer assunto referente à “segurança nacional”.
O AI-2 vigorou até 15 de março de 1967, quando seus princípios autoritários foram incorporados a uma nova Constituição.
Castelo Branco, ao centro, assina o Ato Institucional nº 2, em Brasília. Aparecem na foto os dois futuros generais presidentes Costa e Silva (2º sentado à esq.) e Ernesto Geisel (sentado à dir., em primeiro plano)
1965 11 DE NOVEMBRO
PROTESTO LEVA 'OITO DO GLÓRIA' À PRISÃO
Intelectuais são presos diante de hotel onde Castelo recebia líderes da OEA
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Intelectuais promovem uma manifestação contra a ditadura em frente ao Hotel Glória, no Rio de Janeiro. No local, realizava-se uma conferência da Organização dos Estados Americanos (OEA) com a presença do general presidente Castelo Branco.
Foram presos e levados ao quartel da Polícia do Exército Antônio Callado, Carlos Heitor Cony, Thiago de Mello, Jaime de Azevedo Rodrigues, Flavio Rangel, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Mário Carneiro.
ANTONIO CALLADO NO HOTEL GLÓRIA.
1966 24 DE MARÇO
MDB É CRIADO PARA SER FRÁGIL OPOSIÇÃO
Partido reúne políticos do PTB, PSD, PDC, além de comunistas clandestinos
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O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) é fundado como partido de oposição após a edição do Ato Institucional nº 2, que extinguiu os partidos políticos no país e estabeleceu o bipartidarismo. Nasceu como uma legenda moderada, de oposição consentida pela ditadura. O MDB recebeu principalmente políticos do PTB que não haviam sido cassados e figuras do antigo PSD que participaram dos governos de Getúlio Vargas e João Goulart. Entre eles, estavam o ex-primeiro-ministro Tancredo Neves e o ex-ministro Ulysses Guimarães – que havia apoiado o golpe, mas decepcionou-se depois com o regime militar.
Também se filiaram ao partido políticos da democracia-cristã, como o deputado Franco Montoro, da ala esquerda da igreja católica e integrantes do clandestino PCB. O primeiro presidente do partido foi o senador Oscar Passos, do PTB, general reformado e ex-governador do Acre.
O MDB iria se transformar no início da década de 1970 na mais importante força política de resistência à ditadura, depois de uma longa temporada de derrotas nas eleições, provocadas por mudanças na legislação eleitoral, inclusive por atos institucionais, que favoreceriam a Arena, o partido de apoio à ditadura.
Reunião do MDB que decidiu pela abstenção nas eleições indiretas para presidente e governadores
1966 4 DE ABRIL
ARENA NASCE PARA DIZER 'SIM, SENHOR'
UDN e maioria do PSD se unem em legenda subserviente aos militares
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A Aliança Renovadora Nacional (Arena) é fundada para apoiar a ditadura, dentro do sistema bipartidário criado pelo Ato Institucional nº 2. Aderem ao partido praticamente todos os integrantes da antiga UDN, que tinha feito feroz oposição aos governos trabalhistas de Getúlio Vargas e João Goulart, e a maior parte do antigo PSD, partido do ex-presidente Juscelino Kubitschek, além de membros do PSP e de outras agremiações menores.
Quase todos os governadores filiaram-se à Arena, inclusive os que haviam sido eleitos no ano anterior pela oposição, como Israel Pinheiro, oriundo do PSD. A exceção foi o governador da Guanabara, também eleito pelo PSD, Negrão de Lima, que não se filiou a nenhum partido. O primeiro presidente da Arena foi o senador gaúcho Daniel Krieger (UDN).
Pela subserviência aos militares, a legenda ficou conhecida como o “partido do sim, senhor”. Embora unida na obediência ao governo, a Arena era fragmentada nos Estados em diferentes correntes políticas conservadoras devido a rivalidades locais. Para evitar divisões irremediáveis, a ditadura criou as chamadas sublegendas, pelas quais os grupos disputavam as eleições separadamente, concorrendo entre si, mas os votos de todos eram somados e atribuídos à Arena.
Convenção da Arena que escolheu Abreu Sodré para o governo de São Paulo, em 15 de julho de 1966
1966 MAIO
A RESISTÊNCIA SOBE AO PALCO DO TEATRO
Herdeiros do CPC sustentam crítica social e chamam a atenção do mundo
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Na produção teatral de 1966, três peças se destacam pelas críticas à realidade política e social brasileira, tornando-se referência na dramaturgia do país. São elas: "O Berço do Herói", de Dias Gomes; "Navalha na Carne", de Plinio Marcos; e "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha.
Inspirada nas experiências do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, vence em maio de 1966 o 4º Festival Mundial de Teatro Universitário em Nancy, na França. Chico Buarque musicou os versos de João Cabral.
Foi a peça de estreia do grupo de Teatro da Universidade Católica (Tuca). Inaugurado em setembro de 1965, o espaço do Tuca, em São Paulo, se tornaria nos anos seguintes um palco de manifestações culturais e políticas contra a ditadura.
MORTE E VIDA SEVERINA DE JOÃO CABRAL DE MELLO NETO
PRESTES RECEBE PENA DE 14 ANOS DE PRISÃO
Julgado à revelia, líder comunista vivia clandestino; PCB enfrenta dissidências
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Vivendo na clandestinidade e julgado à revelia, Luís Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), é condenado a 14 anos de prisão. O processo baseou-se em dezenas de cadernetas com anotações sobre atividades do PCB apreendidas no ano anterior pela polícia de São Paulo em uma das casas em que morou.
Durante o ano de 1966, nas discussões preparatórias para o 4° Congresso do PCB, o partido começou a se dividir na avaliação política do golpe militar e da derrota da esquerda no Brasil. Abriram-se dissidências na estrutura do PCB, que iriam gerar organizações como a Ação Libertadora Nacional (ALN), a Corrente, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), todas elas engajadas na luta armada, contrariamente à orientação do partido
Luís Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, em foto do ano de 1963
1966 24 DE JUNIO
MARINHEIROS VÃO PARA BANCO DOS RÉUS
Estopim da crise militar contra Jango, 283 rebelados são punidos com rigor
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No maior julgamento realizado no país até então, 283 marinheiros e fuzileiros navais acusados de rebelião em março de 1964 são condenados a penas que somam mais de 1.280 anos de prisão. A Revolta dos Marinheiros, que exigiam liberdade de organização e dignidade no serviço, havia sido o estopim da crise militar que levou ao golpe. A anistia concedida aos rebeldes pelo governo Jango fora considerada uma afronta à hierarquia militar.
No julgamento de 1966, a pena maior, de 10 anos e 8 meses, coube a um dos líderes da revolta, José Anselmo dos Santos. O Cabo Anselmo, como ficaria conhecido, alguns anos mais tarde se revelaria um agente da repressão infiltrado na organização Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Marinheiros acompanham o depoimento do almirante Sílvio Mota, ex-ministro da Marinha
1966 25 DE JULHO
COSTA E SILVA ESCAPA DE ATAQUE A BOMBA
Ministro do Exército era o alvo de atentado que mata dois no Recife
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Uma bomba explode no Aeroporto de Guararapes, em Recife, onde pousaria o avião da comitiva do general Arthur da Costa e Silva. O então ministro da Guerra (Exército) viajava pelo país preparando-se para suceder Castelo Branco na Presidência da República.
Alvo do atentado, Costa e Silva acabou escapando por ter mudado de rota e desembarcado na Paraíba. Morreram na explosão o secretário do Governo de Pernambuco, André Régis de Carvalho, e o vice-almirante reformado Nelson Gomes Fernandes.
O ex-deputado federal Ricardo Zarattini e o professor Edinaldo Miranda foram acusados na época de serem os autores do atentado. Mas em 2013, a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC), de Pernambuco, apresentou documentos de órgãos de segurança pública, datados de 1970, que desmentem a versão oficial. O governo, segundo a comissão, tinha conhecimento da verdade, mas permitiu que o professor fosse preso, torturado e condenado. A autoria foi atribuída por historiadores a militantes da organização Ação Popular (AP), que teriam agido por conta própria, sem autorização dos dirigentes.
FERIDO SOCORRIDO NO ATENTADO O AEROPORTO DOS GUARARAPES
DO PORÃO DA IGREJA, UNE DESAFIA O REGIME
Entidade realiza congresso proibido, elege direção e exige democracia
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Perseguida desde o momento do golpe e proibida de atuar no país, a ex-UNE, como era chamada a entidade pelas autoridades da ditadura, realiza clandestinamente seu 28º Congresso no porão da Igreja de São Francisco de Assis, em Belo Horizonte. Mais de 300 delegados de todo o país comparecem, desafiando a proibição e a vigilância da polícia política.
A Polícia Militar não conseguiu impedir a circulação dos delegados, que elegeram o mineiro José Luiz Moreira Guedes, ligado à Ação Popular (AP), para a presidência da entidade. O congresso adotou como linha de ação a denúncia dos acordos MEC-Usaid e a luta pelas liberdades democráticas.
ESTUDANTE PRESA DURANTE REALIZAÇÃO DO 28 CONGRESSO DA UNE
196624 DE AGOSTO
SARGENTO MORRE DE MÃOS AMARRADAS
Depois de preso, brizolista é achado morto em rio com as mãos atadas
O corpo do sargento Manoel Raimundo Soares é encontrado boiando às margens do rio Jacuí, em Porto Alegre. Tem as mãos amarradas e marcas de tortura pelo corpo. Manoel Raimundo era ligado ao ex-governador Leonel Brizola e teve sua prisão decretada logo depois do golpe. Por isso, passou para a clandestinidade.
Preso em Porto Alegre por dois militares à paisana em março de 1966, foi levado ao Dops e em seguida transferido para a ilha-presídio existente no rio Guaíba. Em 13 de agosto, retornou ao Dops. Foi morto sob tortura quando estava sob responsabilidade do Estado.
O Caso das Mãos Amarradas, como ficou conhecido, chocou a opinião pública e deixou evidente a violência contra presos políticos praticada nos porões da ditadura. Pelo menos 379 militantes seriam assassinados por agentes da repressão durante o regime militar.
Depois de preso, brizolista é achado morto em rio com as mãos atadas
O corpo do sargento Manoel Raimundo Soares é encontrado boiando às margens do rio Jacuí, em Porto Alegre. Tem as mãos amarradas e marcas de tortura pelo corpo. Manoel Raimundo era ligado ao ex-governador Leonel Brizola e teve sua prisão decretada logo depois do golpe. Por isso, passou para a clandestinidade.
Preso em Porto Alegre por dois militares à paisana em março de 1966, foi levado ao Dops e em seguida transferido para a ilha-presídio existente no rio Guaíba. Em 13 de agosto, retornou ao Dops. Foi morto sob tortura quando estava sob responsabilidade do Estado.
O Caso das Mãos Amarradas, como ficou conhecido, chocou a opinião pública e deixou evidente a violência contra presos políticos praticada nos porões da ditadura. Pelo menos 379 militantes seriam assassinados por agentes da repressão durante o regime militar.
MANOEL RAIMUNDO SOARES SARGENTO ASSASSINADO PELA REPRESSÃO GAUCHA
1965 27 DE OUTUBRO
Derrotado nas urnas, Castelo edita o AI-2, intervém no STF e impõe bipartidarismo
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Derrotado nas eleições estaduais de 3 de outubro, o general presidente Castelo Branco baixa o segundo Ato Institucional (AI-2), que dissolve os partidos e acaba com as eleições diretas para presidente e governadores. O AI-2 instituiu o bipartidarismo, limitado à Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de apoio ao governo, e ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro), uma debilitada legenda de oposição. O Ato interveio nas atribuições do Poder Judiciário, determinando que civis acusados de crimes políticos passassem a ser julgados pela Justiça Militar.
O AI-2 foi o desdobramento natural do golpe de 1964, consolidando o ataque à democracia e ao Estado de Direito iniciado com a deposição de João Goulart. Sepultou de vez a ilusão de que Castelo Branco devolveria o poder aos civis ao final de seu período na Presidência. Durante três anos, o general presidente governaria em condomínio com a chamada “linha dura”, representada pelos ministros militares e liderada pelo general Arthur da Costa e Silva. A ditadura se impôs numa espiral autoritária que mais tarde se transformaria num regime de terror de Estado.
O pretexto para o novo ato foi a derrota dos candidatos da ditadura em 5 dos 11 Estados que haviam realizado eleições para governador em 3 de outubro: Minas Gerais, a antiga Guanabara, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Norte. Os reveses mais importantes ocorreram na Guanabara e em Minas, onde foram eleitos, respectivamente, Negrão de Lima e Israel Pinheiro, ambos do PSD e amigos pessoais do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Eles venceram candidatos apoiados pelos governadores Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, ambos da União Democrática Nacional (UDN), que se proclamavam “líderes civis” do golpe de 1964.
As principais medidas autoritárias do AI-2:
• Ampliou de 11 para 16 o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, garantindo à ditadura a indicação da maioria da Corte;
• Transferiu para a Justiça Militar os julgamentos de civis acusados de crimes políticos e contra a “segurança nacional”;
• Conferiu ao presidente da República o poder de decretar estado de sítio por até 180 dias sem ouvir o Congresso Nacional;
• Extinguiu os partidos políticos e os substituiu por duas agremiações – Arena e MDB;
• Proibiu eleições diretas para presidente da República, que passaria a ser indicado pela maioria do Congresso, em votação aberta;
• Atribuiu ao presidente da República o poder de cassar mandatos eletivos e suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão;
• Revogou as garantias dos funcionários civis e militares, permitindo que fossem demitidos sumariamente por “atividades incompatíveis com a revolução”;
• Outorgou ao presidente da República o poder de fechar o Congresso Nacional e decretar intervenção federal nos Estados e municípios a qualquer momento;
• Deu ao Executivo o poder de decretar Atos Complementares e decretos-leis sobre qualquer assunto referente à “segurança nacional”.
O AI-2 vigorou até 15 de março de 1967, quando seus princípios autoritários foram incorporados a uma nova Constituição.
1965 11 DE NOVEMBRO
PROTESTO LEVA 'OITO DO GLÓRIA' À PRISÃO
Intelectuais são presos diante de hotel onde Castelo recebia líderes da OEA
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Intelectuais promovem uma manifestação contra a ditadura em frente ao Hotel Glória, no Rio de Janeiro. No local, realizava-se uma conferência da Organização dos Estados Americanos (OEA) com a presença do general presidente Castelo Branco.
Foram presos e levados ao quartel da Polícia do Exército Antônio Callado, Carlos Heitor Cony, Thiago de Mello, Jaime de Azevedo Rodrigues, Flavio Rangel, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Mário Carneiro.
Antonio Callado, ao centro com a faixa, protesta no Hotel Glória
MDB É CRIADO PARA SER FRÁGIL OPOSIÇÃO
Partido reúne políticos do PTB, PSD, PDC, além de comunistas clandestinos
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O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) é fundado como partido de oposição após a edição do Ato Institucional nº 2, que extinguiu os partidos políticos no país e estabeleceu o bipartidarismo. Nasceu como uma legenda moderada, de oposição consentida pela ditadura. O MDB recebeu principalmente políticos do PTB que não haviam sido cassados e figuras do antigo PSD que participaram dos governos de Getúlio Vargas e João Goulart. Entre eles, estavam o ex-primeiro-ministro Tancredo Neves e o ex-ministro Ulysses Guimarães – que havia apoiado o golpe, mas decepcionou-se depois com o regime militar.
Também se filiaram ao partido políticos da democracia-cristã, como o deputado Franco Montoro, da ala esquerda da igreja católica e integrantes do clandestino PCB. O primeiro presidente do partido foi o senador Oscar Passos, do PTB, general reformado e ex-governador do Acre.
O MDB iria se transformar no início da década de 1970 na mais importante força política de resistência à ditadura, depois de uma longa temporada de derrotas nas eleições, provocadas por mudanças na legislação eleitoral, inclusive por atos institucionais, que favoreceriam a Arena, o partido de apoio à ditadura.
Reunião do MDB que decidiu pela abstenção nas eleições indiretas para presidente e governadores
1966 4 DE ABRIL
ARENA NASCE PARA DIZER 'SIM, SENHOR'
UDN e maioria do PSD se unem em legenda subserviente aos militaresCompartilhar
A Aliança Renovadora Nacional (Arena) é fundada para apoiar a ditadura, dentro do sistema bipartidário criado pelo Ato Institucional nº 2. Aderem ao partido praticamente todos os integrantes da antiga UDN, que tinha feito feroz oposição aos governos trabalhistas de Getúlio Vargas e João Goulart, e a maior parte do antigo PSD, partido do ex-presidente Juscelino Kubitschek, além de membros do PSP e de outras agremiações menores.
