Este artigo é de total responsabilidade do autor e foi escrito por Genival Silva, licenciado em História pela Faculdade de Tecnologia e Ciências e especialista em Ensino de História: Novas Abordagens, pela Faculdade São Luis de França.
NA CONSTRUÇÃO DO MITO CHE GUEVARA
Neste artigo, foram selecionados alguns livros que pudessem oferecer uma possível revisão bibliográfica para compreender a construção do mito Che Guevara. O interessante é perceber o impacto que o mito provoca nessa construção, pois existe a problemática do mito e o reverso do mito. Enquanto o mito é um ser humano amável, compreensivo e destemido, para o reverso do mito, ele é um ser humano que mata, sem julgamento, seus companheiros revolucionários, numa busca constante pela revolução de cunho marxista, não se importando quem esteja em seu caminho.
No mais, a relevância dessa revisão é justamente porque o mito Che Guevara, tornou-se um símbolo de conforto para aqueles que se dizem oprimidos e alienados. Para Claudio Blanc, na Revista Grandes Líderes da História Extra-Che Guevara, (2008) quando relata sobre a construção de uma lenda afirma: “[...] no interior da Bolívia, camponeses pobres santificaram o guerrilheiro por conta própria. Em dificuldades, eles rezam pedindo ajuda a “San Ernesto Guevara”. (BLANC, 2008, p. 48). É possível imaginar o quanto o mito Che Guevara tenha influenciado e influencia até hoje muitas pessoas pelo mundo.
Para começar essa discussão, Marcelo Whately Paiva no livro, O pensamento Vivo de Che Guevara (1979), se preocupa em relatar o nascimento de Che Guevara em 24 de junho de 1928 na cidade de Rosário, Argentina, até a morte na Bolívia em 1967. Percebe-se em Paiva, a ênfase em demonstrar a trajetória de Che nas viagens com o amigo Alberto Granados, quando, ainda estudante de medicina da Faculdade de Buenos Aires, se encontra com Ricardo Rojo, o qual argumenta para Che não ir mais para a Venezuela, mas sim, para a Guatemala. Para Paiva, foi na Guatemala que Che encontrou seu limiar revolucionário. (PAIVA, 1987, p. 24). Contribuindo com Paiva, Florestan Fernandes ratifica no livro, Che Guevara: Política (1981).
[...] a barbárie do imperialismo, escondido atrás da “defesa da democracia”: fuzilamentos, derrubada de um governo constitucional, devolução das terras à United Fruit e abolição dos direitos dos trabalhadores. E de outro lado comprova a fragilidade dos governos e partidos reformistas, prisioneiros das estruturas do poder burguês. E a atitude das burguesias nacionais e suas forças armadas, que recuam ante a polarização das lutas, precipitando-se sob a proteção da dominação estrangeira. (FERNANDES, 1981. p. 13).
Diante desse episódio, para Fernandes, Guevara vê a abordagem dissimulada da democracia dos estadunidenses, pois ao tomar o poder na Guatemala os fuzilamentos são a primeira abordagem. Após esse fato naquele país, Guevara decide sair da inércia e toma a decisão de ir para o México começar o treinamento de guerrilha e participar da Revolução Cubana. Depois disso, Paiva afirma que Guevara “Já não é mais o médico, apaixonado em arqueologia, viajante aventureiro.” (PAIVA, 1987, p. 27). Mas que, em Guevara, paulatinamente vai crescendo um ódio para com os estadunidenses. Cuba é sua primeira experiência revolucionária, onde derruba o governo de Batista apoiado pelos norte-americanos em 1959, “sendo considerado o grande estrategista militar da revolução”. (BLANC, 2008, p. 07).
Ainda no livro de Paiva, muitos pensamentos de Guevara são explorados, dentre eles, o embasamento revolucionário nas ideias do filósofo alemão Karl Marx (1818- 1883), pois para Che, o filósofo é aquele que:
[...] interpreta a história, compreende sua dinâmica, prevê o futuro, mas, além de prevê-lo, e aí cessaria sua obrigação científica, expressa um conceito revolucionário: não basta interpretar a natureza, é preciso transformá-la. O homem deixa de ser escravo e se converte em arquiteto de seu próprio destino. [...] (PAIVA, 1987, p. 74).
