sexta-feira, 17 de maio de 2019

NOTA POLITICA O RETRATO SEM DISFARCES DE JORGE BISPO

NOTA POLÍTICA

O RETRATO SEM DISFARCES DE JORGE BISPO

Escrito por Clarissa Macau   
Seg, 26 de Agosto de 2013 15:55 (Revista Continente)
Tatiana, Flaira e Luiza em ensaio para o Apartamento 302Tatiana, Flaira e Luiza em ensaio para o Apartamento 302


Ele trabalhava como ator junto à família repleta de artistas no Rio de Janeiro. Certo dia comprou, sem muita pretensão, uma máquina para registrar memórias do cotidiano de ensaios e viagens e acabou percebendo que sentia mais prazer fotografando do que atuando. O acaso, apoiado por doses de iniciativa e inspiração, fez com que o carioca Jorge Bispo se tornasse um dos nomes mais conhecidos e talentosos da fotografia contemporânea brasileira.

Suas imagens estampam editoriais de importantes revistas de moda, cultura e comportamento, interpretando imageticamente artistas das mais diversas estirpes. Jorge Bispo retratou dos cineastas norte-americanos David Lynch e Spike Lee, ao escultor Francisco Brennand; do Rei Roberto Carlos à capas de discos de cantoras como Karina Buhr e Tulipa Ruiz. E jamais deixa de explorar a liberdade dos ensaios fotográficos autorais. Em Vestido de Noiva, atores como Gabriel Braga Nunes e Lázaro Ramos vestem a peça, objeto de sonho de boa parte das mulheres. Em Cidade de Deus, garotas da favela carioca posam glamourosamente, num editorial de moda situado entre as ruínas e a vivacidade da periferia.

Seu projeto mais conhecido, Apartamento 302, foi talvez o responsável pela sua chegada ao grande público, com milhares de acessos ao Tumblr da experiência‎. Nele, mulheres anônimas, nuas e sem nenhuma pós-produção, mostram, pelo olhar honesto do retratista, as várias nuances do corpo feminino. O projeto foi iniciado em abril de 2012 e está em fase de captação de recursos via crowdfundingpara ser lançado em livro, através da plataforma Catarse.

Fotógrafo e fotografados
Entre as fotografias comerciais e artísticas – ou as duas amalgamadas –, Jorge Bispo diz não preferir nenhum dos mundos, mas acatá-los igualmente. “Eu gosto de fazer retrato. Seja para qualquer área é o que gosto”, assinalando como estilo preferido, aquele no qual a comunicação direta entre fotógrafo e fotografado é a marca mais forte.

Formado em Artes Plásticas pela UFRJ e um dos nomes saídos do Curso Abril de Jornalismo de 2001, em cada sessão, Jorge Bispo sugere suas intenções, ao mesmo tempo em que procura respeitar as vontades de quem é clicado. “Como em qualquer trabalho, é uma relação profissional”, diz. Na sua opinião, acostumados a saírem nas capas de revistas, os mais complicados de dirigir são, sem sombra de dúvida, os artistas famosos. “Por causa da vaidade comum da maioria, acham que já sabem como ficam bem. Por isso, podem ser mais inflexíveis na hora de direcionar para um lado que eles tenham dúvidas”. Ainda assim, ele consegue transpor a identidade do retratado. É possível sentir, por exemplo, num retrato do cantor romântico Fábio Jr., a aura luxuosa e “donjuanesca” do artista. Numa composição, na intimidade da sua casa, não foram necessárias exageradas caras e bocas. Pela leitura de quem encara o célebre rosto, conhecemos uma nova faceta do intérprete da balada Alma gêmeaFábio Jr.Fábio Jr.

Graças a esse olhar único, Jorge conquistou um nome. “A fotografia comercial está me procurando cada vez mais para ter um pouco da minha visão sobre certo tema ou produto. Mas ainda assim, é diferente de ter total liberdade de um ensaio autoral”. A cantora, percussionista e atriz baiana, Karina Buhr, teve em 2012 a capa do seu disco Longe de Onde feito pelo carioca. “Admiro muito o trabalho dele. Ao mesmo tempo em que produz coisas mais comerciais, também faz coisas mais punks. É um olhar que fica marcado nas fotos, mesmo quando se muda o foco do trabalho, e quando as linguagens precisam ser diferentes. Ele não perde a personalidade nunca, pelo contrário, firma”, conta.