Quase todos os governadores filiaram-se à Arena, inclusive os que haviam sido eleitos no ano anterior pela oposição, como Israel Pinheiro, oriundo do PSD. A exceção foi o governador da Guanabara, também eleito pelo PSD, Negrão de Lima, que não se filiou a nenhum partido. O primeiro presidente da Arena foi o senador gaúcho Daniel Krieger (UDN).
Pela subserviência aos militares, a legenda ficou conhecida como o “partido do sim, senhor”. Embora unida na obediência ao governo, a Arena era fragmentada nos Estados em diferentes correntes políticas conservadoras devido a rivalidades locais. Para evitar divisões irremediáveis, a ditadura criou as chamadas sublegendas, pelas quais os grupos disputavam as eleições separadamente, concorrendo entre si, mas os votos de todos eram somados e atribuídos à Arena.
1966 MAIO
Herdeiros do CPC sustentam crítica social e chamam a atenção do mundo
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Na produção teatral de 1966, três peças se destacam pelas críticas à realidade política e social brasileira, tornando-se referência na dramaturgia do país. São elas: "O Berço do Herói", de Dias Gomes; "Navalha na Carne", de Plinio Marcos; e "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha.
Inspirada nas experiências do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, vence em maio de 1966 o 4º Festival Mundial de Teatro Universitário em Nancy, na França. Chico Buarque musicou os versos de João Cabral.
Foi a peça de estreia do grupo de Teatro da Universidade Católica (Tuca). Inaugurado em setembro de 1965, o espaço do Tuca, em São Paulo, se tornaria nos anos seguintes um palco de manifestações culturais e políticas contra a ditadura.
Cena de "Navalha na Carne", de Plínio Marcos, com Sergio Mamberti, Rutinéa de Moraes e Paulo Vilaça (da esq. para a dir.)
1966 6 DE JUNHO
PRESTES RECEBE PENA DE 14 ANOS DE PRISÃO
Julgado à revelia, líder comunista vivia clandestino; PCB enfrenta dissidências
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Vivendo na clandestinidade e julgado à revelia, Luís Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), é condenado a 14 anos de prisão. O processo baseou-se em dezenas de cadernetas com anotações sobre atividades do PCB apreendidas no ano anterior pela polícia de São Paulo em uma das casas em que morou.
Durante o ano de 1966, nas discussões preparatórias para o 4° Congresso do PCB, o partido começou a se dividir na avaliação política do golpe militar e da derrota da esquerda no Brasil. Abriram-se dissidências na estrutura do PCB, que iriam gerar organizações como a Ação Libertadora Nacional (ALN), a Corrente, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), todas elas engajadas na luta armada, contrariamente à orientação do partido.
Luís Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, em foto do ano de 1963
1966 24 DE JUNIO
MARINHEIROS VÃO PARA BANCO DOS RÉUS
Estopim da crise militar contra Jango, 283 rebelados são punidos com rigor
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No maior julgamento realizado no país até então, 283 marinheiros e fuzileiros navais acusados de rebelião em março de 1964 são condenados a penas que somam mais de 1.280 anos de prisão. A Revolta dos Marinheiros, que exigiam liberdade de organização e dignidade no serviço, havia sido o estopim da crise militar que levou ao golpe. A anistia concedida aos rebeldes pelo governo Jango fora considerada uma afronta à hierarquia militar.
No julgamento de 1966, a pena maior, de 10 anos e 8 meses, coube a um dos líderes da revolta, José Anselmo dos Santos. O Cabo Anselmo, como ficaria conhecido, alguns anos mais tarde se revelaria um agente da repressão infiltrado na organização Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Marinheiros acompanham o depoimento do almirante Sílvio Mota, ex-ministro da Marinha
1966 28 DE JULIO – 2 DE AGOSTO
DO PORÃO DA IGREJA, UNE DESAFIA O REGIME
Entidade realiza congresso proibido, elege direção e exige democracia
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Perseguida desde o momento do golpe e proibida de atuar no país, a ex-UNE, como era chamada a entidade pelas autoridades da ditadura, realiza clandestinamente seu 28º Congresso no porão da Igreja de São Francisco de Assis, em Belo Horizonte. Mais de 300 delegados de todo o país comparecem, desafiando a proibição e a vigilância da polícia política.
A Polícia Militar não conseguiu impedir a circulação dos delegados, que elegeram o mineiro José Luiz Moreira Guedes, ligado à Ação Popular (AP), para a presidência da entidade. O congresso adotou como linha de ação a denúncia dos acordos MEC-Usaid e a luta pelas liberdades democráticas.
Polícia detém estudante durante a realização do 28º Congresso da UNE
1966 23 DE SETEMBRO
PM COMANDA O MASSACRE DA PRAIA VERMELHA
Policiais invadem Faculdade Nacional de Medicina e agridem centenas de estudantes
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Durante a madrugada, policiais militares derrubam o portão da Faculdade Nacional de Medicina (atual UFRJ), na Praia Vermelha, e invadem o prédio onde estavam cercados desde a véspera cerca de 600 estudantes. Concentrados no terceiro andar, os jovens foram obrigados a atravessar um corredor polonês e espancados indiscriminadamente até a saída da faculdade. Foi o primeiro grande confronto entre forças da repressão e estudantes depois do golpe de 1964 e ficou conhecido como Massacre da Praia Vermelha.
O confronto havia começado na véspera, quando a polícia reprimiu a passeata pelo Dia Nacional de Luta convocado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade considerada ilegal pela ditadura. Em várias capitais, os universitários protestaram contra a cobrança de anuidades nas universidades públicas, o projeto de reforma universitária inspirado pelo governo dos EUA e a ditadura que se institucionalizava no país.
Acuados pela polícia, os estudantes se refugiaram no prédio da Praia Vermelha, que foi cercado pelas tropas. A reitoria e uma comissão de pais tentou negociar com a polícia a saída pacífica dos alunos. Diante do impasse, cerca de 600 manifestantes decidiram passar a noite no local. A tropa invadiu a faculdade às 3h45 da madrugada.
Apesar da repercussão política negativa para a ditadura, o Massacre da Praia Vermelha serviu para intimidar novas manifestações estudantis, que só voltariam a ocorrer em grande escala no ano de 1968.
Policia chega à Praia Vermelha durante invasão da Faculdade de Medicina
1966 3 DE OUTUBRO
COSTA E SILVA É ELEITO PRESIDENTE
Militar "linha dura" é escolhido pelo Congresso sob boicote do MDB
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O general Arthur da Costa e Silva, um dos três membros do Comando Supremo da Revolução, é eleito indiretamente presidente da República, com 294 votos de deputados e senadores e 41 abstenções. Não participaram da votação 136 deputados do MDB, que se retiraram do plenário. Ministro da Guerra (Exército) de Castelo Branco e representante da chamada "linha dura" nas Forças Armadas, Costa e Silva tomaria posse em 15 de março de 1967, tendo como vice o deputado Pedro Aleixo, da Arena, um liberal da extinta UDN.
O segundo general presidente credenciou-se como líder da facção mais extremada da ditadura desde 1º de abril de 1964, quando chegou ao gabinete do Ministério da Guerra e assumiu o comando do Exército, autonomeando-se ministro. Junto com os ministros da Marinha e da Aeronáutica, atuou como fiador do governo Castelo Branco junto às Forças Armadas, que sustentavam de fato o regime.
O breve governo de Costa e Silva seria marcado por uma sucessão de crises políticas, com forte escalada da repressão aos movimentos sociais e o início do enfrentamento entre a ditadura e as organizações revolucionárias. Em dezembro de 1968, ele iria editar o Ato Institucional nº 5, radicalizando o regime ditatorial no país
1966 13–20 DE OUTUBRO
NOVAS CASSAÇÕES ABREM CRISE POLÍTICA
Castelo fecha o Congresso e censura a imprensa; até arenistas se rebelam
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A cassação de seis deputados federais em 13 de outubro provoca a mais grave crise política do governo Castelo Branco. A decisão do presidente da Câmara, Adauto Lúcio Cardoso, de que as cassações deveriam ser submetidas ao plenário em votação secreta, como determinava a Constituição de 1946, e a prisão do deputado Doutel de Andrade, um dos cassados, aumentaram ainda mais a tensão. Parlamentares do MDB iniciaram vigília nas dependências da Casa e chegaram informações de que haveria corte de água, luz e telefone.
Na madrugada do dia 20, Castelo baixou o Ato Complementar nº 23, decretando o recesso do Congresso. Foi também imposta censura à imprensa. Policiais do Exército e da Aeronáutica e fuzileiros navais deslocaram-se em direção à sede do Poder Legislativo, que foi invadida às 5h da manhã. No edifício encontravam-se cerca de 60 deputados e o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade -- o mesmo que em abril de 1964 havia declarado vaga a Presidência da República, abrindo caminho para a deposição de João Goulart.
Radicalizada, a ditadura passava a enfrentar resistência até mesmo de alguns artífices políticos do golpe de 1964. As Forças Armadas ocuparam o Congresso por 32 dias.
Às escuras, Auro de Moura Andrade, de lanterna na mão, e parlamentares saem do Congresso
1966 27 DE OUTUBRO
JANGO, JK E LACERDA CRIAM FRENTE AMPLA
Líderes se articulam e lançam manifesto pela redemocratização
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Lançado por Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek, o manifesto da Frente Ampla marca o início de um processo de articulação de diferentes segmentos da oposição política à ditadura. Juscelino, Lacerda e Jango haviam sido, respectivamente, os principais líderes do Partido Social Democrático (PSD), da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), os três maiores partidos existentes antes de 1964.
Lacerda havia construído sua carreira política combatendo ferozmente os governos de Jango, de Juscelino e do criador do PTB, Getúlio Vargas. Foi um dos principais líderes civis do golpe, mas em 1966 passou a fazer oposição ao regime, convencido de que os militares não permitiriam o retorno dos civis ao poder -- nem mesmo dos conservadores. JK, que havia sido aliado de Jango, distanciara-se dele pouco antes do golpe, que apoiou. Cassado e perseguido sem tréguas pelo regime, partiu para o exílio. Embora exilado no Uruguai, Jango era a principal referência, junto com Leonel Brizola, das forças trabalhistas no Brasil.
Apesar de suas diferenças, os três líderes políticos uniram-se para tentar apressar o fim do regime. Entretanto, devido às suas contradições internas, a Frente Ampla não conseguiria avançar significativamente e acabaria proibida pela ditadura. Sua breve existência serviu para deixar claro que, na nova ordem que os militares e seus aliados estabeleceram, não havia lugar para os líderes políticos anteriores ao golpe, muito menos para a democracia.
Jango e Carlos Lacerda em encontro para discussão da Frente Ampla, com Renato Archer (à esq.)
1967 24 DE JANEIRO
DITADURA IMPÕE A SUA CONSTITUIÇÃO
Arena encena farsa de Constituinte e aprova carta autoritária do regime
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O Congresso Nacional, dominado pela Arena, partido oficial, promulga uma nova Constituição, que incorpora os atos institucionais e complementares do governo militar, com o objetivo de dar base legal ao regime. Era a institucionalização da ditadura.
A Constituição de 1967 concentrou no Executivo o poder de legislar sobre matérias de orçamento e segurança, reduziu a autonomia política dos Estados e municípios e confirmou o sistema de eleições indiretas para presidente e governadores. O texto restringiu os direitos de greve e de organização dos trabalhadores, instituiu a pena de morte para crimes contra a segurança nacional, ampliou os poderes da Justiça Militar e deu base jurídica para a censura à imprensa e às manifestações artísticas.
A Constituição da ditadura foi redigida pelo ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva, com ajuda de Francisco Campos, autor da Constituição do Estado Novo, em 1937. O texto foi enviado ao Congresso Nacional para ser ratificado. Como o Parlamento não havia sido eleito para votar uma Constituição, a ditadura editou, em dezembro de 1966, o Ato Institucional nº 4, que transformou o Legislativo em Assembleia Constituinte, com poderes para aprovar o texto durante o recesso. Até mesmo parlamentares da Arena reagiram a essa violência jurídica. O MDB, partido de oposição consentida, retirou-se do plenário no dia da promulgação.
Plenário do Congresso Nacional na promulgação da nova Constituição
1967 9 DE FEVEREIRO
NOVA LEI CRIMINALIZA A LIVRE EXPRESSÃO
Lei de Imprensa determina censura prévia de jornais e espetáculos
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É promulgada a nova Lei de Imprensa, que estabelece a censura prévia de espetáculos, cinema, rádio e televisão, além de agravar as penas de jornalistas condenados por suposta ofensa às autoridades. O documento passou a considerar criminosa qualquer publicação que faça “propaganda de processos para subversão da ordem política e social”, com pena prevista de 1 a 4 anos de prisão. Proibiu, ainda, a circulação de livros, jornais e de outras publicações que “atentem contra a moral e os bons costumes”. As restrições se estendiam a títulos estrangeiros.
A partir da entrada em vigor da nova lei, os filmes nos cinemas e os programas a serem exibidos na televisão deveriam apresentar na tela, antes do início, uma autorização rubricada pelos censores de plantão. Entre outras medidas, no caso de decretação de estado de sítio, o governo poderia enviar agentes às redações de jornais e revistas e às emissoras de rádio e televisão para fazer a censura prévia do noticiário.
Jornalistas protestam contra a Lei de Imprensa no Teatro Paramount, em São Paulo
1967 13 DE MARÇO
LEI DE SEGURANÇA TRAZ MEDO AO PAÍS
Nova LSN cria arcabouço da repressão e submete cidadão a tribunais militares
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Com base na Constituição autoritária de janeiro, Castelo Branco decreta a Lei de Segurança Nacional (LSN), que será o arcabouço jurídico da repressão ao longo da ditadura. A nova LSN torna toda pessoa “natural ou jurídica” responsável pela segurança nacional, submetendo o país à Justiça Militar. A LSN incorpora o princípio da “guerra psicológica adversa” para enquadrar como crime manifestações, publicações, organizações e atos individuais que contrariem o regime. Define também a “guerra revolucionária” inspirada em “ideologia do exterior”.
Podiam ser enquadrados como atos de “propaganda subversiva”:
"I - a publicação ou divulgação de notícias ou declaração;
II - a distribuição de jornal, boletim ou panfleto;
III - o aliciamento de pessoas nos locais de trabalho ou de ensino;
IV - comício, reunião pública, desfile ou passeata;
V - a greve proibida;
VI - a injúria, calúnia ou difamação, quando o ofendido for órgão ou entidade que exerça autoridade pública, ou funcionário em razão de suas atribuições."
Castelo Branco passa tropa em revista; LSN submete cidadãos à Justiça Militar
1967 15 DE MARÇO
COSTA E SILVA ASSUME A CHEFIA DA DITADURA
General acena com democracia, mas vai radicalizar o autoritarismo
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O general Arthur da Costa e Silva, ministro do Exército e membro do Comando Supremo da Revolução, toma posse como segundo presidente da ditadura. Expoente da chamada linha dura, Costa e Silva exonerou-se do cargo de ministro para disputar as eleições indiretas no Congresso, sem adversários. Teve como vice o deputado Pedro Aleixo, da Arena, um liberal oriundo da UDN de Minas.
Da mesma forma que o antecessor, Castelo Branco, o segundo general presidente acena com um governo democrático – e da mesma forma será impermeável a contestações. Em seu governo, marcado pela confrontação das ruas ao regime, o país vai mergulhar ainda mais na espiral autoritária, que terá seu auge com a edição do Ato Institucional n°5 (AI-5), em dezembro de 1968.
O general Costa e Silva (ao centro) chega para a cerimônia de posse na Presidência da República
1967 3 DE ABRIL
FRÁGIL, GUERRILHA DO MNR CAI EM CAPARAÓ
Núcleo guerrilheiro ligado a Brizola é capturado no interior de Minas
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Com a colaboração do Exército e da Aeronáutica, o 11º Batalhão de Infantaria da Polícia Militar de Minas Gerais desbarata uma coluna guerrilheira na Serra do Caparaó, na divisa entre Minas e Espírito Santo. Organizado pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), com apoio do ex-governador Leonel Brizola, o embrião de guerrilha era formado por militares cassados, em sua maioria sargentos e marinheiros que haviam participado de movimentos reivindicatórios antes de 1964.
Pouco numerosos, mal armados, mal treinados e famintos, os guerrilheiros foram presos sem resistência. Foi a segunda e última tentativa de resistência armada sob comando de Leonel Brizola.
