sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

NELSON MANDELA E A LIÇÃO DA PEDAGOGIA ESTATAL POR IGUALDADE

Saudemos a vida e não apenas prantearmos o falecimento de Mandela. Neste momento em que os governos federal da Presidente Dima, estadual de Alckmin e o municipal de Haddad anunciam a adesão a políticas públicas de segregação de direitos raciais - cotas raciais - merecem luzes as reflexões e ideais que embalaram a Nelson Mandela. Os nossos defensores de leis de segregação falam e almejam a condição de "líderes raciais". Mandela não aceitou ser uma liderança racial e tornou-se o mito como um verdadeiro estadista: um combatente do racismo. De brancos ou de pretos. Na condição de um ativista contra o racismo destaco as principais lições que aprendi com ele: a luta pela igualdade deve ser sempre pela dignidade humana de todos. Não se pode transigir com as convicções mesmo diante do poderio estatal.
 
Na condição de integrante do Conselho da Comunidade Negra do governo de São Paulo, em 1991, tive a honra de compor o comitê de organização e recepção à visita do ex-preso político a São Paulo. Ainda não era o mito. Não tinha o prêmio Nobel da Paz. Não tinha sido eleito Presidente da África do Sul. Não tinha pronunciado seus grandes discursos. Nem tinha liderado a incrível transição pacífica naquele cenário pré-guerra civil. Era um homem simples. Generosamente simples, com a dignidade que sabia portador da causa de uma luta justa. Já contava então com mais de 70 anos, recém liberto e que iniciava um giro internacional denunciando e exigindo o fim do regime de apartação racial na África do Sul.
 
Para dar cunho de apoio político conseguimos que o governador Fleury o recebesse num almoço no palácio de governo e depois o acompanhamos até à sede da Prefeitura de São Paulo, no Ibirapuera, recebido com todas as honras políticas pela então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, hoje Deputada Federal pelo PSB/SP, onde, mesmo muito cansado pela viagem e atividades na véspera, no Rio de Janeiro, nos brindou com um discurso emocionante, agradecendo e pedindo mais apoio dos brasileiros para se estabelecer a dignidade humana na África do Sul, cuja síntese ele repetia e repetia: era a igualdade de direitos de todos em face do estado, sintetizado em cada pessoa o mesmo direito de cidadão, um voto.
 
A campanha contra o regime do "Aphartheid" foi vitoriosa e em 1994, Mandela foi eleito Presidente e governou até 1999, não aceitando ser candidato à re-eleição embora tivesse mais de 80% dos votos. No exercício da presidencia, num de seus discursos pronunciou uma síntese da única pedagogia estatal contra o  racismo ao consagrar uma lógica que, atualmente, em 2013, os governantes brasileiros teimam em desconsiderar ao adotar a segregação de direitos em bases raciais.  A lição de Mandela é a de que ninguém nasce racista. São ensinados pelo estado a serem racistas e merecem ser reeducados pela pedagogia  estatal da igualdade humana.
 
Como ativista tenho alegado contra a pedagogia de direitos raciais segregagos atualmente praticados no Brasil - cotas raciais - essa perversa pedagogia estatal que ensina as pessoas a classificarem e, no futuro, a se odiarem em razão da outorga de direitos segregados, sempre lembro e cito essa lição dita no referido discurso de Mandela: "Ninguém nasce odiando outra pessoa em razão da cor da pele. Eles foram ensinados a odiar. E, se aprenderam, são humanos. Se são humanos, nós podemos lhes ensinar a amar. Podemos lhes ensinar que todos os humanos nascem iguais"
 
Desde o nascimento do racismo - uma construção social para opressão - impondo a classificação humana pela hierarquia racial, na qual a "raça negra" é a base inferior, sempre que o estado adotou a identidade racial/étnica para outorgar direitos, alimentou o racismo e produziu iniquidades, guerras e genocídios. EUA, Ruanda, Índia, Alemanha, África do Sul, Kosovo, Iraque e dezenas de conflitos étnicos são exemplos que se refletem no cotidiano da humanidade. Não há uma só experiênica exitosa de políticas estatais em bases raciais.
 
Em janeiro de 1988, meses antes da celebração do ´Centenário da Abolição´ da escravatura e ainda nos trâmites dos trabalhos da constituinte que nos outorgou a Constituição Federal em 05/10/1988 na qual pela primeira vez conseguimos tipificar o racismo como crime no Brasil, ao lado de outros membros do Conselho da Comunidade Negra do governo de São Paulo, participei de um ato exigindo o fim do sistema de apartação racial na África do Sul e pela libertação de Mandela que estava preso desde 1963, portanto ia fazer 25 anos de condenado à prisão perpétua: num gesto simbólico de solidariedade exigimos o fechamento do STAND patrocinado pelo governo racista da África do Sul, na ´Feira da Bondade´, no Parque Anhembi em São Paulo. Fato noticiado e repercutido pela imprensa internacional.  
 
http://advivo.com.br/documento/militao-1988-fechamento-do-stand-da-africa-do-sul 
 
Com essa atividade política no Brasil, na fase de transição entre a ditadura militar e a democracia que conhecemos com a CF/1988, chocamos a classe média paulista e brasileira que desconhecia - ou não se importava - com o sistema político racista vigente na África do Sul. 
 
Com o falecimento de Mandela que seus ideais nos sirva de reflexão e não só saudemos sua vida, mas apreendemos com suas principais lições: a luta pela dignidade humana de todos. E que não devemos desistir. Nem transacionar com nossas convicções. Mesmo diante do imenso poderio estatal: "Durante a minha vida, me dediquei à luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, e lutei contra a dominação negra. Eu defendi o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e conseguir realizar. Mas, se preciso for, é um ideal para o qual estou disposto a morrer."

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