Marcel Gascón.
Johanesburgo, 6 dez (EFE).- Poucos homens mudaram o rumo da História como Nelson Mandela, um lutador incansável que, mesmo tendo passado 27 anos na prisão, conseguiu derrotar o regime racista do 'apartheid', um dos mais impiedosos do século XX.
O carismático ex-presidente sul-africano morreu nesta quinta-feira aos 95 anos, que causou enorme consternação não só em seu país, onde é um herói nacional, mas em todo o mundo, onde se tornou símbolo da esperança e do triunfo do espírito humano.
Seu longo e tortuoso caminho para a liberdade da África do Sul começou na aldeia de Mvezo, onde Rolihlahla Mandela (o nome de Nelson foi dado mais tarde por uma professora) nasceu em 18 de julho de 1918.
Após uma disputa de seu pai, um líder tribal, com as autoridades, o pequeno Mandela se mudou para a cidade vizinha de Qunu, onde passou sua infância cuidando do gado.
Madiba, nome de seu clã e apelido pelo qual é carinhosamente chamado na África do Sul, estudou em vários colégios destinados à elite negra, onde compreendeu a injusta inferioridade que a maioria negra sofria frente à minoria branca do país.
Seus estudos foram interrompidos em 1940, por apoiar um protesto estudantil na Universidade de Fort Hare, o que quase provocou sua expulsão do centro, seguido da decisão de seu tutor de casá-lo com uma menina por quem não estava apaixonado.
Mandela tomou então a decisão que mudou sua vida: fugir para Johanesburgo. Ali começou trabalhando de guarda em uma mina e entrou em contato com o Congresso Nacional Africano (CNA), partido pelo que ficou quase trinta anos de cativeiro.
Madiba fundou as Juventudes do CNA em 1944, quando se casou com sua primeira mulher, Evelyn Ntoko Mase, com quem teve quatro filhos.
Em 1952, Mandela abriu com seu correligionário Oliver Curral o primeiro escritório de advogados negros da África do Sul, e se iniciou nos primeiros protestos contra o 'apartheid', regime de segregação racial instaurado pela minoria branca em 1949.
Cinco anos teve seu primeiro fracasso familiar e se separou da esposa. Logo depois Nomzamo Winnie Madikizela, com quem se casou em 1958 e teve duas filhas.
Cada vez mais entregue à luta anti-racista, em 1956 foi acusado de alta traição por uma suposta tentativa de golpe de Estado.
Apesar de ter sido declarado inocente, o processo desembocou na ilegalização do CNA em 1960.
Foi o mesmo ano do massacre da cidade de Shaperville, onde morreram 69 manifestantes negros por disparos da polícia.
A partir daí, Mandela atuou na clandestinidade e, apesar abraçar a ideia de resistência pacífica do líder indiano Mahatma Gandhi, radicalizou sua postura, criou o braço armado do CNA e viajou pela África para receber treinamento e captar fundos.
Em 1962, foi detido e condenado a cinco anos de prisão por abandonar ilegalmente o país e incitar à greve.
Semanas depois, as autoridades desmantelaram o centro de operações do CNA e começou o Julgamento de Rivonia, e em 1964 foi condenado a prisão perpétua por sabotagem.
No julgamento, como brilhante orador que era, Mandela pronunciou do banco dos réus um de seus discursos mais célebres.
'Lutei contra a dominação branca e contra a dominação negra. Abriguei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual todas as pessoas convivam em harmonia e igualdade de oportunidades', disse com voz firme.
'É um ideal que espero alcançar em vida. Mas, se for necessário, é um ideal pelo que estou disposto morrer'.
Mandela foi conduzido em um voo secreto à prisão da ilha de Robben Island, onde se tornou o famoso 'preso 46664' e onde viveu por 18 anos, até sua mudança a outra prisão em 1982.
A crescente pressão da comunidade internacional, que endureceu as sanções contra o regime do 'apartheid', abrandou o governo sul-africano, que ofereceu a liberdade várias vezes a Mandela, embora este a tenha recusado repetidamente porque sempre se tratava de condicional.
Finalmente, em 11 de fevereiro de 1990, um Mandela de terno, sorridente e com o punho erguido saiu a pé da prisão, dias depois de o presidente sul-africano, Frederik de Klerk, legalizar o CNA.
Em 1993, Mandela e De Klerk foram agraciados com o Prêmio Nobel da Paz por promover o fim pacífico do 'apartheid' e a reconciliação do país.
Já em 1994, Madiba fez história ao ser eleito presidente nas primeiras eleições multirraciais da África do Sul.
Após meia década no governo, o primeiro presidente negro da África do Sul deixou o cargo em 1999 e se retirou da vida política.
Um ano antes, Mandela se tinha casado com Graça Machel, viúva do presidente moçambicano Samora Machel, após se divorciar-se de Winnie.
Embora tenha deixado a política, seguiu na vida pública como mediador internacional e promotor de causas solidárias a partir de sua Fundação e do Fundo da Luta contra a Aids, mas sua saúde se ressentia e em 2001 teve diagnosticado um câncer de próstata.
Em 2004, Mandela anunciou sua retirada definitiva da vida pública. 'Não me chamem, eu os chamo'.
Madiba apareceu em público pela última vez no encerramento da Copa do Mundo da África do Sul de 2010.
Sua popularidade esteve sempre acompanhada de um assédio midiático que durou até seus últimos dias de vida, com legiões de jornalistas acampados diante do hospital de Pretória, onde o ex-presidente estava internado e na frente de sua casa, prontos para dar a notícia de sua morte.
'Quando saí da prisão, o que mais desejava não era a liberdade, mas voltar a minha vida comum: trabalhar em meu escritório, sair para comprar pasta de dentes na farmácia, visitar meus amigos', confessou Mandela em sua autobiografia. Este talvez tenha sido o único sonho que não conseguiu realizar. EFE
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