Guerrilheiros presos na Serra de Caparaó. Última tentativa sob oi com
1967 2 DE MAIO
MILITARES ENTRAM NA REPRESSÃO POLÍTICA
Inteligência militar faz combate direto – e sujo – a grupos de oposição
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É criado o Centro de Informações do Exército (CIE), que seria um dos maiores responsáveis pela repressão, tortura e assassinatos de membros de organizações de esquerda no Brasil. Ligado diretamente ao gabinete do Ministério do Exército, o CIE colaborou para a implantação de centros de tortura em dependências militares e em aparelhos clandestinos de repressão, como a Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), a “boate” de Itapevi e a Fazenda 31 de Março, ambas em São Paulo.
Em todos esses locais eram correntes a prática de torturas, execuções e desaparecimentos de adversários políticos do regime. Pouco tempo depois do CIE, foi criado o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), com os mesmos objetivos. A Marinha tinha o seu Centro de Informações (Cenimar) desde 1957. Nos primeiros anos da ditadura, o Cenimar já atuava na repressão, em parceria com o delegado Sergio Paranhos Fleury, do Dops de São Paulo. Os três centros militares de informações competiam entre si na caçada aos oposicionistas e na brutalidade dos métodos.
A Casa da Morte, centro clandestino de repressão montado pelo CIE em Petropólis (RJ)
PRÁ FRENTE BRASIL - DE ROBERTO FARIAS
1967 MAIO
'QUARUP' DESVENDA UM BRASIL PROFUNDO
Livro de Antônio Callado mostra o país dos índios e dos camponeses
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No romance "Quarup", Antônio Callado traça um painel social e político do Brasil desde o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, até o primeiro ano da ditadura militar. O romance é um testemunho dos enfrentamentos sociais no país, antes e imediatamente depois do golpe, na perspectiva de Nando, um padre em conflito com suas obrigações religiosas. O convívio com os índios do rio Xingu e a paixão por uma jovem militante dos movimentos do campo conduzem Nando ao engajamento político, às vésperas do golpe.
O livro percorre o Brasil profundo dos camponeses e indígenas, numa trama que aborda a política institucional, os partidos de esquerda, as ligas camponesas e os sindicatos de trabalhadores rurais. Também denuncia as torturas. Publicado no momento em que muitos jovens se engajavam em organizações revolucionárias, "Quarup" é um livro que marcou aquela geração de brasileiros.
JORNALISTA ANTONIO CALLADO AUTOR DE QUARUP
CAPA DO LIVRO
1967 18 DE JULHO
CASTELO MORRE EM ACIDENTE DE AVIÃO
Bimotor choca-se com caça da FAB; episódio gera suspeitas de atentado
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Quatro meses depois de deixar a Presidência da República, o general Castelo Branco morre num acidente aéreo próximo a Fortaleza. Um caça Lockhead da FAB atingiu a cauda do bimotor Piper Aztec em que o ex-presidente viajava, derrubando-o ao solo. Dos seis ocupantes do bimotor, apenas o copiloto sobreviveu à queda. O caça voltou à base e pousou em segurança. Castelo retornava de uma visita à escritora Rachel de Queiroz, numa fazenda em Quixadá (CE).
A investigação oficial isentou a tripulação da FAB de responsabilidade, mas as circunstâncias do acidente – numa manhã de sol com ótima visibilidade – alimentaram desconfianças de que o primeiro general presidente teria sido vítima de um atentado.
Ataúde de Castelo Branco é levado em caminhão do Exército ao Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro
1967 10 DE AGOSTO
UNE MOSTRA A CARA E DESAFIA O REGIME
Novo congresso clandestino termina em comício-relâmpago na praça da Sé
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É realizado na clandestinidade o 29º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Valinhos, interior de São Paulo. Luís Travassos é eleito presidente da entidade. O encontro foi encerrado com um comício-relâmpago na praça da Sé, no centro da capital paulista.
Em breve discurso, Travassos disse que os universitários estavam de parabéns: tinham conseguido eleger a nova diretoria da UNE, discutir com os estudantes brasileiros a Carta Política da entidade e realizar um ato público de encerramento do congresso. O comício na Sé foi um desafio da UNE à sua proibição pela ditadura.
Luís Travassos (à dir.) discursa no comício-relâmpago de encerramento do Congresso da UNE, na Praça da Sé, São Paulo
1967 8 DE OUTUBRO
EXÉRCITO DA BOLÍVIA MATA CHE GUEVARA
Cercado na selva e executado, guerrilheiro heroico torna-se ícone
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Soldados do Exército boliviano, em ação conjunta com agentes da CIA, emboscam e capturam na Quebrada do Yuro, no altiplano boliviano, o revolucionário argentino Ernesto Che Guevara. Ele foi levado em seguida ao povoado de La Higuera, onde seria assassinado por ordem direta do presidente Renê Barrientos.
Mais conhecido líder da revolução cubana depois de Fidel Castro, Guevara decidiu deixar o governo da ilha em 1965 para disseminar guerrilhas revolucionárias em países do Terceiro Mundo. Dirigiu-se com um grupo de cubanos ao Congo, na África, mas a tentativa de implantação do foco guerrilheiro terminou em completo fracasso. Com um conjunto muito reduzido, voltou-se então para a Bolívia, onde esperava receber apoio do Partido Comunista local, o que jamais ocorreu. A coluna terminou isolada entre indígenas, cujo idioma os guerrilheiros desconheciam.
As circunstâncias da morte consolidaram a imagem heroica de Che Guevara, que se tornou o maior símbolo revolucionário da América Latina, reverenciado em todo o mundo. Seu assassinato reforçou o sentimento antiamericano e fez crescer a atração que Cuba já exercia sobre muitos jovens do continente. No Brasil, Gilberto Gil e Carlos Capinam compuseram, em sua homenagem, a canção "Soy Loco por Ti, América", que se tornou um grande sucesso cantada por Caetano Veloso.
O mito do guerrilheiro heroico impulsionou a formação de grupos revolucionários em diversos países. A base teórica de muitos deles foi o livro "Revolução na Revolução", do jornalista francês Regis Debray, que acompanhou Che na Bolívia. Utilizando conceitos simplistas, que não consideravam as diferenças reais entre a ilha de Cuba nos anos 1950 e os demais países latino-americanos, o livro de Debray estimulou aventuras revolucionárias que terminaram em fracasso.
O corpo de Che Guevara é exposto para jornalistas em Vallegrande, na Bolívia
1967 DEZEMBRO
PCB FECHA QUESTÃO CONTRA LUTA ARMADA
Dirigentes comunistas rejeitam guerrilha e expulsam dissidentes
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Na clandestinidade, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) realiza em São Paulo seu 6° Congresso, que define como linha política lutar pela criação de uma frente com todas as forças políticas favoráveis à volta ao regime democrático. Nas suas resoluções, o congresso condena radicalmente as ações armadas.
Durante e depois das discussões, numerosos militantes e dirigentes históricos deixaram o partido, entre eles Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, Mário Alves, Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho. Eles formariam organizações que combateram a ditadura com armas na mão, como a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
1968 12 DE MARÇO
TEATROS FAZEM GREVE CONTRA A CENSURA
Artistas protestam e suspendem espetáculos por três dias no Rio e SP
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Profissionais de teatro e cinema, escritores, arquitetos e artistas plásticos concentram-se com faixas e cartazes nas escadarias do Teatro Municipal do Rio de Janeiro em protesto contra a censura imposta pelo governo. A classe teatral entrou em greve de 72 horas no Rio e em São Paulo. O público reagiu favoravelmente, assinando as listas de solidariedade que circularam durante a concentração
1968 28 DE MARÇO
'MATARAM UM ESTUDANTE. PODIA SER SEU FILHO'
Assassinato de Edson Luís pela PM do Rio detona onda nacional de protestos
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Um tenente da Polícia Militar mata com um tiro o estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, de 17 anos. O crime foi cometido durante invasão policial ao restaurante estudantil Calabouço, no Rio, onde estudantes protestavam contra a má qualidade da comida. Outros seis jovens foram baleados. A violência policial desencadeou uma onda nacional de atos contra a ditadura, que contaram com forte apoio da classe média. O enterro de Edson Luís marcou o início da ascensão do movimento estudantil no país, que iria culminar na Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho.
Em 28 de março, por volta das 18h, a PM dispersou uma manifestação que pretendia alcançar o prédio da Assembleia Legislativa. Os estudantes se abrigaram dentro do restaurante. Às 18h30, o tenente Aloísio Raposo comandou a invasão. Deu ordens para “quebrar tudo” e atirou à queima-roupa no peito de Edson Luís. Os jovens reagiram com paus e pedras, fazendo a polícia recuar. Para impedir que a PM desaparecesse com o corpo no Instituto Médico Legal, os estudantes o carregaram nos braços até a Assembleia, onde dois médicos realizaram a autopsia. Coberto com a bandeira do Brasil e com cartazes de protesto, o corpo de Edson Luís foi velado no saguão do prédio.
No fim da tarde de 29 de março, cerca de 50 mil pessoas acompanharam o cortejo fúnebre até o cemitério em Botafogo, onde Edson Luís foi enterrado ao som do Hino Nacional e aos brados de “Mataram um estudante. Podia ser seu filho”. Naquele dia, houve manifestações de protesto contra a ditadura e greve geral de estudantes em todo o país.
O Rio praticamente parou no dia do sepultamento. Os espetáculos de teatro foram suspensos em solidariedade por parte dos artistas. Numa alusão à violência, os letreiros da Cinelândia exibiam os títulos de três filmes: “A Noite dos Generais”, “À Queima-Roupa” e “Coração de Luto”. Cartazes e pichações continham frases como “Os velhos no poder, os jovens no caixão”, “Bala mata fome?” e “Abaixo a ditadura”.
A mobilização e os protestos continuaram ao longo da semana. Na manhã de 4 de abril foi celebrada missa de sétimo dia por Edson Luís na Candelária. Na saída da igreja, as pessoas foram cercadas e atacadas a golpes de sabre pela cavalaria da Polícia Militar. O governo proibiu a celebração de outra missa, à noite, mas a determinação foi ignorada pelo vigário-geral do Rio, dom Castro Pinto. Um cordão de religiosos se postou à entrada da igreja, para evitar novo massacre, mas as 600 pessoas que deixaram a Candelária foram perseguidas pelas ruas e atacadas pela PM e por tropas do Exército e da Marinha.
Edson Luís, que era filho de uma família humilde de Belém do Pará, trabalhava para custear os estudos no Rio quando foi vítima da violência policial. Tornou-se um símbolo do movimento estudantil e da luta pela democracia no país. Em sua memória e de seus companheiros de luta, foram compostas pelo menos duas belas canções: "Calabouço", de Sérgio Ricardo, e "Menino", de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos.
Corpo de Edson Luís é velado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
1968 5 DE ABRIL
GOVERNO PÕE FRENTE AMPLA FORA DA LEI
Articulação de JK, Jango e Lacerda é proibida por uma simples portaria
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O general presidente Costa e Silva expede a Portaria nº 177, restringindo atividades da Frente Ampla em todo o território nacional. O deputado Mario Covas, líder do MDB na Câmara, afirma que a medida é “um ato de violência que fere a própria legalidade instituída pela Revolução de 1964 e inicia a escalada para a ditadura franca”. A portaria também mandava apreender todas as publicações que divulgassem atividades da Frente Ampla ou pronunciamentos de políticos cassados.
Era o fim da articulação que reunia os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart e o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda, um dos principais líderes civis do golpe de 1964.
Manchete do "Jornal do Brasil" de 1968 anuncia a proibição à Frente Ampla e relata a reação do MDB
1968 16 DE ABRIL
GREVE DE CONTAGEM FURA O ARROCHO SALARIAL
Operários desafiam a lei antigreves e forçam primeiro reajuste salarial da ditadura
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Cerca de 1.200 trabalhadores da siderúrgica Belgo-Mineira, em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, cruzam os braços reivindicando reajuste salarial de 25%. A primeira greve depois do golpe militar surpreendeu a ditadura, que desde 1964 impunha uma política de arrocho responsável por corroer mais de 20% do valor médio dos salários.
A greve foi articulada pela diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos eleita no ano anterior e impedida de tomar posse, acusada de ter “elementos de esquerda” infiltrados. Com o sindicato sob intervenção do Ministério do Trabalho, nem os patrões nem o governo esperavam a eclosão de uma greve, que desafiava a legislação restritiva da ditadura.
As empresas ofereceram um reajuste de 10%, recusado em assembleia. No terceiro dia, a greve da Belgo ganhou a adesão dos trabalhadores da Mannesmann, da RCA, da SBE e de outras indústrias da região, ampliando-se depois para a fábrica da Belgo em João Monlevade e para a Acesita, no Vale do Aço.
O coronel Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho, foi pessoalmente a uma assembleia intimidar os grevistas. Repetiu as ameaças em rede de televisão. Em 24 de abril, 1.500 policiais militares tomaram a região industrial de Contagem. PMs foram buscar em casa os operários, ameaçados de demissão sumária.
O movimento terminou no décimo-primeiro dia, 26 de abril, com uma aparente derrota dos grevistas. Mas em 1º de maio o general presidente Costa e Silva foi obrigado a anunciar um aumento de 10% nos salários de todos os trabalhadores brasileiros, furando pela primeira vez a política de arrocho.
A greve foi, portanto, vitoriosa, mas, depois do seu fim iniciou-se uma implacável perseguição aos membros das comissões de fábrica, com demissões, listas negras e prisões. Isso desarticulou por longo tempo o movimento operário na região.
ASSEMBLEIA
1968 1º DE MAIO
NA PRAÇA DA SÉ, O DIA É DO TRABALHADOR
Sindicalistas e militantes de esquerda tomam palanque oficial do 1º de Maio
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A chegada do governador Abreu Sodré à comemoração oficial do Dia do Trabalho foi o estopim para a vaia da multidão, calculada em 20 mil pessoas, reunida na praça da Sé, em São Paulo. Sodré pega o microfone e afirma que a manifestação é uma “prova evidente de que em nosso Estado a democracia respira”.
Estudantes e operários reagiram e responderam com palavras de ordem, usando megafones. Jogaram ovos e pedaços de pau contra o palanque das autoridades. O governador foi atingido por uma pedra.
Organizações clandestinas como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Ação Libertadora Nacional (ALN) e a Ação Popular (AP), entre outras, participaram ativamente do protesto, que culminaria com a tomada e a queima do palanque montado em frente à Catedral da Sé. Após o conflito, uma passeata saiu da praça e percorreu as principais ruas do centro da cidade.
Sobre o palanque tomado das autoridades, militantes de esquerda e sindicalistas dirigem a manifestação
1968 21 DE JUNHO
28 PESSOAS MORREM NA SEXTA-FEIRA SANGRENTA
Com apoio da população, estudantes enfrentam cavalaria da PM no centro do Rio
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Uma semana que começou com a prisão do líder estudantil Jean Marc von der Weid termina no maior enfrentamento entre policiais, estudantes e população no centro do Rio, que resultaria em 28 mortes. No dia 18, Jean Marc havia sido preso com outros estudantes ao final de uma passeata. No dia seguinte, novo ato foi reprimido com violência pela polícia.
Em 20 de junho, centenas de estudantes se reuniram no Teatro de Arena da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e obrigaram o reitor e o Conselho Universitário a debater com eles a situação do ensino superior. Ao saírem de lá, os jovens são violentamente reprimidos com golpes de cassetete e tiros. Mais de 300 foram presos e levados ao campo do Botafogo, onde sofreram espancamentos e humilhações.
Na manhã do dia 21, sexta-feira, nova passeata em protesto contra a repressão paralisa o centro do Rio. Os estudantes reagem às investidas da polícia, enfrentando a cavalaria com rolhas e bolas de gude, que fazem os cavalos tombar. A população apoiou os jovens e também atacou a polícia com pedras. Do alto dos prédios, objetos foram atirados sobre os soldados. A policia reagiu com tiros. Bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas de helicópteros. Durante o fim da manhã e toda a tarde, o conflito se espalhou por uma extensa área do centro.
A batalha durou até o início da noite, deixando mortos 27 civis e um policial, atingido por um balde de cimento jogado de um edifício em construção. Restaram ainda centenas de feridos, mais de mil presos e 15 viaturas incendiadas na Sexta-Feira Sangrenta.
Estudantes presos no campo do Botafogo, na véspera da Sexta-Feira Sangrenta
1968 26 DE JUNHO
PASSEATA DOS CEM MIL AFRONTA A DITADURA
Maior manifestação de rua desde 1964 marca o auge da resistência democrática
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Na manhã do dia 26, estudantes, artistas, religiosos e intelectuais se concentram nas ruas do centro do Rio de Janeiro. Às 14h, iniciam uma passeata com cerca de 50 mil pessoas. Uma hora depois esse número já havia dobrado e os manifestantes ocupam toda a avenida Rio Branco. O ato, que ficaria conhecido como a Passeata dos Cem Mil, foi a maior manifestação de protesto desde o golpe de 1964.