A capa do disco de Buhr surgiu da disposição do próprio Jorge Bispo. Na volta de um show noFestival Roskilde, na Dinamarca, a artista visitou o Marrocos. Lá, recebeu uma mensagem surpresa do fotógrafo perguntando se ela aceitava ser retratada durante a estadia na cidade marroquina de Casablanca. A ideia veio a calhar. “Eu pensava numas imagens minhas usando um véu, me perdendo pela multidão”, afirma a cantora. Não somente a capa ficou pronta, como também rolou um clipe para uma das faixas, “Cara Palavra”. Segundo ele, essa faceta de diretor de clipes mostra a união de duas experiências da sua vida: a arte cênica e a fotografia. “É algo que me dá prazer, e somente por isso faço. Não tenho grandes planos, dirijo clipes de artistas que tenho uma identificação”. Outro clipe dirigido por ele é “Menina do Salão de Beleza” do músico carioca Pedro Luís.

Ainda comentando sobre o trabalho do amigo, Karina aponta Apartamento 302 como um exemplo claro do estilo de Bispo. “Nesse ensaio, por exemplo, ele passa a alma, o respiro de cada figura que está ali. Isso é resultado de uma comunicação muito massa com quem ele vai fotografar”. Em seus retratos, Bispo está certo de que a troca de energia criada é um fator determinante para o bom retrato. “Além de qualquer técnica, é preciso comunicar de maneira mais direta possível”, bate na tecla, confirmando a hipótese de Buhr.

As figuras citadas por Karina são mulheres de todas as cores, formas, e principalmente, personalidades. Despidas de disfarces, ficam diante da lente com suas anatomias naturais, sem retoques de Photoshop, programa no qual ele diz, sem rodeios, não saber usar. Questionado se as imagens podem ser consideradas eróticas pela nudez presente, JB responde: “Essa pergunta é difícil. Eu acredito que não foi feito com essa expectativa. Mas entendo quem classifica assim. Esse é até um mercado que eu adoraria ver mais produção no Brasil”. Alíás, Jorge também tem trabalhos prestados para revistas eróticas. Um dos ensaios foi feito com a escritora Mayra Dias Gomes.

“Fotografias que têm o meu olhar, mas também seguem uma linha editorial de quem me contrata. Eu faço algo onde me reconheçam, mas também identifiquem o cliente. Eu adoro esse ensaio da Mayra, por exemplo. Eu gosto de muitas coisas diferentes”. ComparandoApartamento 302 ao ensaio citado, ele categoriza. “Os dois são coisas boas, mas distintos. Eu não preciso fotografar sempre da mesma maneira. O da Mayra é mais cinematográfico. O 302 é algo íntimo, mais formal. Sinceramente, acho até uma besteira se prender a isso”.

Capa do álbum de Karina BuhrCapa do álbum de Karina Buhr
Retrato real
Nas fotografias de Apartamento 302, é possível ver, nas mais de 40 mulheres retratadas, as marquinhas de sutiã, as sutis celulites, cicatrizes e tatuagens. A verdadeira e bela imagem das mulheres como elas são é a escolha do fotógrafo, um amante da imagem real, crua, em que a única interferência é a leitura e a interpretação do momento trocado e captado. Na maioria de seus trabalhos não há escolhas prévias de estruturas. “A foto que escolhe. Depende da locação, luz. A questão de ser preto e branco ou colorida é estética. E não de preferência minha. E sobre pós-produção artificial, não tenho nenhuma vontade de fazer trabalho calcado nisso. Quando preciso para trabalhos comerciais, eu faço fora”.

Apesar de sentir sua fotografia bastante livre, Jorge Bispo explica que seus enquadramentos são acadêmicos no sentido de valorizar linhas e formas simétricas. No início da carreira costumava usar a analógica Hasselblad com filme 120. Naturalmente foi deixando o filme de lado. Hoje usa uma câmera do modelo Canon 5D Mark, com filme Instax wide (uma espécie de filme digital). A transição para as máquinas digitais foi motivada pela praticidade e os prazos cada vez mais curtos do mercado editorial, além da qualidade da imagem.

“Qualquer experiência ou vivência que aumente a cultura visual é alicerce para o meu trabalho como fotógrafo. Seja uma faculdade ou um filme”, conclui. Jorge Bispo coloca à disposição do público as experiências dos ângulos humanos, independente de classe, sexo, cor e rótulos no qual seus retratos podem ser inseridos.

Nenhum comentário: