sábado, 7 de dezembro de 2013

MANDELA NUNCA QUIS SER HEROI NEM SANTO; É SUA MAIOR VIRTUDE

‘Mandela nunca quis ser herói nem santo; é sua maior virtude’

  • Pesquisadora da Chatham House diz que morte de líder terá impacto inicial positivo de reforçar unidade nacional na África do Sul
  • No entanto, Elizabete Azevedo-Harman vê riscos de retrocesso se CNA não superar dependência de sindicatos



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Crianças sul-africanas exibem fotos de Mandela no distrito de Soweto, em Johannesburgo: um legado para várias gerações futuras
Foto: Ben Curtis / AP
Crianças sul-africanas exibem fotos de Mandela no distrito de Soweto, em Johannesburgo: um legado para várias gerações futuras
BEN CURTIS / AP


GENEBRA - A portuguesa Elizabete Azevedo-Harman, especialista do Royal Institute of International Affairs (Chatham House), em Londres, estava pesquisando na África do Sul quando Nelson Mandela morreu. Viu o guarda da universidade de Cidade do Cabo desabar em choro e um país em comoção. Para ela, a África do Sul seguirá sem retrocesso o caminho atual, com o presidente Jacob Zuma provavelmente se reelegendo em 2014. A morte de Mandela, diz, terá um efeito positivo neste momento em que o país está marcado por escândalos financeiros e divisões políticas: lembrar aos sul-africanos da importância de união nacional, coexistência pacífica e valores de liberdade que Mandela defendeu.
Que caminho terá a África do Sul sem Mandela?
No curto prazo, a morte de Mandela terá impacto positivo. Os últimos dois ou três anos foram marcados por divisão política, escândalos financeiros e tentativas de limitação na liberdade de imprensa. A morte de Mandela vai relembrar ao mundo e, sobretudo, aos sul-africanos os objetivos de união nacional, de coexistência pacífica, valores de liberdade. Este curto prazo é muito importante porque haverá eleições em 2014. Tal como em vida Mandela foi um símbolo de unidade nacional, sua morte vai reforçar a unidade nacional na África do sul.
Quais os riscos de os líderes atuais perderem a oportunidade de reforçar esta trajetória de Mandela na próxima eleição?
As próximas eleições apontam para a continuidade. O presidente Zuma será candidato. Portanto, não parece que haverá grandes alterações no CNA (Congresso Nacional Africano, partido governista) para já. O CNA não é um partido: é uma coligação com partidos políticos e sindicatos. O maior desafio para os próximos quatro anos é se esta coexistência é sustentável. A África do Sul precisa encontrar novas novas formas de ocupar a mão de obra nas minas e enfrenta uma grande taxa de desemprego. Neste contexto, uma coligação que reúne partidos que governam e sindicatos que os contestam não parece sustentável.
Após a morte de Mandela, a senhora vê continuidade. Mas nenhum risco de retrocesso?
O presidente Mandela estava afastado da vida pública desde 2004. Ele pairava como figura pública, mas não intervinha. Daqui para a frente, penso que por causa disso, não vamos assistir a uma grande diferença. No último ano, houve sinais preocupantes, como pouca tolerância à liberdade de imprensa. Mas a sociedade civil e a imprensa sul-africana são muito fortes, e os partidos de oposição muito presentes. Será difícil haver algum retrocesso significativo em termos de liberdades. Há muitos guardiões da liberdade dispostos a manter as conquistas.
Esse é um legado de Mandela?
Idealizar demais é perigoso. Não podemos colocar todas as virtudes do que se passou só na figura de Mandela. Ele foi fundamental, mas há também pessoas anônimas e De Klerk (Frederik de Klerk, o último presidente do apartheid). É mais fácil receber do que dar o poder. De Klerk tem lugar junto à gloria de Mandela. Foram dois grandes homens que coexistiram na liderança deste país. Há ainda o bispo Desmond Tutu e o anônimo dentro do CNA que não sabe ler e escrever, mas que também perdoou a polícia que bateu nele ou matou o seu filho. Muita gente neste processo construiu o país que vemos hoje.
Mandela foi melhor como libertador do que como presidente como disse o jornalista sul-africano Mark Gevisser?
Difícil fazer avaliações deste gênero. Mandela presidiu numa primeira fase e chamou para integrar o governo pessoas com experiência, como o ministro das Finanças do governo anterior. Isso pode ter sido visto como rendição ao passado. Mas penso que não: era sua maneira de acreditar na coexistência entre brancos e negros. Ouvi também quem dissesse que Mandela não foi eficaz como líder da oposição, porque o movimento de libertação da África do Sul demorou a libertar o país do regime do apartheid, comparado com outros na África. Mas não é qualquer um que passa 27 anos na prisão. Portanto, é preciso ter respeito por Mandela. Sua vontade de ser apenas um presidente de transição foi um grande favor ao país. Mandela tinha todas as condições para se manter na Presidência, mas ele achou, ao contrário da maioria dos líderes africanos, que um mandato era suficiente. Este desapego ao poder foi uma de suas maiores virtudes.
O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, acusou Mandela de ter estendido demais as mãos aos brancos. O fato de que este tipo de crítica encontre eco hoje entre alguns membros do CNA não é preocupante?
Democracia não é ausência de conflitos, mas sim gestão de conflitos. Não podemos ficar chocados por ainda hoje haver opiniões diferentes sobre Mandela. Apesar de ser uma figura unânime mundial, ele nunca quis ser herói nem santo. É a maior virtude dele. Ele sempre tolerou as críticas. Houve sempre uma parte da sociedade que foi violentada, discriminada e torturada durante tantos anos que não teve nem tem a capacidade de perdão que Mandela teve. Se eu tivesse passado 27 dias numa prisão, teria muita dificuldade de sair e poder abraçar quem me prendeu. Imagine se tivesse passado 27 anos. Tem que ser alguém muito especial para isso.
E o Zimbábue vai muito pior do que a África do Sul...
Exatamente. Se Mugabe morresse, quantos no mundo iriam acender velas, como estão fazendo por Mandela?
Há hoje no CNA algum líder da estatura de Mandela?
Não, porque a geração de Mandela foi muito marcada pelo seu próprio contexto. Essa geração, que viveu sempre no tempo do apartheid, com coragem e heroísmo, terminou. A geração que veio depois tem outro tipo de desafios. Não quero dizer que o CNA não tem ótimas pessoas, qualificadas e com corações enormes. É que o contexto da África do Sul mudou. E contexto também faz heróis. O contexto da África do Sul de hoje não fará heróis como na época de Mandela.


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