Dias antes, a manifestação fora marcada e imediatamente proibida pela ditadura, que avisou que reprimiria duramente qualquer tentativa dos estudantes de saírem às ruas. Mas os jovens não se intimidaram e confirmaram a passeata. Diante da iminência de um banho de sangue, o regime militar foi obrigado a recuar.
Os manifestantes caminharam pelas ruas do centro do Rio, gritando slogans como “Abaixo a ditadura”, “O povo organizado derruba a ditadura”, “Só povo armado derruba a ditadura”, Libertem nossos presos” e “Abaixo o MEC-Usaid”. Diante das lojas fechadas, os estudantes pediam: “Abram suas portas; quem quebra é a polícia”. Os comerciantes, ao atender aos apelos, eram saudados com aplausos.
Durante a marcha, foi eleita uma comissão de representantes da sociedade civil, que seria recebida pelo general Costa e Silva dias depois. No encontro, o grupo pediu a libertação de estudantes presos, mais verbas para as universidades e mais vagas, o fim da censura e a reabertura do restaurante Calabouço. Nenhuma das reivindicações foi aceita. Por isso, na semana seguinte 60 mil estudantes voltariam a realizar uma passeata no centro do Rio, mas o auge do movimento já havia passado.
A Passeata dos Cem Mil marcou o ápice da reação da sociedade contra o regime, a censura, a violência e a repressão às liberdades. Mais uma vez, a ditadura iria reagir endurecendo o regime, como se veria no final de 1968.
De braços dados, Chico Buarque, Renato Borghi, Zé Celso Martinez Corrêa, Caetano Veloso, Nana Caymmi e Gilberto Gil, entre outros, participam da passeata
1968 JUNHO
CAPITÃO HERÓI EVITA BANHO DE SANGUE
Sérgio Macaco impede brigadeiro de explodir gasômetro e culpar oposição
No momento em que chega ao auge o movimento pelo retorno à democracia – com a Passeata dos Cem Mil e manifestações contra a ditadura em todo o país –, um grupo de oficiais da Aeronáutica trama um plano para assassinar os líderes da oposição e lançar o país no mais completo terror.
Liderados pelo brigadeiro João Paulo Burnier, comandante da 3ª Zona Aérea, os militares pretendiam sequestrar e jogar ao mar políticos, líderes estudantis, militantes de esquerda e personalidades da oposição. Ao mesmo tempo, planejavam detonar bombas em instalações das Forças Armadas e prédios do governo. Coroando a ofensiva, o plano previa a explosão do Gasômetro do Rio, produzindo um grande número de vítimas. Os atentados seriam atribuídos a organizações de esquerda, para justificar uma nova onda repressiva.
Para realizar a ação terrorista, Burnier tencionava utilizar oficiais do Para-Sar, grupo de elite da Aeronáutica especializado em busca e salvamento. O plano enfrentou a resistência corajosa de sete sargentos e dois capitães do esquadrão, entre eles o líder do grupo, capitão Sérgio Miranda de Carvalho, conhecido como Sérgio Macaco. Os sete rebeldes foram presos e punidos, mas Sérgio Macaco conseguiu denunciar a trama de Burnier a outros oficiais superiores, incluindo o brigadeiro Eduardo Gomes, considerado o patrono da Aeronáutica.
O plano acabaria sendo abortado depois de vazar para o jornal "Correio da Manhã" e ser denunciado da tribuna da Câmara pelo deputado Maurílio Ferreira Lima (MDB-PE).
O capitão Sérgio Macaco seria cassado pelo AI-5 e afastado da Aeronáutica, sem direito a receber o soldo. Em 1986, foi eleito suplente de deputado na Assembleia Constituinte pelo PDT do Rio. Em 1992, uma decisão do STF determinou sua reintegração à reserva com o posto de brigadeiro, mas a decisão não foi cumprida pelo ministro Lélio Lobo. Ele transferiu a responsabilidade para o presidente Itamar Franco, que protelou a decisão. O capitão Sérgio morreu de câncer, em 1994, sem ver seu direito efetivado.
CAPITÃO SERGIO MIRANDA, O SÉRGIO MACACO
Complexo do Gasômetro do Rio de Janeiro, atualmente desativado
1968 16 DE JULHO
EXÉRCITO REPRIME A GREVE DE OSASCO
Mais de 400 são presos; movimento sindical fica enfraquecido por dez anos
Às 9h da manhã do dia 16, um toque de sirene na Cobrasma, metalúrgica com 3 mil trabalhadores em Osasco, na Grande São Paulo, anuncia a ocupação da fábrica. Era o início de uma greve em que tropas do Exército entrariam em confronto direto com os trabalhadores.
Os grevistas exigiam 35% de aumento salarial, contrato coletivo de dois anos e reajustes salariais trimestrais. O movimento foi liderado pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, José Ibrahim, um jovem de apenas 20 anos ligado à organização clandestina Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
A paralisação durou três dias e atingiu 6 das 11 principais fábricas da região. Embora tenham resistido ao cerco das tropas do Exército durante todo o dia, os operários da Cobrasma acabaram sendo desalojados na madrugada. Mais de 400 foram presos. A greve terminou sem que nenhuma das reivindicações fosse atendida. O sindicato foi invadido e posto sob intervenção.
Foi a última grande greve de trabalhadores de 1968. Somente dez anos depois, em 1978, com a paralisação da Scania, em São Bernardo do Campo (SP), o movimento operário voltaria a realizar mobilizações expressivas.
1968 2 DE AGOSTO
PRESO O LÍDER DA PASSEATA DOS 100 MIL
Protestos contra prisão de Vladimir Palmeira são reprimidos com violência
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O presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME), Vladimir Palmeira, é preso em Copacabana, no Rio, e levado para a 13ª Delegacia de Polícia. Foi transferido em seguida para o Dops, onde permaneceu incomunicável. Mais de mil estudantes saíram às ruas do bairro para protestar contra a prisão de Palmeira. A PM espancou e dispersou os manifestantes. Pelo menos 15 estudantes foram presos e levados para a Polícia Central.
Foi a segunda prisão de Vladimir Palmeira, que na época era ligado à dissidência do PCB da Guanabara. Ele tornou-se o mais importante líder estudantil do Rio e um dos principais organizadores da Passeata dos Cem Mil.
O líder estudantil Franklin Martins discursa no comício relâmpago em protesto pela prisão de Vladimir Palmeira
Kaíder estudantil Franklin Martins discursa no comício relâmpago em protesto pela prisão de Vladimir Palmeira
1968 29 DE AGOSTO
UNB SOFRE INVASÃO PELA TERCEIRA VEZ
500 detidos na mais violenta das ocupações da universidade
Cerca de 3 mil estudantes reúnem-se na Universidade de Brasília (UnB) para protestar contra a ordem de prisão de sete colegas, entre eles Honestino Guimarães, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Policiais militares, agentes do Dops e soldados do Exército detiveram mais de 500 manifestantes numa quadra de basquete. Um estudante foi baleado na cabeça e 60 pessoas presas.
Honestino Guimarães também foi levado para a prisão. Libertado um mês depois, entrou para a clandestinidade. Militante da Ação Popular Marxista Leninista (APML), foi capturado e morto em 1973. Oficialmente, é um “desaparecido” – até hoje seu corpo não foi encontrado.
Laboratório da UnB depredado na invasão pelas forças policiais
K
1968 2 DE SETEMBRO
REGIME USA DISCURSO PARA BAIXAR O AI-5
Contra torturas, Márcio Moreira Alves pede boicote ao Sete de Setembro
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O deputado Márcio Moreira Alves, do MDB da Guanabara, jornalista e autor do livro “Torturas e Torturados”, faz mais um discurso denunciando os abusos praticados pelos órgãos de segurança. Pede que os pais não permitam que os filhos desfilem no Sete de Setembro ao lado de militares “carrascos” e que as moças não dancem com cadetes no baile da Independência.
O discurso teve pouca repercussão, mas os ministros militares o consideraram uma ofensa às Forças Armadas. No dia 12 de setembro, o procurador-geral da República, Décio Miranda, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a cassação do mandato do deputado, por “uso abusivo do direito de livre manifestação e pensamento e injúria e difamação das Forças Armadas”.
Para abrir o processo contra Márcio, o STF teve de pedir licença à Câmara dos Deputados, conforme determinava a Constituição. A resistência da maioria dos parlamentares, incluindo boa parte da bancada da Arena, abriu uma crise política. A licença para o processo de cassação seria negada pelo plenário em 12 de dezembro, servindo de pretexto ao fechamento do Congresso e à edição do Ato Institucional n° 5 (AI-5) no dia seguinte.
Márcio Moreira Alves propõe em discurso que as moças não dancem com cadetes e nem namorem jovens oficiais
Discurso de Márcio Moreira Alves na Câmara dos Deputado
Alunos do Mackenzie, apoiados pelo CCC, atacam a USP; secundarista morre baleado
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Estudantes da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) entram em confronto na rua Maria Antônia, centro paulistano. O choque teve início por conta de um pedágio cobrado pelos alunos da USP para levantar fundos para o 30° Congresso da UNE. Os estudantes do Mackenzie contavam com apoio do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
A rua Maria Antônia transformou-se numa verdadeira zona de guerra: a fachada do prédio da USP destruída, com janelas quebradas, sem contar os vários focos de incêndio e dezenas de feridos. Um secundarista, José Guimarães, morreu, atingido por um tiro na cabeça.
O líder estudantil José Dirceu discursa segurando a camisa ensanguentada de José Guimarães, secundarista morto no confronto na Maria Antonia
1968 12 DE OUTUBRO
QUEDA DE IBIÚNA: A UNE VAI PARA A CADEIA
Mais de 900 estudantes são presos no congresso clandestino da entidade
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Durante a realização do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, interior de São Paulo, mais de 900 estudantes são presos, entre eles as principais lideranças estudantis do país. Luís Travassos (UNE), Vladimir Palmeira e Franklin Martins (União Metropolitana dos Estudantes) e José Dirceu (União Estadual dos Estudantes), entre outros, foram levados diretamente para o Dops – os demais, recolhidos ao Presídio Tiradentes.
Segundo os jornais da época, atuaram na repressão 250 soldados da Força Pública, atual Polícia Militar, apoiados por 80 agentes do Dops. A segurança do congresso era precária e a polícia não teve dificuldade em localizar e cercar os participantes. A chamada Queda de Ibiúna quebrou a espinha dorsal do movimento estudantil e permitiu às forças de segurança fichar centenas de estudantes, que mais tarde seriam identificados e perseguidos como membros de diversas organizações de esquerda.
Prisão de estudantes durante o 30° Congresso da UNE, em Ibiúna (SP)
1968 21 DE NOVEMBRO
APERTA-SE O CERCO AO CINEMA E TEATRO
Nova lei de censura veta 'luta de classes' nas telas e palcos do país
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O general presidente Costa e Silva sanciona a Lei nº 5.536, que determina novas regras de censura para obras teatrais e cinematográficas. Criada pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, a nova lei regulamenta a censura classificatória por idade e a proibição de espetáculos que atentem "contra a segurança nacional", que incentivem "a luta de classes" e que prejudiquem "a cordialidade das relações com outros povos".
A classificação e a proibição de filmes e peças passou a ser responsabilidade do Serviço de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal. A nova lei instituiu ainda o Conselho Superior de Censura, com membros indicados pelo ministro da Justiça, que analisaria recursos contra decisões do Serviço de Censura. Na prática, esse conselho só iria funcionar nos anos finais da ditadura, quando foi recriado no governo do general presidente João Baptista Figueiredo.
Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, autor da nova lei de censura
1968 02–07 DE DEZEMBRO
CCC VOLTA A EXPLODIR BOMBA EM TEATRO
Impune, organização de direita faz também atentado contra jornal
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O Teatro Opinião, no Rio, onde estava sendo encenado o espetáculo "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré, tem sua bilheteria destruída por uma bomba. O atentado é atribuído ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC), organização paramilitar de direita que atuava desde antes do golpe militar. Nesse ano, o grupo já havia feito outros ataques a teatros, como o Galpão, em São Paulo, e o Maison de France, também no Rio.
Cinco dias mais tarde, mais uma bomba explodiria no Rio de Janeiro, dessa vez na redação do jornal "Correio da Manhã". Contando com a cumplicidade dos órgãos de segurança, o CCC continuava a agir impunemente.
Bilheteria do Teatro Opinião, no Rio, destruída por explosão de bomba
1968 12 DE DEZEMBRO
CÂMARA FAZ ÚLTIMO ATO DE RESISTÊNCIA
Deputados negam ao governo licença para processar Márcio Moreira Alves
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A Câmara dos Deputados nega licença para que o governo processe Márcio Moreira Alves no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo discurso proferido em 2 de setembro. Naquela ocasião, o parlamentar denunciou torturas e pregou boicote às festas militares da Independência.
Moreira Alves defendeu-se na tribuna. O líder do MDB, Mário Covas, fez um forte pronunciamento pela autonomia do Legislativo, atacando a ditadura. A maioria dos deputados votou contra a licença, incluindo membros importantes da Arena, o partido oficial. O placar é de 216 votos contra 141.
Passou à história do Parlamento brasileiro a reação do presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado arenista Djalma Marinho. Recusando-se a acatar a ordem do governo, citou o poeta espanhol Calderón de la Barca: “Ao rei, tudo; menos a honra”.
Foi o último gesto de resistência do Poder Legislativo à ditadura. A partir do dia seguinte, com a edição do Ato Institucional n°5, o AI-5, o Congresso Nacional ficaria fechado por mais de um ano.
Deputados comemoram no plenário a negativa de licença para processar Márcio Moreira Alves
1968 13 DE DEZEMBRO
AI-5 CONFERE PODER TOTAL AOS MILITARES
Cai a máscara da ditadura: Congresso fechado, STF acuado, fim do habeas corpus
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Na noite de 13 de dezembro, o ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, anuncia ao país em rede de rádio e TV o Ato Institucional nº 5 – uma lista de 12 artigos brutais que liquidava de vez com os resquícios do Estado de Direito e das liberdades democráticas no país. A partir daquela noite, o general presidente Arthur da Costa e Silva passava a ter poderes para fechar o Congresso – o que fez imediatamente –, as Assembleias e as Câmaras Municipais, de intervir nos governos estaduais e prefeituras e de afastar ministros do Supremo Tribunal Federal – o que viria a fazer nas semanas seguintes.
O general presidente podia cassar mandatos e suspender direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos, proibir qualquer pessoa de se manifestar sobre assuntos políticos, afastar servidores estáveis e decretar o confisco de bens de indivíduos ou empresas. Tudo isso sem possibilidade de apreciação pela Justiça.
A mais grave das medidas suspendia o direito a habeas corpus “nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”. Todo cidadão ficou sujeito a ser preso por agentes do Estado, sem acesso a recurso.
O “golpe dentro do golpe” vinha sendo urdido dentro do governo ao logo do tumultuado ano de 1968, com a conivência silenciosa de Costa e Silva. A negativa da Câmara ao processo de cassação do deputado Márcio Moreira Alves (MDB) foi apenas o pretexto da crise militar e política que culminou na decretação do AI-5.
O texto, redigido por Gama e Silva, já estava pronto quando o general presidente convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, no Palácio das Laranjeiras, residência oficial do presidente no Rio. Dos 24 participantes – entre ministros civis e chefes militares, além do chefe do SNI –, apenas o vice-presidente Pedro Aleixo manifestou-se contrário ao ato.
A maioria dos membros do Conselho justificou o AI-5 como necessário para “preservar a revolução” e “a ordem democrática”, que estariam ameaçadas pela “subversão comunista”. “Se não tomarmos essa medida, amanhã vamos apanhar na cara”, disse o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Orlando Geisel. “Eu já havia solicitado essa medida (...) Vossa Excelência foi tolerante por demais”, disse o chefe do SNI, Emílio Garrastazu Médici. “Às favas os escrúpulos de consciência”, disse o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho. Costa e Silva encerrou a reunião, proclamando: “É do interesse nacional dar um basta à contrarrevolução”.
O AI-5 não tinha prazo de vigência. Vigorou por dez anos, período em que cerca de 1.500 pessoas sofreram cassação e afastamento do serviço público e 950 filmes e peças foram proibidos. Mais de 10 mil cidadãos foram presos, milhares torturados – dos quais 1.843 ousaram denunciar a tortura nos tribunais militares – e pelo menos 390 foram assassinados. Tudo em nome “do interesse nacional”.