Para Marx, o homem é o próprio autor direto de sua transformação social. Compreender a história não é suficiente, mas é, sobretudo, converter através da força a condição existente de escravidão para encontrar a liberdade inata ao ser humano. Edson Cabral no livro Vultos do Século XX: O Julgamento da História (1972) relata que, Marx considerava a religião na crença de um Deus como algo nocivo ao homem e se questiona,
[...] por que o homem haveria de sentir necessidade de criar esta imagem perfeita, este Deus? Porque é oprimido, sustenta Marx, e, criando Deus, se liberta, pelo menos na imaginação e na esperança, das cadeias a ele impostas pelo mundo em que vive. Mas isto é como fumar ópio: essa libertação puramente ideal é um sono que nos impede de enfrentar as adversidades da vida real. Marx conclui, afirmando que, para libertar efetivamente os homens é necessário combater para transformar a realidade da vida cotidiana. (CABRAL, 1972, p. 22).
Essa realidade cotidiana, expressada por Marx, está na teoria de que, ele acreditava no breve colapso do Capitalismo. Num mercado capitalista, para Marx, seriam criadas as condições necessárias para os proletários, os não proprietários, que pegariam em armas, onde construiria uma sociedade socialista inevitável da humanidade, um mundo sem lutas de classes, com a implantação do Comunismo. (CASSAL, 2009). Para Marx, na “revolução social nasceria uma sociedade nova; aos revolucionários cabia fazer nascer, do seio da velha sociedade, o novo mundo [...]”. (CABRAL, 1972, p. 78), a partir da ditadura do proletariado.
Para compreender um pouco mais do pensamento socialista de Che Guevara é imprescindível e relevante expor O Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848 por Karl Marx (1818-1883) e o amigo deste, Friedrich Engels, traduzido por Sueli Tomazini Barros Cassal em 2009. O Manifesto do Partido Comunista não poupa críticas ao Capitalismo. É o sistema Capitalista, o catalisador da miséria no mundo e, ao término do Manifesto, os proletários em escala global são convidados para se libertar da escravidão através da luta armada e alcançar a vitória socialista. Implantando o socialismo para que este evolua para o comunismo. Não mais haveria lutas de classes, mas uma economia mundial socializada. (CASSAL, 2009). Então, Marx e Engels terminam o Manifesto ratificando que:
Os comunistas recusam-se a dissimular suas concepções e seus propósitos. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser atingidos pela derrubada violenta de toda ordem passada. Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista. Os proletários nada têm a perder, exceto seus grilhões. Tem um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos! (MARX; ENGELS, 1848, p. 84).
Karl Marx morreu em Londres, a 14 de março de 1883. (CABRAL, 1972, p. 101) e não viu o equívoco de sua previsão de um conflito pan-europeu. Como relata Eric Hobsbawm no livro Era dos Extremos: O breve séculoXX: 1914-1991 que, “A Primeira Guerra Mundial envolveu todas as potências, e na verdade todos os Estados europeus, [...]” (HOBSBAWM, 1995, p. 31).
Sendo assim, os proletários do mundo se uniram para lutar contra outros trabalhadores a favor dos interesses dos países imperialistas. Diante disso, existe o questionamento: Marx não trouxe nenhuma contribuição para a História?
Para responder a essa questão oportuna, faz-se relevante a participação de Tiago Adão Lara no livro,Caminhos da Razão no Ocidente: A filosofia ocidental, do Renascimento aos nossos dias (1988), Lara é enfático ao afirmar que, Karl Marx contribuiu sim para a História porque “[...] Muitos estudiosos alinham-no ao lado de Galileu-Newton e Freud. O que esses foram, respectivamente, para física e para a psicologia, Marx teria sido, para a História [...]” .(LARA, 1988, p. 88).