MILITARES NO PLÁCIO DA GUANABARA
1968 14 DE DEZEMBRO
O GRANDE ADVOGADO VAI PARA A PRISÃO
Para o governo militar, o conservador Sobral Pinto era ameaça ao AI-5
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Conservador e anticomunista, o criminalista Heráclito Fontoura Sobral Pinto, um dos principais advogados do país, é preso no dia seguinte à publicação do Ato Institucional n° 5 (AI-5). Notório defensor dos direitos humanos, o jurista de 75 anos preparava-se para ser o paraninfo de uma turma de formandos em Goiânia, quando recebeu ordem de prisão de quatro militares. Depois de dizer que não recebia ordens de general e que não os acompanharia, foi levado à força para uma delegacia em Brasília.
Segundo relato do próprio Sobral Pinto, os militares temiam que suas declarações pudessem enfraquecer o Ato Institucional recém-promulgado. Com o AI-5, os militares criaram um instrumento legal que suprimia qualquer esperança de defesa para seus opositores. Ele introduzia a pena de morte e acabava com o habeas corpus e a maioria das liberdades civis, autorizava a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos – e, diferentemente dos atos anteriores, não tinha duração pré-determinada.
Em uma entrevista histórica a "O Pasquim", quase dez anos após sua prisão, Sobral contou que os militares tentaram se justificar alegando que estariam gestando uma "democracia à brasileira". "Ora, tenha paciência. Não existe democracia à brasileira. Existe é peru à brasileira. A democracia é universal", respondeu o advogado a seus algozes.
Sobral Pinto foi solto poucos dias depois e continuou sendo um dos mais destacados e ativos advogados que atuavam contra a ditadura. Assim como ele, dezenas de defesores brasileiros tiveram papel fundamental no esforço para evitar ou encurtar torturas, salvar vidas e, às vezes, pelo menos garantir à família um corpo para enterrar. Em março de 2014, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) homenageou 130 profissionais que colocaram suas carreiras – e muitas vezes as próprias vidas – em risco para defender presos políticos durante a ditadura. Desde dezembro de 2012, o prédio da OAB no Rio de Janeiro leva o nome de Heráclito Fontoura Sobral Pinto.
O conservador Sobral Pinto, que já havia sido advogado do comunista Luís Carlos Prestes, destacou-se como ferrenho defensor dos direitos humanos
1969 JANEIRO
EXÍLIO É A SAÍDA PARA MILHARES DE BRASILEIROS
Perseguição política e banimento provocam a maior diáspora da história do Brasil
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A edição do Ato Institucional n° 5, em dezembro de 1968, e o endurecimento do regime militar provocam uma fuga em massa de brasileiros para o exílio a partir de 1969. É a segunda leva de exilados desde o golpe de abril de 1964. A primeira era formada basicamente por líderes políticos e sindicalistas ligados ao governo do presidente deposto, João Goulart.
Dela faziam parte, além do próprio Jango, os ex-governadores Leonel Brizola e Miguel Arraes; o líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião; o ex-chefe da Casa Civil Darcy Ribeiro, o ex-presidente Juscelino Kubistchek, os ex-dirigentes do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) Hércules Corrêa e Sinval Bambirra, além de oficiais e sargentos expulsos do Exército. O principal destino desse primeiro grupo foi o Uruguai, onde tinham apoio de Jango e Brizola. A França também recebeu um número importante de perseguidos políticos nessa época.
A segunda leva era constituída por estudantes, sindicalistas, intelectuais, artistas, cientistas e militantes de organizações clandestinas de oposição, armadas ou não. Desse último grupo fizeram parte 130 ex-presos políticos, que foram trocados por reféns diplomatas e banidos do país. A partir de 1971, grande parte dos exilados seguiria para o Chile, então presidido por Salvador Allende, do Partido Socialista. Muitos passaram também pela Argentina e pelo México. Intelectuais e artistas foram na maioria para a França, onde havia grupos organizados de exilados políticos. Argélia, Estados Unidos, Suécia, Bélgica, Canadá, Itália, Cuba e a ex-União Soviética, entre outros países, também receberam cidadãos perseguidos.
As estimativas sobre o número de pessoas forçadas a partir durante a ditadura militar variam entre 5 mil e 10 mil, mas não há dúvida de que foi a maior diáspora da história do Brasil. Alguns dos desterrados jamais retornaram. É o caso de Josué de Castro, médico, professor, cientista político e escritor pernambucano que dedicou a vida a estudar a questão da fome. Castro era embaixador do Brasil na ONU em 1964 quando teve seus direitos políticos cassados. Morreu no exílio sem poder voltar ao país. Do golpe de 64 até a anistia de 1978, viveram longe de casa, por algum período de tempo, notáveis brasileiros. Alguns deles:
- Intelectuais e professores universitários: Celso Furtado, Josué de Castro, Florestan Fernandes, Paulo Freire, Milton Santos, Maria da Conceição Tavares, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra, Rui Mauro Marini, Fernando Henrique Cardoso.
- Arquitetos: Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Sérgio Ferro.
- Cientistas: Luís Hildebrando Pereira da Silva, Roberto Salmeron, Haity Moussatché, Mario Alves Guimarães.
- Diretores teatrais: Augusto Boal, José Celso Martinez Corrêa.
- Artistas plásticos: Lygia Clark, Hélio Oiticica, Rubens Gerchman, Antônio Dias.
- Poetas: Ferreira Gullar, Thiago de Mello, Vinícius de Moraes.
- Cineastas: Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Cacá Diegues.
- Jornalistas: Flávio Tavares, José Maria Rabelo, Samuel Wainer.
- Músicos e compositores: Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré, Taiguara, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Jards Macalé, Jorge Mautner, Nara Leão, Raul Seixas.
- Ex-líderes estudantis: Vladimir Palmeira, Luís Travassos, José Dirceu, Jean Marc von der Weid.
- Dirigentes políticos: Luís Carlos Prestes e Gregório Bezerra (PCB), Herbert de Souza e José Serra (AP) e Apolônio de Carvalho (PCBR).
Em Paris, Gilberto Gil faz apresentação durante exílio
1969 JANEIRO
STF É MANTIDO SOB A MIRA DA DITADURA
Para submeter a Corte, governo aposenta ministros com base no AI-5
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Na segunda intervenção da ditadura sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), três ministros são aposentados com base no Ato Institucional n° 5: Vítor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. O presidente da Corte, Gonçalves de Oliveira, renuncia em protesto. No mesmo ato que atingiu os juízes do Supremo, foi aposentado o general Pery Bevilacqua, ministro do Superior Tribunal Militar (STM) e considerado um liberal.
Em 1964, o governo, por meio do AI-2, havia ampliado de 11 para 16 o número de ministros do STF, indicando cinco novos membros para garantir sua maioria. Em fevereiro de 1969, após as cassações, Costa e Silva edita o AI-6, retornando ao formato de 11 ocupantes, dos quais dez tinham sido indicados depois do golpe de 64. O 11°, Luiz Otávio Galloti, era leal aos militares e tornou-se presidente do STF.
O ato de aposentadoria dos ministros incluiu a cassação de 32 deputados e dois senadores. Em 31 de dezembro de 1968, já haviam sido cassados, com base no AI-5, 11 políticos, incluindo o ex-governador Carlos Lacerda, da antiga UDN, um dos articuladores da derrubada de João Goulart.
1969 JANEIRO
STF É MANTIDO SOB A MIRA DA DITADURA
Para submeter a Corte, governo aposenta ministros com base no AI-5
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Na segunda intervenção da ditadura sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), três ministros são aposentados com base no Ato Institucional n° 5: Vítor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. O presidente da Corte, Gonçalves de Oliveira, renuncia em protesto. No mesmo ato que atingiu os juízes do Supremo, foi aposentado o general Pery Bevilacqua, ministro do Superior Tribunal Militar (STM) e considerado um liberal.
Em 1964, o governo, por meio do AI-2, havia ampliado de 11 para 16 o número de ministros do STF, indicando cinco novos membros para garantir sua maioria. Em fevereiro de 1969, após as cassações, Costa e Silva edita o AI-6, retornando ao formato de 11 ocupantes, dos quais dez tinham sido indicados depois do golpe de 64. O 11°, Luiz Otávio Galloti, era leal aos militares e tornou-se presidente do STF.
O ato de aposentadoria dos ministros incluiu a cassação de 32 deputados e dois senadores. Em 31 de dezembro de 1968, já haviam sido cassados, com base no AI-5, 11 políticos, incluindo o ex-governador Carlos Lacerda, da antiga UDN, um dos articuladores da derrubada de João Goulart.
Evandro Lins e Silva, ministro do Supremo Tribunal Federal aposentado com base no AI-5
Vítor Nunes Leal, um dos três membros do STF aposentados pelo governo
Hermes Lima, ministro do STF afastado pelo AI-5
Bevilacqua, ministro do Superior Tribunal Militar (STM) considerado liberal pelo governo
1969 24 DE JANEIRO
CAPITÃO CARLOS LAMARCA ADERE À GUERRILHA
Oficial exemplar cai na clandestinidade e rompe cerco militar no Vale do Ribeira
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Já integrado à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o capitão Carlos Lamarca abandona o quartel em Quitaúna, São Paulo, levando armamento e munições. Lamarca era um brilhante oficial de carreira, condecorado por sua passagem no Batalhão Suez, representação brasileira nas Forças de Paz da ONU no Oriente Médio. Declarado desertor, passou meses vivendo clandestinamente em esconderijos em São Paulo e no Rio.
Foi um dos dirigentes da fusão entre VPR e a antiga Colina (Comandos de Libertação Nacional), que deu origem à Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), de curta duração. Ansioso por entrar em combate na guerrilha, rompeu com a VAR-Palmares e recriou a VPR. Levou 16 militantes para o treinamento de guerrilha no Vale do Ribeira, região pobre e isolada ao sul de São Paulo. Lá permaneceu até maio de 1970, quando toda a área foi cercada por tropas com milhares de homens do Exército e Polícia Militar.
Após a retirada da maior parte do grupo, Lamarca conseguiu romper o cerco e escapar com outros três companheiros. Na saída, mataram um tenente que havia sido feito prisioneiro. Depois, renderam um caminhão do Exército que levava soldados, tomaram suas fardas e armas, furaram as barreiras policiais e libertaram os militares na periferia da capital paulista. O feito desmoralizou o comando da repressão e do Exército no Estado. Lamarca tornou-se então o "subversivo" mais procurado do país.
Isolado, doente e faminto, seria assassinado por um coronel do Exército em 1971, no sertão da Bahia.
LAMARCA DANDO TREINAMENTO DE TIRO
LAMARCA POCURADO
1969 26 DE FEVEREIRO
GOVERNO BAIXA UM AI-5 PARA ESTUDANTES
Decreto-Lei 477 proíbe manifestações e ameaça alunos com expulsão
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Entra em vigor o Decreto-Lei nº 477, que proíbe manifestações de caráter político e atividades consideradas subversivas nas universidades. O documento prevê expulsão de estudantes das escolas e demissões sumárias de professores e funcionários.
Assinada por Costa e Silva com o objetivo de impedir protestos estudantis, a medida considerava infrações disciplinares greves e paralisações das atividades escolares, organização de eventos não autorizados e quaisquer “atos contrários à moral e à ordem pública”.
Considerado um AI-5 universitário, o Decreto-Lei 477 contribuiu para evitar uma retomada do movimento estudantil, enfraquecido desde a prisão dos dirigentes da União Nacional dos Estudantes (UNE) no ano anterior.
O Decreto-Lei 477 proibiu atividades como essa assembleia em 1968, na qual discursou Elinor Brito (em pé), presidente da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço
1969 4 DE ABRIL
AI-5 DESFALCA A INTELIGÊNCIA DO PAÍS
Professores da USP são aposentados; 'caça às bruxas' nas universidades
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Vários professores da Universidade de São Paulo são aposentados compulsoriamente com base no Ato Institucional n° 5 (AI-5). Entre eles estão Florestan Fernandes, Villanova Artigas, José Leite Lopes, Caio Prado Júnior, Elza Berquó, Emília Viotti da Costa, Fernando Henrique Cardoso, Isaías Raw, Jean Claude Bernardet, José Artur Gianotti, Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Mário Schemberg, Octavio Ianni, Paulo Duarte e Paul Singer.
Em abril de 1970, o AI-5 seria usado novamente para cassar direiros políticos e afastar dez pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro: Haity Moussatché, Herman Lent, Moacyr Vaz de Andrade, Augusto Cid de Mello Perissé, Hugo de Souza Lopes, Sebastião José de Oliveira, Fernando Braga Ubatuba, Tito Arcoverde Cavalcanti de Albuquerque, Masao Goto e Domingos Arthur Machado Filho. O epsiódio ficou conhecido como o Massacre de Manguinhos.
Em 1972, valendo-se de uma medida administrativa, a ditadura desarticularia o Grupo do Tório da Universidade Federal de Minas Gerais, que reunia pesquisadores da área nuclear coordenados pelo físico Francisco Magalhães.
Numa verdadeira "caça às bruxas", o AI-5 iria atingir 72 professores universitários e 61 pesquisadores científicos em todo o país, entre 1969 e 1973.
Invasão do campus da USP pelo Exército quatro dias após a edição do AI-5
El sociólogo Florestan Fernandes, profesor de la USP jubilado forzosamente
O historiador Caio Prado Júnior, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, também atingido pelo AI-5
1969 ABRIL
ITAMARATY VIRA ALVO DA 'CAÇA ÀS BRUXAS'
Vinícius de Moraes e outros 12 diplomatas são aposentados pelo AI-5
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A Comissão de Investigação Sumária promove o maior expurgo da história da diplomacia brasileira, cassando 13 diplomatas, oito oficiais de chancelaria e mais 23 servidores do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty.
Entre os punidos está o poeta e diplomata Vinícius de Moraes, aposentado com base no Ato Institucional n° 5 (AI-5) sob alegação de que seu comportamento boêmio não condizia com a carreira pública. Outros diplomatas e servidores foram aposentados com o pretexto de serem homossexuais.
O diplomata e poeta Vinícius de Moraes, aposentado pelo AI-5 por seu comportado boêmio
1969 26 DE JUNHO
CHEGA O "PASQUIM" PARA FAZER RIR E PENSAR
Num jornal que marcou época, os melhores humoristas do país faziam rir da ditadura
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É lançado "O Pasquim", que se tornaria um dos mais duradouros e populares jornais alternativos do país, chegando a vender 200 mil exemplares por semana. Idealizado pelo cartunista Jaguar para ser um jornal do bairro carioca de Ipanema, mais voltado para o humor comportamental, o semanário foi abordando cada vez mais os temas políticos – mas sem perder jamais a característica de jornal de sátira e humor.
A publicação resistiu valentemente ao cerco da censura, e seus jornalistas enfrentaram perseguições e prisões. Fizeram parte de sua redação, entre outros, Millôr Fernandes, Ziraldo, Tarso de Castro, Henfil, Ivan Lessa, Sérgio Cabral, Claudius, Fortuna e Luís Carlos Maciel. "O Pasquim" também contou com colaborações de Paulo Francis, Chico Buarque, Caetano Veloso, Chico Anísio e Antonio Callado.
Charge de Ziraldo em "O Pasquim" de 14 de janeiro de 1971
Jornalistas de “O Pasquim”, recém-libertados da prisão, fazem ironia ao empregar a expressão "sem visão", que usavam para conservadores e apoiadores do regime
1969 29 DE JUNHO
NASCE A OBAN, BRAÇO DA TORTURA EM SP
Repressão e violência tem dinheiro de empresários e cobertura do governo
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Na presença do governador de São Paulo, Abreu Sodré, e dos comandantes locais da Marinha e da Aeronáutica, o comandante do 2° Exército, general José Canavarro Pereira, lança a Operação Bandeirante – Oban, que viria a ser o maior centro de tortura e assassinatos na ditadura.
A Oban foi criada para centralizar as investigações e o desmantelamento das organizações de esquerda – armadas ou não –, sob direção do Centro de Informações do Exército (CIE). O objetivo era dar mais eficiência à repressão, coordenando os diversos aparelhos policiais (militares e civis) e as Forças Armadas.
O projeto do general Canavarro Pereira foi financiado por grandes empresários de São Paulo e empresas multinacionais, com apoio da Federação das Indústrias (Fiesp). Há registros de contribuição financeira e apoio material por parte de bancos como o Bradesco e Mercantil de São Paulo, das automobilísticas Ford e GM e dos grupos Ultra (Ultragás) e Folha, que emprestava carros de entrega de jornais para camuflagem dos agentes da Oban.