Ainda para Lara, Marx foi apenas aquele que deu o primeiro passo no compreender da História, onde desejou não somente entendê-la, mas, sobretudo, transformá-la. Por conseguinte, Marx previu ainda, a derrota do Capitalismo com o nascer do socialismo e a implantação do Comunismo no mundo. Todavia, para Lara, “[...] a experiência não confirmou a hipótese. [...]”. (LARA, 1988, p. 88).
Claro que este artigo não possui a pretensão de analisar a teoria de Karl Marx, mas, revisar as obras que abordam o perfil biográfico do Mito Che Guevara para compreender o porquê deste e sua escolha pela luta revolucionária engendrada na ideologia do comunismo, conforme Claudio Blanc aborda na revista GrandesLíderes da História Extra-Che Guevara, publicada pelo Instituto Brasileiro de Cultura Ltda. (IBC). Concorda com Paiva que, realmente, as ideias de Karl Marx (1818-1883), forneceram o motivo da luta revolucionária para Ernesto Che Guevara. (BLANC, 2007, p. 15).
Analdino Rodrigues Paulino no livro, Che Guevara: Revolução Cubana (1979) apresenta Che como um teórico do comunismo ao frisar a teoria de cunho marxista de Che Guevara, relativa à implantação do comunismo:“[...] Para construir o comunismo, é preciso mudar o homem ao mesmo tempo em que se muda a base econômica”. (GUEVARA, 1979, p. 38).
Para Paiva, Guevara não possui crença em um Deus, mas nos homens. A fé começa e termina na consciência dos homens. Sendo assim, para Paiva, Che é um teórico que pensa a partir do ser humano e que, portanto, o social é o instrumento necessário para alcançar a sociedade comunista. Isso fica bem claro, na citação direta acima apresentada por Paulino.
Che Guevara no momento de conflito de guerrilha, quando se deparava com os feridos, seja do lado dos companheiros cubanos, seja do lado inimigo, não fez distinção de lado e exerceu o papel de médico. Nas palavras de Fidel Castro, Che Guevara “[...] prestando assistência aos companheiros feridos e assistindo, ainda, aos soldados inimigos feridos [...]” (PAIVA, 1987, p. 54).
Ainda no livro, Che Guevara: Revolução Cubana (1979), o autor coloca em ênfase duas cartas de Che: uma para Fidel Castro e a outra para seus pais. Na carta para Fidel, Che entrega seus cargos de Presidente do Banco Nacional, diretor de Junta de Planificações, Ministro da Indústria, Comandante de regiões militares e chefe de delegações políticas, econômicas ou fraternais.
Na carta para os pais, Che Guevara revela sua concepção socialista da História defendida por Marx: “[...]Acredito na luta armada como única solução para os povos que lutam para se libertar e sou coerente com minhas crenças. [...]”. (GUEVARA, 1979, p. 99). Então, Karl Marx através de suas ideias, oferece a Che, um instrumento necessário para alcançar a liberdade dos povos oprimidos.
UMA POSSÍVEL RUPTURA COM FIDEL CASTRO
Num breve pensar, o que levaria Che a se desligar de Cuba? Para essa questão, talvez não exista uma resposta aplausível, pois no livro de Paiva, Fidel fala de Guevara como um ícone revolucionário, contudo, no livro, Relatório da Cia, Che Guevara: Documentos Inéditos dos Arquivos Secretos (2007) o autor relata que:
[...] Ernesto “Che” Guevara foi o expoente político mais dogmático na ênfase dos incentivos morais para aumentar a produtividade. Mas a opinião de Castro prevalece sobre esta e outras questões, e Che desapareceu da cena cubana no começo de 1965. (BARNI; MUNHOZ, 2007, p. 07).
Entretanto para Florestan Fernandes, no livro, Da Guerrilha ao Socialismo: Revolução Cubana (2012), ao enfatizar que em toda revolução, o mito se faz necessário e se define em sua interpretação da própria história e “seu impacto utópico”, sendo Che Guevara e Fidel Castro aqueles que engendram mitos, tal como “homens de consciência íntegra” que não se limitaram aos obstáculos. (FERNANDES, 2012, p. 205), Assim,
[...] eles comoveram Cuba, a América Latina e toda humanidade contemporânea. Em um mundo destituído de grandeza e numa época histórica de negação do pensamento mítico, eles recuperam a imaginação mítica criadora, enlaçavam-na à liberação nacional de um povo semicolonial e cruzaram-na com o marxismo, revitalizando a vertente utópica deste último. (FERNANDES, 2012, p. 205).
No prefácio do livro Che Guevara: Revolução Cubana (1979) não há concordância com Barni e Munhoz, pois Fidel Castro expressa sua admiração por Che e lhe presta uma homenagem ao saber que este foi morto na Bolívia. Castro conceitua Guevara como:
[...] um homem excepcional capaz de conjugar em sua personalidade não apenas as características do homem de ação, mas também as do homem de espírito, do homem das mais puras qualidades revolucionária, às quais se uniam um caráter de ferro, uma vontade de ação, uma tenacidade indomável. (Guevara, 1979, p. 15).
Nesse prefácio, Castro, apesar de muitas vezes não aceitar as propostas de Guevara, como afirma Barni e Munhoz, verbaliza uma inegável admiração por Che, onde possivelmente não poderia haver uma ruptura. Mas que Guevara desapareceu de Cuba porque quis levar a revolução para a América Latina e para o mundo, onde Blanc relata que, Che participou de uma fracassada campanha revolucionária no Congo, África em 1965. Como Che sempre desejou destruir o capitalismo procurou encontrar algo que pudesse enfraquecê-lo. Observando que o Congo possuía um vinculo deficiente com o capitalismo, decidiu ir à África. Entretanto, a campanha foi um fracasso. (BLANC, 2007, p. 38).
Para Paiva, a vontade de promover a revolução era inevitável, sendo assim Che Guevara decidiu partir para a Bolívia. Mas, na Bolívia, Che encontrou seu término revolucionário com a morte no dia 09 de outubro de 1967. Paiva é enfático ao dizer que, “Che morreu como queria: lutando”. (PAIVA, 1987, p. 43). Com a morte do revolucionário, nasceu o mito Che Guevara. Todavia, o mito é difundido pelo mundo paradoxalmente.
O PARADOXO DO MITO
Os admiradores de Che Guevara procuram disseminar o mito cada vez mais, vendendo seus pensamentos em camisetas, escrevendo livros sobre a concepção política marxista, lançando filmes e outros, o mito Che encontrará seu paradoxo. Porque à medida que esses produtos chegam aos interessados através de movimentação monetária, constituirá num processo de mercado, onde haverá a oferta e a procura, assim, existindo a figura do capitalismo. Para compreender melhor essa relação de mercado, faz-se necessário citar mais uma vez Edson Cabral no livro Vultos do Século XX: O Julgamento da História (1972), onde este afirma que:
[...] O processo de produção e a distribuição atingem não mais um camponês, um artesão, cada país isoladamente, mas toda sociedade capitalista. [...] A massa da população que produz, produz somente para a vantagem do lucro de um restrito número de empresários; produz apenas no caso de que as mercadorias vendidas no mercado criem outros lucros para os “capitalistas”. (CABRAL, 1972, p.141).
Já para Miranda e Campos, no livro A escrita da História (2005), nasce o mito, mas está sendo vencido pelo seu grande inimigo, o Capitalismo, não mais através da luta armada, mas vencido pelo Imperialismo cultural. (MIRANDA; CAMPOS, 2005, p. 580). A foto de Alejandro Korda “[...] é a mais vendida da História, vistas milhares de vezes em pôsteres, chaveiros, camisetas, pratos, canetas, canecas. Ironicamente Che acabou sendo devorado pela indústria cultural”. (CAMPOS; MIRANDA, 2005, p. 580).