O governador Abreu Sodré cedeu a 36ª delegacia policial, na esquina das ruas Tutóia e Tomás Carvalhal, bairro do Paraíso, para sediar o centro de torturas. Colocou à disposição da operação policiais militares, delegados, agentes e escrivães da Polícia Civil. O prefeito Paulo Maluf mandou asfaltar o pátio da delegacia e as ruas de acesso. O comandante da Oban era o major Waldyr Coelho, mas o torturador mais famoso, em sua primeira fase, foi o delegado do Dops Sérgio Paranhos Fleury.
O órgão serviria de modelo para a posterior criação dos Destacamentos de Operações de Informação – Centros de Operações de Defesa Interna, os DOI-Codi. Ele substituiriam a Oban em São Paulo e se converteriam nos centros do terror do Estado no Rio de Janeiro, Recife, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Belém, Fortaleza e Porto Alegre.
Vista das instalações da Operação Bandeirantes, no bairro do Paraíso, em São Paulo
1969 15 DE AGOSTO
GUERRILHA SOLTA VOZ NA RÁDIO NACIONAL
Comando da ALN toma transmissor e divulga manifesto revolucionário
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Militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) tomam os transmissores da Rádio Nacional em São Paulo e divulgam manifesto de Carlos Marighella intitulado “Ao Povo Brasileiro”. Tendo ao fundo o som do Hino Nacional, a gravação anuncia que o texto era de autoria do ex-deputado do PCB e líder guerrilheiro. O manifesto conclamava o povo a derrubar a ditadura. Na meia hora em que a estação esteve sob controle da ALN, a gravação foi repetida mais uma vez. No mesmo dia, o jornal paulistano "Diário da Noite" publicou em sua segunda edição o texto integral do manifesto.
Para realizar a ação, os militantes decidiram não ocupar o estúdio da rádio, que ficava no centro de São Paulo, mas sim a estação transmissora, localizada numa região afastada no município de Diadema. Segundo registrou o jornalista Mário Magalhães em seu livro “Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, naquele horário (8h30 da manhã) o sinal da rádio alcançaria um raio de 600 quilômetros.
No manifesto lido pelo militante Gilberto Luciano Belloque, Marighella repudia a acusação falsa de que a ALN seria responsável por incêndios recentes em três emissoras de TV, que ele classificou como "contra os revolucionários". O texto listava ainda as prioridades da guerra revolucionária, que incluíam: derrubar a ditadura e anular todos seus atos; expulsar os norte-americanos do país, expropriando suas empresas, seus bens e os de seus colaboradores; acabar com o latifúndio; acabar com a censura e retirar o Brasil da condição de satélite da política externa dos Estados Unidos.
Última fotografia conhecida do líder guerrilheiro Carlos Marighella
RACIONAIS MC - MILFACES DE UM HOMEM LEAL
1969 31 DE AGOSTO
JUNTA MILITAR TOMA O COMANDO DO PAÍS
Derrame afasta Costa e Silva; militares vetam posse do vice civil, Pedro Aleixo
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Vítima de acidente vascular cerebral (isquemia), que o deixa semiparalisado e impossibilitado de falar, Costa e Silva é levado de Brasília para o Rio, onde fica isolado no Palácio das Laranjeiras. O general Jayme Portela, chefe do Gabinete Militar e homem forte do governo, esconde do país a gravidade da doença, que só é conhecida por ele e pelos três ministros militares.
Enquanto os boatos se espalhavam, Portela tramou com os colegas a substituição do presidente inválido por uma Junta Militar, impedindo a posse do vice-presidente civil, Pedro Aleixo. Os ministros Lyra Tavares (Exército), Augusto Rademaker (Marinha) e Márcio de Souza Mello (Aeronáutica) assumiram, então, o comando do governo. Para isso, baixaram o Ato Institucional Nº 12, lido em cadeia de rádio e TV naquela noite de domingo. Pedro Aleixo ficaria sob vigilância do Centro de Informações do Exército (CIE) durante toda a crise, praticamente preso pelos ministros militares.
O AI-12 foi apresentado ao país como um fato consumado, para evitar a resistência de comandantes militares que questionavam a autoridade da Junta. Não havia prazo estabelecido para a permanência no poder do trio de ministros, consumando-se, assim, mais um golpe dentro do golpe. Quase 20 anos depois, ao proclamar a Constituição democrática de 1988, o deputado Ulysses Guimarães iria referir-se à Junta Militar pelo apelido com que, historicamente, ela ficou conhecida: “Os Três Patetas”.
A Junta Militar que assumiu o poder com o afastamento de Costa e Silva: da esq. para a dir., Lyra Tavares (Exército), Augusto Rademaker (Marinha) e Márcio de Souza Mello (Aeronáutica)
1969 4 DE SETEMBRO
O OUSADO SEQUESTRO DO EMBAIXADOR DOS EUA
ALN e MR-8 fazem diplomata refém e conseguem libertar 15 presos políticos
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Na mais espetacular ação da guerrilha urbana, um grupo formado por militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) captura o embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, numa rua de Botafogo, no Rio. Em troca do diplomata, as duas organizações passam a exigir a libertação de 15 presos políticos e a divulgação em rádio e TV de um manifesto revolucionário. O prazo fixado para resposta é de 48 horas.
O sequestro surpreendeu a Junta Militar, que havia assumido o poder poucos dias antes. Alguns oficiais das Forças Armadas foram contra a libertação dos presos, mas a pressão do governo dos EUA, fiador do golpe de 64 e da ditadura brasileira, falou mais alto. Washington exigiu que tudo fosse feito para resgatar com vida seu embaixador. Durante três dias, o Rio foi tomado por um imenso aparato policial e militar, que vasculhou toda a cidade em busca dos sequestradores e do diplomata norte-americano.
A casa onde eles estavam, na rua Barão de Petrópolis, chegou a ser vigiada por agentes da Marinha, mas não foi invadida – seja porque os agentes da repressão não tinham certeza de que Elbrick se encontrava no local, seja porque as ordens eram claras para que a vida do embaixador não fosse colocada em risco.
Encurralada, a Junta cedeu às exigências, e os 15 presos foram enviados para o México, que aceitou recebê-los. Entre os libertados estavam os líderes estudantis Vladimir Palmeira, José Dirceu e Luiz Travassos, o dirigente histórico do PCB Gregório Bezerra, o jornalista Flavio Tavares e o líder da greve de Osasco, José Ibrahim. Os demais eram membros de organizações revolucionárias, como a ALN, o MR-8 e a VPR. Para formalizar a libertação de presos, que nem sequer respondiam a processo, foi assinado às pressas o Ato Institucional n° 13, implantando o banimento do país.
O embarque dos “banidos” num Hércules da FAB e a viagem ao México foram cercados de tensão, devido ao temor de que o avião fosse atacado no solo ou em voo por militares descontentes com a libertação dos presos políticos. Depois da chegada do grupo na Cidade do México, o embaixador Elbrick foi libertado pelo comando da ALN e do MR-8. Era um domingo, 7 de Setembro, Dia da Independência do Brasil e da maior humilhação até então imposta à ditadura.
Dois dias depois, foi baixado o AI-14, instituindo a pena de morte e a prisão perpétua em casos de “guerra revolucionária e subversiva”. Nos anos seguintes, em ações cada vez mais desgastantes e arriscadas, seriam sequestrados e trocados por presos políticos os embaixadores da Alemanha e da Suíça e o cônsul do Japão em São Paulo.
Casa do bairro carioca de Rio Comprido onde o embaixador Elbrick foi mantido refém
Presos trocados pelo diplomata norte-americano pouco antes do embarque para o México
Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, comandante militar do sequestro
Joaquim Câmara Ferreira, que atuou no comando político do sequestro com os codinomes de Toledo e Velho
ENTREVISTA DO EMBAIXADOR CHARLES ELBRICK
1969 7 DE OUTUBRO
MÉDICI EXIGE PODER TOTAL NO GOVERNO
Humilhada por sequestro, Junta Militar passa comando do país e da repressão
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O general Emílio Garrastazu Médici, comandante do 3° Exército (Região Sul), faz pronunciamento em rádio e TV na condição de futuro presidente do país. A indicação havia sido formalizada pelo Alto Comando das Forças Armadas, em reunião encerrada na madrugada daquele dia. Médici exigiu plenos poderes para assumir como sucessor do general presidente Costa e Silva – imobilizado desde agosto por um acidente vascular e substituído pela Junta Militar, que impedira a posse do vice civil, Pedro Aleixo.
A sucessão de Costa e Silva estava fora da pauta política até o sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick, por comandos da ALN e do MR-8, em 4 de setembro. Humilhados pelo sucesso da ação – que resultou na libertação de 15 presos políticos –, os três ministros militares aceitaram passar o poder ao general Médici, que tinha apoio amplo do Exército, a mais poderosa das três Forças Armadas.
Para formalizar a transmissão de poder, foram editados dois atos institucionais – um deles para declarar extintos os mandatos de Costa e Silva e do vice, Pedro Aleixo. Também foi editada a Emenda Constitucional nº 1, que incorporou à Constituição de 1967 todos as medidas arbitrárias da ditadura, criando na prática uma nova Constituição, outorgada exclusivamente pelos militares. A emenda deu a Médici um mandato de cinco anos, até 1974, e o poder para afastar militares dissidentes.
Garrastazu Médici era comandante da Academia Militar de Agulhas Negras na época do golpe de 1964 e foi um dos principais conspiradores. Serviu dois anos como adido militar na Embaixada do Brasil em Washington, quando estreitou laços militares e políticos com os EUA. De volta ao Brasil, em 1967, assumiu a chefia do Serviço Nacional de Informações (SNI). Em 1969, assumiu o comando do 3° Exército, levando como chefe do Estado-Maior o general João Baptista Figueiredo, que seguiria seus passos no SNI e como general presidente.
Médici exigiu também que sua indicação fosse formalizada pelo Congresso Nacional, que estava fechado desde a edição do AI-5, em dezembro de 1968. No pronunciamento em que se apresentou ao país, o futuro general presidente fez uma ameaça aos movimentos armados de oposição: “Quem semear violência colherá violência”. Durante seu período, as organizações de luta armada seriam dizimadas no país.
General Garrastazu Médici, que assumiu a Presidência da República por indicação do Alto Comando das Forças Armadas
1969 22 DE OUTUBRO
CONGRESSO 'ELEGE' O CHEFE DA REPRESSÃO
Governo do ex-chefe do SNI lança os DOI-Codi; 'anos de chumbo' começam
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O Congresso Nacional é reaberto depois de dez meses de fechamento para sacramentar o ex-chefe do SNI, general Emílio Garrastazu Médici, como terceiro general presidente da ditadura. A farsa da eleição indireta foi uma exigência de Médici para assumir o comando e por fim à crise de autoridade da Junta Militar instalada em 31 de agosto. Na realidade, ele havia sido escolhido em setembro, numa consulta aos oficiais-generais das três Forças.
Um dos principais inspiradores do Ato Institucional n° 5 (AI-5), Médici pôs em prática as arbitrariedades previstas no ato de 13 de dezembro de 1968, com o objetivo de sufocar toda e qualquer oposição à ditadura, liquidar a resistência das organizações revolucionárias e impor a aceitação do regime. Suas armas foram a violência, a tortura, os assassinatos de presos políticos, a censura e a propaganda. Valia tudo para viabilizar o terror de Estado. Para atingir esses objetivos, contou também com o crescimento acelerado da economia, à base de um endividamento externo que levaria o país à falência anos depois. O forte desenvolvimento econômico ajudou a isolar politicamente a oposição e favoreceu a criação de uma onda de ufanismo no Brasil.
O primeiro ato do seu governo, antes mesmo da posse oficial, foi a criação dos DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna). Esses órgãos, subordinados ao Ministério do Exército, reproduziam em todo o país a estrutura da Operação Bandeirante (Oban) paulista, centralizando as informações e a repressão às organizações revolucionárias e a todos os oposicionistas.
A exemplo da Oban, a principal ferramenta de trabalho dos agentes civis e militares dos DOI-Codi seria a tortura. O mais famoso deles foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI de São Paulo. Em 1986, já no governo José Sarney, Ustra seria denunciado por uma de suas vítimas – a atriz e então deputada Beth Mendes, presa e torturada no DOI-Codi em 1970.
No dia 31 de março de 1970, Médici faria um discurso em que ameaçava diretamente os adversários do regime: “Haverá repressão, sim. E dura. E implacável. Este governo é forte demais para se deixar atemorizar pelo terror”. Em seu mandato, foram liquidadas organizações revolucionárias como a Ação Libertadora Nacional (ALN), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), a Ala Vermelha, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e o destacamento guerrilheiro do PCdoB. É desse período o maior volume de denúncias de torturas, assassinatos e “desaparecimentos” de militantes políticos no país.
Médici após a posse na Presidência, acompanhado pelo vice, almirante Augusto RaDemaker, e pelo general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI (da dir. para a esq.)
1969 25 DE OUTUBRO
MADRE MAURINA VIVE CALVÁRIO NA PRISÃO
Religiosa é torturada pelo delegado Fleury; caso gera repúdio internacional
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Acusada de envolvimento com o minúsculo grupo Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), madre Maurina Borges da Silveira é presa em Ribeirão Preto (SP) e torturada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Alvo de toda a sorte de humilhações, a religiosa foi espancada e seviciada. Depois de ficar presa por cinco meses, foi banida para o México em março de 1970, em troca do cônsul japonês Nobuo Okushi, sequestrado por militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Madre Maurina permaneceu naquele país até a anistia, em 1979, quando voltou ao Brasil. Seu caso foi denunciado fora do país e desgastou ainda mais a ditadura na comunidade religiosa internacional. As FALN eram apenas um grupo de estudantes secundaristas. Não tinham armas nem contato com organizações revolucionárias.
Madre Maurina e dom Paulo Evaristo Arns, por ocasião da volta da religiosa ao Brasil, em 1979
969 4 DE NOVEMBRO
MARIGHELLA É ABATIDO EM EMBOSCADA EM SP
O inimigo nº 1 da ditadura cai numa armadilha e é morto por agentes de Fleury
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Carlos Marighella, principal dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), é assassinado numa emboscada organizada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops paulista. Foi baleado dentro de um fusca na alameda Casa Branca, região dos Jardins, em São Paulo.
O guerrilheiro fora atraído para uma armadilha por um frade dominicano simpatizante da ALN, que, sob tortura, informou o local, o dia e a hora de um encontro com o líder revolucionário. Segundo a versão oficial, ele foi abatido depois de sacar uma arma e resistir à prisão. O jornalista Mário Magalhães, em seu livro “Marighella, o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, revela que ele estava desarmado ao ser morto dentro do carro.
Marighella, que vivia na clandestinidade desde 1965, era considerado o inimigo nº 1 da ditadura. A ALN era o maior grupo de resistência armada aos militares. Dois meses antes, um comando da organização havia sequestrado o embaixador dos EUA no Brasil em ação conjunta com o MR-8. O assassinato do dirigente marcou o início do declínio das organizações revolucionárias de esquerda no país.
Depois de atingir o auge em 1969, com ações de grande repercussão, como o sequestro do diplomata norte-americano, o roubo de mais de US$ 2 milhões de um cofre do ex-governador Adhemar de Barros, a fuga do capitão Lamarca do Quartel de Quitaúna e a tomada da Rádio Nacional, esses grupos passaram à defensiva, sofrendo sucessivas baixas por prisões e assassinatos. Um ano depois da morte de Marighella, o número de revolucionários presos, exilados e mortos seria bem maior que o de militantes ativos na clandestinidade.
Marighella assassinado dentro de um fusca na alameda Casa Branca, em São Paulo
1969 NOVEMBRO
EXILADOS PUBLICAM NOTÍCIAS DO BRASIL
Boletim editado na Argélia denuncia ao mundo os crimes da ditadura
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Exilado na Argélia, o ex-governador Miguel Arraes organiza uma rede de publicações para denunciar no exterior os crimes da ditadura: a Frente Brasileira de Informações (FBI). Seus boletins foram distribuídos na França, Bélgica, Holanda, Itália, Portugal e Chile, entre outros países, e traduzidos em vários idiomas. Os conteúdos eram produzidos na Argélia, presidida à época pelo nacionalista Houari Boumédiène, a partir de notícias enviadas do Brasil.