Até mesmo os livros que possuem uma pretensão apologética, o efeito paradoxal talvez seja imperceptível, mas ao passo que, vai existindo uma relação de mercado, o mito perde sua força alimentando a indústria cultural.
O REVERSO DO MITO
Para Jean-Paul Sartre (1900-1980), (apud BLANC, 2008, 48) conceituo Che como “não apenas um intelectual, mas também o mais completo ser humano mais completo da nossa era”. (BLANC, 2008, 48). Ao contrário do Che Guevara apresentado na obra O Livro Negro do Comunismo, (1999), que relata Che era um ser humano que pregava uma paz assassina, intolerante, que mata friamente por simples questões cotidianas. O revolucionário que pregava a liberdade dos homens, não encara a possibilidade de que suas ideias não fossem aceitas, pois caso uma pessoa dissesse que não aprovaria, Che considerava-a como sua inimiga. Sendo assim, o mito é o contrário do que foi construído pelos autores citados neste artigo.
Ainda para os autores de O Livro Negro do Comunismo (1999), Che é o reverso do mito. Como poderia Che se considerar como aquele que busca a paz entre os homens se no episódio em Sierra Maestra um jovem é fuzilado sem mesmo haver mera discussão para entender o porquê do roubo de um pouco de comida?
Para os autores desse livro, Che não foi um formidável conhecedor de economia e um ótimo estrategista militar. Quando Che estava à frente do Banco Central de Cuba, por falta de habilidade em economia, levou o Banco à falência. E no complemento disso, possuía admiração pelo ódio: “o ódio eficaz que faz do homem uma eficaz, violenta, seletiva e fria máquina de matar”. (MEIRA apud DEBRAY. 1999 p. 329). São vários fatos mostrados pelos autores e para eles não há dúvida do reverso do mito.
Para Claudio Blanc, na Revista Grandes Líderes da História Extra-Che Guevara, (2008), quando Che foi comandante da prisão do Forte de La Cabana por cincos meses, de 02 de Janeiro a Junho de 1959, cerca de 400 pessoas foram mortas naquela prisão. Guevara justificava sua violência porque não desejava que o povo fizesse justiça com as próprias mãos. Muitas pessoas foram executadas sem mesmo passar por um julgamento. (Blanc, 2008, p. 32).
Em 1962, quando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) quiseram implantar mísseis em Cuba, implicando numa crise diplomática entre Cuba e Estados Unidos da América, Che Guevara, nada diplomático, afirma que, “[...] se os mísseis estivessem sob controle dos cubanos, nós os teríamos usados’, justificando ainda mais o temor que os norte-americanos nutriam da ameaça cubana”. (BLANC, 2008, p. 33).
Diante desse relato, fica evidente que Che realmente desejava que a Revolução Cubana fosse realizada a qualquer preço, mesmo que para isso fosse necessário matar milhares de norte-americanos ou quem se colocasse em seu caminho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tentando compreender o porquê de tanta admiração pelo mito e o nascer deste a partir de sua morte, alguns autores selecionados não se propuseram a bordar as possíveis verdades criadas pelo mito. Porque, talvez, poderia despertar dúvidas na construção do mito idealizado como herói latino americano, ao contrário de outros autores que, não escamoteou o reverso do mito, onde conceituam Guevara como um assassino implacável.
Para os autores que acreditam no mito, Ernesto Guevara, realmente tinha o propósito de construir um mundo melhor quando começou a inquietar-se através de suas andanças pela América Latina, mas não suportou a ideia de ficar na inércia, mas, procurou fazer justiça através de suas verdades. Possivelmente, seu erro foi achar que poderia exterminar um sistema socioeconômico para alcançar a vitória tão almejada para construir um mundo no qual não existisse opressão, alienação e miséria. Entretanto, para os autores da obraO livro negro do Comunismo (1999), Che combateu o terror, porém quando chegou ao poder em Cuba, não fez outra coisa senão pregar o terror e a opressão, quando muitas vezes matou pessoas com acusações questionáveis.