Nos outros países, os exilados organizavam sua distribuição, muitas vezes acrescentando novas informações. Os principais coordenadores do FBI em Paris foram Violeta Arraes, irmã do ex-governador, e o deputado cassado Márcio Moreira Alves. A iniciativa recebia a colaboração de várias organizações de esquerda.
Até 1975, a FBI cumpriu um importante papel na denúncia de torturas e assassinatos, assim como das condições de vida subumanas da maioria da população brasileira. Extinguiu-se por divergências internas quanto à orientação política.
Edição argelina do boletim da Frente Brasileira de Informações (FBI) traz na capa a imagem da resistência contra a ditadura
Edição chilena do boletim da Frente Brasileira de Informações faz uma analogia dos gorilas com os militares brasileiros
1970 1º DE JANEIRO
GRUPO TOMA AVIÃO E O DESVIA PARA HAVANA
Comando da VPR tira do Brasil militante perseguida e seus dois filhos
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Seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) – Cláudio Galeno Magalhães Linhares, James Allen da Luz, Athos Magno Costa e Silva, Nestor Guimarães Herédia, Isolde Sommer e Marília Guimarães Freire – sequestram em Montevidéu um Caravelle da companhia aérea Cruzeiro do Sul, numa arriscada ação armada contra a ditadura militar brasileira. O avião seria levado a Cuba com o objetivo de proteger Marília, perseguida pela repressão, e seus dois filhos menores. Da capital uruguaia até Havana, a viagem durou dois dias com paradas para reabastecer em Buenos Aires, Antofagasta (norte do Chile), Lima e Panamá.
O primeiro sequestro de avião comercial no Brasil havia ocorrido em 8 de outubro de 1969. Cláudio Augusto Alencar e Elmar Soares de Oliveira, do MR-8, tomaram um Caravelle, também da Cruzeiro do Sul, na rota Rio-Manaus, desviando-o para Havana. Os 43 passageiros e três tripulantes retornaram em seguida para o Brasil. Entre 1969 e 1972, houve quatro sequestros desse tipo, todos com destino a Cuba.
O Caravelle da Cruzeiro do Sul na pista do aeroporto do Galeão (RJ), ao retornar ao Brasil seis dias depois de ter sido sequestrado por militantes da VPR
1970 16 DE JANEIRO
EXÉRCITO MASSACRA MÁRIO ALVES NO RIO
Preso no quartel da Polícia do Exército, líder do PCBR é torturado até a morte
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Dirigente histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), organização de luta armada, o jornalista Mário Alves é preso no subúrbio carioca da Abolição e levado para o quartel da Polícia do Exército (PE). Submetido a torturas durante toda a noite e a madrugada, foi visto pela última vez por outros prisioneiros quando já estava muito ferido. Seu cadáver seria removido da instalação militar sem testemunhas.
Em incansável busca pelo corpo do marido, Dilma Vieira escreveu carta a Aparecida Gomide, mulher de Aloysio Gomide, embaixador brasileiro então sequestrado no Uruguai. Na correspondência, Dilma procurou sensibilizar Aparecida, que também vivia um drama com o sequestro do embaixador, e denunciou a violência da tortura que matou Mário: "Foi preso no dia 16 de janeiro do corrente, na Guanabara, pela polícia do 1º Exército e levado para o quartel da PE, sendo espancado barbaramente de noite, empalado com um cassetete dentado, o corpo todo esfolado por escova de arame, por se recusar a prestar informações exigidas pelos torturadores do 1º Exército e do Dops. Alguns presos, levados à sala de torturas para limpar o chão sujo de sangue e de fezes, viram meu marido moribundo, sangrando pela boca e pelo nariz, nu, jogado no chão, arquejante, pedindo água, e os militares torturadores em volta, rindo, não permitindo que lhe fosse prestado nenhum socorro". O corpo nunca foi encontrado. Mário Alves integra a lista de desaparecidos políticos durante a ditadura militar.
No mesmo dia da detenção do dirigente comunista, agentes da Operação Bandeirante (Oban) prenderam em São Paulo a jovem militante da VAR-Palmares Dilma Rousseff, que seria eleita presidenta do Brasil pelo PT em 2010 e reeleita em 2014.
Mario Alves, dirigente do PCB e um dos fundadores do PCBR
Manifestação na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em agosto de 1980, cobra notícias sobre desaparecidos políticos
970 26 DE ENERO
GOVERNO IMPÕE CENSURA PRÉVIA À IMPRENSA
Censores se instalam nas redações; alternativos têm que mandar textos para Brasilia
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O presidente Garrastazu Médici baixa o Decreto-Lei nº 1.077, que regulamenta a censura prévia a livros e periódicos. A partir daí, censores se instalariam nas redações de jornais e revistas. A eles caberia decidir o que poderia ou não ser publicado. A imprensa nanica ou alternativa, por sua vez, passou a ser obrigada a enviar os textos que pretendia publicar para a Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, em Brasília.
A censura atingiu a imprensa de forma diferenciada. Jornais de grande circulação, como "O Estado de S.Paulo", "Última Hora" e "Correio da Manhã", foram cerceados na capacidade de informar. Periódicos da imprensa alternativa, como "Opinião", "Movimento" e "O Pasquim", foram estrangulados pela obrigação de levar textos e imagens até Brasília, prejudicando os prazos de edição
Manchete censurada sobre saída de ministro (pag. à esq.) recebe outro enfoque e dá lugar a cartas de leitores, a primeira sobre rosas azuis, e a anúncio (pág. à dir.) em O Estado de S.Paulo de 10 de maio de 1973
1970 11 DE MARÇO
CÔNSUL DO JAPÃO É TROCADO POR PRESOS
VPR de Lamarca troca diplomata sequestrado por cinco presos políticos
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Numa ação comandada por Ladislau Dowbor e Eduardo Collen Leite, o Bacuri, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) sequestra Nobuo Okushi, cônsul do Japão em São Paulo. O grupo exige a libertação de cinco presos políticos, que deveriam ser enviados para o México.
Na lista, estavam Damaris Lucena, mulher de Antônio Lucena, assassinado dias antes pela repressão, e seus três filhos menores. Os outros quatro eram Otávio Ângelo, dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), madre Maurina Borges da Silveira, Diógenes Carvalho de Oliveira e Mario Japa, como era conhecido Chizuo Ozava, ambos militantes da VPR. Todos seriam soltos e banidos.
Foi o primeiro sequestro realizado pela VPR, que nesse período era comandada pelo ex-capitão Carlos Lamarca.
O cônsul japonês Nobuo Okushi dá entrevista após ser libertado pelos sequestradores
970 MARÇO–ABRIL
'APESAR DE VOCÊ' É O HINO DA RESISTÊNCIA
Samba ironiza ditadura e vende 100 mil discos – até a censura entender a letra
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Chico Buarque volta do exílio e compõe "Apesar de Você", samba que podia ser entendido tanto como uma briga de casal ou uma crítica à ditadura:
"Hoje você é quem manda/ Falou, tá falado, não tem discussão/ A minha gente hoje anda/ Falando de lado e olhando pro chão/Você que inventou esse estado / Inventou de inventar toda escuridão /Você que inventou o pecado /Esqueceu-se de inventar o perdão/ Apesar de você, amanhã há de ser outro dia..."
Os censores não perceberam o duplo sentido da letra, mas o público entendeu o recado. Cem mil cópias foram vendidas em uma semana, tempo que as autoridades levaram para proibir a distribuição e a execução do samba em rádio e TV. A censura chegou tarde para impedir o sucesso popular de "Apesar de Você", que se tornaria um hino de resistência e esperança ao longo dos anos de chumbo.
CHICO BUARQUE AO RETORNAR DO EXÍLIO
1970 31 DE MARÇO
'REPRESSÃO SERÁ DURA', AVISA MÉDICI
Com AI-5 nas mãos, general diz que não se deixa atemorizar pelo 'terror'
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Em discurso pelo sexto aniversário do golpe de abril de 1964 (que a ditadura celebrava como "Revolução de 31 de Março"), o general presidente Garrastazu Médici dirige-se ao país com uma ameaça: "Haverá repressão, sim. E dura. E implacável. Mas apenas contra o crime e os criminosos".
Era assim, como "criminosos", que o terceiro chefe militar da ditadura se referia aos grupos políticos de oposição ao regime. Com o aparelho de repressão prestes a ser reorganizado sob comando direto do Exército, Médici anunciou: "Fiquem, pois, advertidos os criminosos do terrorismo: (...) Este governo é forte demais para se deixar atemorizar pelo terror".
Dias antes, em sua primeira entrevista coletiva, o general presidente deixou claro que não abriria mão do Ato Institucional n° 5 em seu período de governo. E revelou que defendia a edição de um ato autoritário desde a posse de seu antecessor, Costa e Silva. O discurso de 31 de março foi transmitido em rede de rádio e televisão. Era o sinal mais claro dos "anos de chumbo" que vinham pela frente.
General presidente Médici, em pronunciamento à nação, reforça o endurecimento da ditadura
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1970 17-26 DE MAIO
BISPOS CONDENAM PORÕES DA TORTURA
CNBB denuncia violações dos direitos humanos; dom Helder fala em Paris
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Durante a 11ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a igreja católica toma posição contra o autoritarismo e divulga documento em que denuncia os abusos do regime militar sobre os direitos humanos e sociais. A hierarquia religiosa, que havia apoiado o golpe de 1964, voltava-se agora contra a violência da ditadura.
Dizia o documento da CNBB: "Não podemos admitir as lamentáveis manifestações da violência, traduzidas na forma de assaltos, sequestros, mortes ou quaisquer outras modalidades de terror. [...] Pensamos no exercício da JUSTIÇA, [...] que, sinceramente, cremos estar sendo violentado, com frequência, por processos levados morosa e precariamente, por detenções efetuadas em base a suspeitas ou acusações precipitadas, por inquéritos instaurados e levados adiante por vários meses, em regime de incomunicabilidade das pessoas e em carência, não raro, do fundamental direito de defesa".
No dia seguinte à divulgação do documento, o arcebispo de Olinda e Recife, d. Helder Câmara, mundialmente conhecido e candidato ao Prêmio Nobel da Paz, denunciaria as torturas em Paris para uma plateia de dez mil pessoas. Ao regressar ao Brasil, tornou-se alvo de feroz campanha de desmoralização junto à opinião pública. Os jornais foram proibidos de entrevistá-lo e até de mencionar seu nome. A firme posição de destacados bispos, arcebispos e cardeais – como d. Paulo Evaristo Arns e d. Aloísio Lorscheider, além de d. Helder – abriu um contencioso entre a ditadura e a hierarquia católica no Brasil.
A tensão aumentaria nos anos seguintes, com a implantação das Comunidades Eclesiais de Base, conforme orientação da 2ª Conferência Episcopal Latino-Americana (Celam), realizada em Medellín (Colômbia), em 1968. A Teologia da Libertação, a Igreja dos Pobres e as CEBs seriam importantes instrumentos de organização e conscientização política das camadas mais desprotegidas da população.
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1970 1° DE JULHO
SEQUESTRO FRACASSA NA PISTA DO GALEÃO
Tropa de elite impede ação para libertar presos; militante é morto
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Quinze minutos depois de o avião Caravelle PP-PDX da Cruzeiro do Sul decolar do Rio de Janeiro com destino a São Paulo, quatro jovens obrigam o piloto a voltar para o aeroporto do Galeão. Os sequestradores eram integrantes do Comando Reinaldo Silveira Pimenta, nome dado em homenagem a um militante da Dissidência Estudantil de Niterói morto em 1969. Eles exigiam a libertação de 40 presos políticos e sua saída do país.
Em solo, o avião foi cercado por tropas especiais da Aeronáutica que, depois de esguichar espuma nas janelas para impedir a visão de dentro para fora, arrombaram a porta e invadiram a aeronave. Eiraldo Palha Freire, um dos sequestradores, foi baleado. Morreria uma semana depois. Os outros – Fernando Palha Freire, Jessie Jane Vieira de Souza e Colombo Vieira de Souza Júnior – foram presos e condenados a mais de 20 anos de prisão.
Militares lançam espuma na aeronave para impedir a visão dos sequestradores de dentro para fora do aviãO
Cartaz de campanha pela libertação dos sequestradores presos
Foto que ilustra cartão postal endereçado ao governo brasileiro e que pede a libertação do casal Jessie Jane e Colombo Vieira de Souza Jr.
Verso do postal traz mensagem em sueco e português dirigida ao presidente Geisel, que sucedeu ao general Médici
1970 24 DE JULHO
BRASIL TEM IMAGEM DE PAÍS DA TORTURA
Censuradas no país, denúncias ganham o mundo e constrangem a ditadura
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A Comissão Internacional de Juristas, em Genebra, faz denúncia junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a prática de torturas pela ditadura brasileira. Em um documento preparado a partir de relatos de vítimas de violações de direitos humanos, a organização registrou a existência de esquadrões da morte e classificam a situação no Brasil como de "guerra civil".
O governo militar proibira a entrada da entidade nas prisões do país. As denúncias de torturas constituíam o maior problema da diplomacia brasileira sob a ditadura. Autoridades em viagem ao exterior eram alvo frequente de manifestações, como ocorreu com o presidente da Câmara, Flávio Marcílio (Arena), no Congresso da União Parlamentar Internacional, na Holanda. No jantar oficial do encontro, Marcílio e comitiva foram confrontados por uma jovem que denunciou torturas no país. “Não há presos políticos no Brasil, apenas criminosos comuns”, disse o deputado, repetindo o discurso oficial.
O governo atribuía as denúncias a uma “campanha para denegrir a imagem do Brasil no exterior”. Em 9 de maio, a Presidência da República divulgou nota, afirmando: “Não há tortura em nossas prisões. Também não há presos políticos. (...) Essa intriga, na sua desfaçatez, buscar gerar discórdia entre nações democráticas, amigas e aliadas (...) Provêm, inequivocamente, de grupos esquerdistas”.
Na viagem de três dias que fez aos Estados Unidos, em 1971, o presidente Emílio Garrastazu Médici cancelou o tradicional encontro de chefes de Estado estrangeiros com o Clube de Imprensa de Washington. O general não queria enfrentar as inevitáveis perguntas sobre tortura e repressão no Brasil, denunciadas pelo senador democrata norte-americano Edward Kennedy, entre outros.
A União Internacional de Estudantes faz campanha para denunciar a repressão e a tortura no Brasil
TORTURA
1970 31 DE JULHO
CÔNSUL BRASILEIRO É REFÉM NO URUGUAI
Tupamaros também capturam Dan Mitrione, instrutor de tortura da CIA
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O cônsul brasileiro Aloysio Dias Gomide é sequestrado em Montevidéu pelo Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, organização revolucionária uruguaia. No mesmo dia, o grupo sequestra também o agente da CIA Dan Mitrione, um ex-policial que havia ensinado técnicas de tortura a policiais e militares do Brasil, da República Dominicana e do Uruguai.
Ambos foram levados para o “Cárcere do Povo”, onde Mitrione foi interrogado sobre sua participação na tortura de presos políticos. Condenado por um tribunal revolucionário, foi executado em 8 de agosto.
Aloysio Gomide, acusado de ser o representante da ditadura brasileira, seria mantido como prisioneiro por um longo período. Para libertá-lo, os Tupamaros exigiam a soltura de 106 companheiros presos e um resgate de US$ 1 milhão. O governo uruguaio recusou-se a negociar e, apesar de meses de buscas em toda Montevidéu, não conseguiu localizar o “Cárcere do Povo”. O cônsul seria libertado somente em fevereiro do ano seguinte depois de sua família pagar um resgate de US$ 250 mil.
O duplo sequestro foi narrado no filme "Estado de Sítio", do diretor grego Costa-Gavras, lançado em 1972.
O cônsul brasileiro Aloysio Dias Gomide ao ser libertado pelos Tupamaros
AULA DE TORTURA - COSTA GAVRAS
1970 SETEMBRO
DOI-CODI, A MÁQUINA DE TORTURAR E MATAR
Exército implanta e comanda nova estrutura de repressão política
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Ministro do Exército indicado pelo presidente Garrastazu Médici, o general Orlando Geisel cria o Departamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi. Inspirado no modelo da Operação Bandeirante (Oban), que reunia forças civis e militares, o DOI-Codi iria centralizar e organizar toda a repressão aos adversários do regime, sob o comando de Geisel e do chefe do Estado-Maior do Exército.
O departamento se tornaria conhecido como a central de tortura e assassinato dos adversários do regime. Apenas pelo DOI-Codi do 2° Exército (São Paulo) passaram mais de 6.700 presos, dos quais pelo menos 50 foram assassinados sob custódia entre 1969 e 1975, segundo o pesquisador Pedro Estevam da Rocha Pomar. Nesse período, foram totalmente desarticuladas, por assassinatos e prisões, organizações como Ação Libertadora Nacional (ALN), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e Ala Vermelha, entre outras.
Esse aparelho militar de repressão foi criado na esteira do sequestro do embaixador dos EUA realizado por comandos da ALN e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Espelhando-se na estrutura das Forças Armadas, a organização cobria todo o país. Além de pessoal do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, empregava policiais civis e militares, os Dops estaduais e até soldados dos corpos de bombeiros. Em São Paulo, o órgão utilizou as instalações da Oban, no bairro do Paraíso, e, no Rio, o quartel da Polícia do Exército, na Tijuca.
Sede do DOI-Codi do Rio de Janeiro, instalada no quartel da Polícia do Exército, no bairro da Tijuca
1970 23 DE OUTUBRO
O 'VELHO' MORRE SOB AS GARRAS DE FLEURY
Joaquim Câmara Ferreira era sucessor de Marighella no comando da ALN
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Joaquim Câmara Ferreira é preso e assassinado em São Paulo. Dirigente histórico do PCB, tinha deixado o partido em que militou por mais de 30 anos para organizar a luta armada contra a ditadura. Junto com Carlos Marighella, foi fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN).
Câmara Ferreira, que utilizava os codinomes de “Toledo” e “Velho”, foi o comandante político do sequestro do embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, em 1969. Com a morte de Marighella, assumiu o comando da ALN. Atraído para uma emboscada pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, foi levado a um sítio clandestino nas proximidades da cidade, onde morreu sob tortura.
Joaquim Câmara Ferreira, fundador da Aliança Libertadora Nacional (ALN) ao lado de Carlos Marighella
1970 1º DE NOVEMBRO
D. PAULO ASSUME LUTA POR JUSTIÇA E PAZ
Arcebispo de São Paulo faz defesa intransigente dos direitos humanos
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D. Paulo Evaristo Arns é nomeado arcebispo de São Paulo pelo papa Paulo 6°, assumindo o posto no auge da repressão da ditadura militar. D. Paulo deu grande contribuição para o fortalecimento da sociedade civil, especialmente na defesa intransigente dos direitos humanos.
Uma de suas primeiras iniciativas foi visitar o Presídio Tiradentes, onde havia cerca de 400 presos políticos e também centenas de prisioneiros comuns – todos pobres e submetidos a maus tratos. D. Paulo foi responsável pela criação da Comissão Justiça e Paz, dedicada à proteção das vítimas da repressão e aos perseguidos políticos, tornando-se uma das mais expressivas lideranças religiosas do país.
Sem abrir mão de denunciar as violações de direitos, o arcebispo foi integrante discreto da Comissão Bipartite. Coordenada pelo intelectual católico Cândido Mendes, a Bipartite promoveu durante a ditadura encontros entre religiosos e representantes do governo para discutir a situação dos presos políticos no país. As reuniões eram sigilosas porque, oficialmente, o governo não admitia a prática de torturas nem a existência de presos políticos.
D. Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo e defensor intransigente dos direitos humanos
1970 7 DE DEZEMBRO
70 SÃO LIBERTADOS NO ÚLTIMO SEQUESTRO
Embaixador suíço é mantido refém por 47 dias na mais longa das negociações
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Um comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) chefiado pessoalmente pelo capitão Carlos Lamarca sequestra no Rio o embaixador da Suíça, Giovanni Enrico Bucher. Na ação, é morto um dos três agentes da Polícia Federal que faziam a segurança do diplomata. Iniciava-se assim o mais longo dos sequestros, o último da série e o primeiro em que o regime recusou-se a atender integralmente as exigências dos grupos revolucionários.
A VPR pedia a libertação de 70 presos políticos, a divulgação de um manifesto, o congelamento de preços em todo o país por 90 dias e a liberação das catracas nos trens do Rio de Janeiro. O governo levou 48 horas para responder e avisou que negociaria apenas a libertação dos presos. Lamarca aceitou. O primeiro nome da lista era o de Eduardo Leite, o Bacuri, comandante do sequestro do embaixador da Alemanha, em junho. Ele havia sido preso no Rio em agosto e levado para São Paulo, onde fora brutalmente torturado. No dia seguinte ao sequestro de Bucher, Bacuri foi assassinado pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Seu nome foi substituído na lista.
Dois dias depois, o regime informou que não aceitava libertar 13 dos presos políticos listados – quase todos participantes dos sequestros anteriores. Feitas as substituições, o governo disse que 18 pessoas se recusavam a deixar o país. A ação caminhava para ser desmoralizada. A maioria da direção da VPR decidiu executar o embaixador, responsabilizando a ditadura pelo fracasso das conversações. Lamarca usou sua autoridade de comandante para poupar a vida de Bucher e continuou negociando. Houve novas recusas por parte do governo e novas trocas, num processo que durou um mês.
Os 70 presos libertados e banidos chegaram a Santiago do Chile em 14 de janeiro, 47 dias depois da captura de Bucher. O embaixador foi libertado e recusou-se a identificar seus sequestradores quando foi interrogado pela polícia.
Perua C-14 da repressão e agentes mobilizados durante o sequestro do embaixador suíço
Presos políticos trocados pelo embaixador Bucher, pouco antes de embarcarem com destino ao Chile
1970 8 DE DEZEMBRO
BACURI MORRE APÓS 109 DIAS DE TORTURA
Militante da VPR passou pelo DOI-Codi e dois centros clandestinos de tortura
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Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Eduardo Leite, o Bacuri, é morto aos 25 anos, num dos mais cruéis casos de assassinato político durante a ditadura. Preso desde 21 de agosto, foi torturado durante meses e chegou a receber na cela um jornal que noticiava sua fuga da prisão.
Preso pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury em uma rua do bairro carioca da Gávea, Bacuri foi levado para um centro clandestino em São Conrado, onde começaram as torturas. Foi transferido para São Paulo e retornaria ao Rio de Janeiro, passando pelo presídio da Ilha das Cobras. Mais tarde, voltaria para São Paulo, dessa vez para o DOI-Codi, onde foi massacrado pelos torturadores.
Bacuri permaneceu incomunicável até sua morte. Segundo relato de um soldado, ele foi executado no Forte dos Andradas, no Guarujá, litoral paulista. Na versão dos militares, Eduardo teria sido morto em tiroteio após escapar da prisão.
1970 8 DE DEZEMBRO
BACURI MORRE APÓS 109 DIAS DE TORTURA
Militante da VPR passou pelo DOI-Codi e dois centros clandestinos de tortura
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Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Eduardo Leite, o Bacuri, é morto aos 25 anos, num dos mais cruéis casos de assassinato político durante a ditadura. Preso desde 21 de agosto, foi torturado durante meses e chegou a receber na cela um jornal que noticiava sua fuga da prisão.
Preso pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury em uma rua do bairro carioca da Gávea, Bacuri foi levado para um centro clandestino em São Conrado, onde começaram as torturas. Foi transferido para São Paulo e retornaria ao Rio de Janeiro, passando pelo presídio da Ilha das Cobras. Mais tarde, voltaria para São Paulo, dessa vez para o DOI-Codi, onde foi massacrado pelos torturadores.
Bacuri permaneceu incomunicável até sua morte. Segundo relato de um soldado, ele foi executado no Forte dos Andradas, no Guarujá, litoral paulista. Na versão dos militares, Eduardo teria sido morto em tiroteio após escapar da prisão.
VERSÃO DOS MLITARES
1971 20 DE JANEIRO
REPRESSÃO MATA RUBENS PAIVA E MONTA FARSA
Agentes do DOI-Codi assassinam ex-deputado, escondem o corpo e encenam 'fuga'
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Agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa) invadem a casa do ex-deputado cassado Rubens Paiva (PTB-SP), no Rio. Acompanhado pelos militares, Paiva sai de sua residência no bairro do Leblon dirigindo o próprio automóvel até o comando da 3ª Zona Aérea, onde seria interrogado e espancado. Dali, foi transferido para o quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, bairro da Tijuca, onde funcionava o DOI-Codi.
Na virada do dia 20 para o dia 21, o médico Amilcar Lobo, que acompanhou as sessões de tortura, examinou Paiva e diagnosticou hemorragia interna aguda. O ex-deputado morreu naquela noite. Seu corpo foi retirado do quartel e, segundo depoimentos posteriores de agentes dos órgãos de segurança, enterrado numa praia do Recreio dos Bandeirantes. Anos mais tarde, ainda segundo os mesmos agentes, teria sido exumado e levado para local desconhecido. Até hoje, está desaparecido.
Segundo a versão oficial, Paiva não permaneceu em poder dos militares. Ele teria sido resgatado por terroristas alguns dias depois de sua prisão, quando era levado para reconhecer um aparelho no Alto da Boa Vista. A farsa incluiu um fusca incendiado para forjar o ataque.
Rubens Paiva foi incluído na primeira lista de cassações, em abril de 1964. Estava marcado pelos golpistas por ter sido um dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) – uma organização patrocinada pelo Departamento de Estado dos EUA, que financiou políticos e jornalistas envolvidos na campanha contra João Goulart. Em dezembro de 2012, a Câmara dos Deputados devolveu simbolicamente o mandato a Paiva e a outros 172 deputados cassados pela ditadura.
O ex-deputado Rubens Paiva entre sua mulher, Eunice (à esq.), a sua mãe e os cinco filhos
Fusca usado pela repressão para forjar a tentativa de resgate de Rubens Paiva
Grupo de asilados na Embaixada da Iugoslávia, em 1964; entre eles, Rubens Paiva (3° da dir. para a esq.); o secretário de imprensa de João Goulart, Raul Ryff (de cabelos e bigode branco, ao centro), e Almino Affonso (2° da esq. para a dir.)
1971 FEVEREIRO
ULYSSES ATUA PARA RESGATAR OPOSIÇÃO
Ulysses Guimarães assume MDB para construir nova frente oposicionista
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Ulysses Guimarães assume a presidência do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), substituindo Oscar Passos, no momento mais difícil da existência do partido. Derrotado pela Arena e pelo voto nulo nas eleições de 1970, o MDB caminhava para a autodissolução, posição defendida por vários de seus membros.
O deputado, que inicialmente havia apoiado o golpe de abril de 1964, distanciara-se do regime militar logo depois. Ao assumir a presidência do partido, insistiu na luta parlamentar, mas procurou aproximar o MDB da sociedade civil. Fundou o Instituto de Estudos Políticos e Sociais (Iepes), que promoveu os primeiros debates sobre a situação do país. Criou o Setor Jovem do MDB, estimulando líderes estudantis a participar das eleições municipais marcadas para 1972.
Em 1973, num lance de ousadia, Ulysses se lançaria anticandidato na sucessão de Médici. Seu objetivo era aproveitar a eleição de cartas marcadas em favor do general Ernesto Geisel para percorrer o país denunciando a ditadura e reorganizando as oposições. O discurso de lançamento da anticandidatura, “Navegar é Preciso”, é uma das melhores peças da oratória política brasileira.
Ulysses Guimarães, o novo presidente do MDB, ladeado por Oscar Pedroso Horta (à esq.) e Nelson Carneiro (ponta direita
1971 18 DE MARÇO
JUSTIÇA CONDENA BRASILEIRO À MORTE
Teodomiro, 18 anos, recebe primeira pena capital na história da República
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Teodomiro Romeiro dos Santos, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), é condenado à morte por fuzilamento pela Justiça Militar da Bahia. Aos 18 anos, acusado do assassinato de um sargento da Aeronáutica, tornou-se o primeiro sentenciado à pena capital no país durante o período republicano.
A decisão unânime do Conselho de Justiça da Auditoria Militar seria posteriormente convertida em prisão perpétua pelo Superior Tribunal Militar (STM). Após revisões, a pena foi reduzida para 16 anos.
Teodomiro não foi beneficiado pela Lei da Anistia, em 1979. Com receio de ficar na prisão e acabar sendo assassinado, fugiu e asilou-se na Nunciatura Apostólica. De lá, partiu para exílio no México e depois para Paris, de onde retornou ao Brasil em 1985, quando sua pena já estava extinta.
Teodomiro Romeiro (à esq.), condenado à morte, e Paulo Pontes, também do PCBR, sentenciado com prisão perpétua
1971 15 DE ABRIL
OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE
Boilesen, empresário que financiou a Oban, é executado pela guerrilha
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O industrial dinamarquês Henning Albert Boilesen, presidente do Grupo Ultra e membro da diretoria da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), é morto por um comando do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e da Ação Libertadora Nacional (ALN).
Boilesen foi um dos mais ativos financiadores da Operação Bandeirante (Oban), centro de repressão e tortura criado em São Paulo em 1969. Além de organizar uma "caixinha" entre os empresários, cedeu caminhões da Ultragaz ao regime (usados como camuflagem para os agentes) e, mais de uma vez, participou como espectador de sessões de tortura.
O industrial foi executado à luz do dia na capital paulista, na mesma alameda Casa Branca onde foi morto o líder da ALN Carlos Marighella, em novembro de 1969. Dos quatro participantes da ação, três seriam mortos nos dias seguintes pela repressão.
O corpo de Henning Albert Boilesen, morto por um comando guerrilheiro em São Paulo
1971 14 DE JUNHO
STUART MORRE E ZUZU LUTARÁ POR RESPOSTA
Morto no quartel da Aeronáutica, corpo de Stuart Angel nunca apareceu
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Militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Stuart Angel Jones é preso no Grajaú, Rio de Janeiro, por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), para onde foi levado. Tinha um encontro marcado com o capitão Carlos Lamarca, mas conseguiu preservar o companheiro nos interrogatórios. Submetido a prolongadas sessões de tortura, foi por fim amarrado à traseira de um jipe e arrastado pelo pátio do quartel. A cada parada do jipe, os agentes levavam a boca do estudante ao cano de descarga e o forçavam a respirar os gases do escapamento. Morreu asfixiado e intoxicado por monóxido de carbono.
A Aeronáutica jamais reconheceu a morte de Stuart Angel, dado como "desaparecido". Seu corpo teria sido transportado num helicóptero militar até a área da Restinga da Marambaia, para ser lançado ao mar. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade passou a investigar a hipótese de o militante ter sido enterrado próximo à pista do aeroporto do Galeão.
A estilista Zuzu Angel, mãe de Stuart, denunciou o seu desaparecimento ao governo dos Estados Unidos (ele era filho de pai norte-americano e tinha dupla cidadania) e passou os últimos cinco anos de sua vida exigindo uma resposta do regime. Ela morreu em 1976 num acidente de automóvel provocado por agentes da repressão. Dias antes, Zuzu deixara com vários amigos cartas denunciando que estava marcada para morrer. Um desses amigos, Chico Buarque, iria compor em sua homenagem a belíssima e triste canção “Angélica”: “Quem é essa mulher / que canta sempre esse estribilho / 'só queria embalar meu filho / que mora na escuridão do mar'.”
A mulher de Stuart, Sônia Maria de Moraes Angel Jones, foi torturada e morta em São Paulo em 1973. Enterrada como indigente, seu corpo só seria identificado 18 anos mais tarde pela família, que pode então dar-lhe sepultura digna.
Stuart Angel Jones, militante do MR-8 e filho da estilista Zuzu Angel, morta em acidente provocado pela repressão
1971 20 DE AGOSTO
REPRESSÃO EXECUTA IARA, A GUERRILHEIRA
Na clandestinidade, companheira de Lamarca foi cercada em Salvador
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Morre em Salvador, aos 27 anos, Iara Iavelberg, companheira de Carlos Lamarca, em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Iara era formada em psicologia pela USP e foi uma das personagens mais marcantes da luta armada. Bonita e independente, contrariou convenções do seu tempo e os estereótipos da esquerda.
Carlos Lamarca apaixonou-se por ela quando se conheceram na militância da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), em 1969. Mesmo tendo oportunidade de deixar o país, Iara decidiu acompanhá-lo nas tentativas de implantação da guerrilha rural. Participou do grupo de treinamento comandado pelo companheiro no Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo.
Quando Lamarca se transferiu para o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e partiu para o sertão da Bahia, Iara ficou escondida em Salvador, onde foi descoberta, cercada e morta. Apesar de evidências e testemunhos que sustentam o seu assassinato, o Dops da Bahia divulgou a versão de que ela teria se suicidado no momento da prisão.
Anos antes, em 1969, vivendo clandestinamente no Rio, Iara tornara-se amiga da também jovem militante Dilma Rousseff. Quando tomou posse na Presidência da República, em janeiro de 2010, Dilma a homenageou em seu discurso.
Iara Iavelberg, militante do MR-8 morta em confronto com a repressão em Salvador
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