Na polêmica aqui discutida, uma pergunta se faz relevante: o que fez o mito Che Guevara se tornar tão difundido pelo mundo? Para que se tenha uma possível resposta, Juan de Moraes Domingues, no artigo CHE GUEVARA: MITO, IMAGEM E IMAGINÁRIO (2008) com base na sociologia compreensiva, procurou investigar a concepção do imaginário do mito Che Guevara a partir da morte deste. Assim, afirma que foi o “[...] fato de não ter conseguido libertar a América Latina do “império norte-americano”, sua grande obsessão, tenha contribuído para a construção do personagem revolucionário”. (Domingues, 2008, p. 55). Logo, na trajetória revolucionária da guerrilha, criou-se um significado para a morte de Che Guevara, enquanto na vida, o seu mito.
Diante dessas discussões relativas ao nascer do mito, a partir dos possíveis pressupostos relatos heroicos do revolucionário Che Guevara, há concordância de que, um homem revolucionário e a morte deste, faz nascer o mito, e com o nascer deste mito, nasce, também, uma chama da esperança, de força pela luta contra as injustiças do mundo. Sendo assim, mantém-se firme o propósito da luta por um mundo sem miséria, sem marginalização social, econômica e política. Como bem relata Fernandes: “Não é assim por acaso que sua imagem estivesse presente nas manifestações de 68 em Paris, Roma, Frankfurt, Tóquio. E que grupos revolucionários tenham-se constituído na America Latina, Alemanha, Ceilão, tomando-o como referência”.(FERNANDES, 1981, 35).
O mito Che Guevara é um tema vasto sobre o qual não é possível esgotá-lo aqui neste artigo. Logo, para que se defina e compreenda o conceito do mito Che Guevara, seja mito ou o reverso do mito, que influencia o imaginário das gerações futuras, faz-se necessária uma análise mais aprofundada, pois o mito não deve ser compreendido em partes, mas em sua plenitude.
REFERÊNCIAS
BARNI, Roberta; MUNHOZ, Luciano. (Org.). Relatórios da CIA, Che Guevara: documentos inéditos dos arquivos secretos. Rio de Janeiro. Ediouro, 2007.
BLANC, Claudio. Grandes Líderes da História Extra-Che Guevara. Nº 1. São Paulo. Arte Antiga, p.4-49. 2008.
CAMPOS, Flavio de.; MIRANDA, Renan G. Che Guevara, o mito pop e revolucionário. In.______. A escrita da História. São Paulo. Escala Educacional, 2005. p. 580.
CABRAL, Edson. Vultos do Século XX: O Julgamento da História. São Paulo. Edições Melhoramentos, 1972.(Série Pró e Contra)
DOMINGUES, Juan de M. Che Guevara: Mito, Imagem e Imaginário. Imagem e Subjetividade. Nº19, Porto Alegre. Famecos/PUCRS, Agosto de 2008. p. 55-63.
FERNANDES, Florestan. (Org.) Che Guevara: Política. São Paulo. Ática. 1981.
FERNANDES, Florestan. Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana. 3. Ed. São Paulo. Expressão Popular. 2012. p. 205.
HOBSBAWN, Eric J. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo. Companhia das Letras, 2º Ed. 1995. p. 31
LARA, Tiago A. Caminhos da Razão no Ocidental: A filosofia, do Renascimento aos nossos dias. Petrópolis, 1998. p. 88.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista (1848). Trad. Sueli Tomazini Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 84)
PAIVA, Marcelo W. (Org.). O Pensamente Vivo de Che Guevara. São Paulo. Martin Claret, 1987.
PAULINO. Analdino R. (Ed.). Che Guevara: Revolução Cubana. São Paulo. Edições Populares, 3ª Ed. 1979. (Coleção América Latina: Série Nossa História, Nossos Problemas, v. 1).
STÉPHANE, Courtois. et al. O Livro Negro do Comunismo – Crimes, Terror e Repressão. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro, 1999. p. 329.
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