quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A ESCALADA DO SOFRIMENTO DOS REFUGIADOS - ANGELINA JOLIE

KHANKE, Iraque — Desde 2007 já estive no Iraque cinco vezes e nunca vi sofrimento maior como o que testemunhei dessa última vez.

Fui visitar os campos e assentamentos informais onde iraquianos desalojados e refugiados sírios chegam, desesperados em busca de abrigo e proteção contra a luta que toma conta das regiões onde vivem.

Em quase quatro anos de guerra, quase metade da população da Síria, que é de 23 milhões de habitantes, teve que se deslocar. Dentro do Iraque, mais de um milhão fugiu do conflito e do terror impostos pelos grupos extremistas. Essas pessoas são testemunhas de uma brutalidade inominável. Seus filhos não podem estudar, elas lutam para sobreviver e se veem cercadas de violência por todos os lados.

Há vários anos visito os acampamentos e todas as vezes procuro me sentar com os moradores e ouvir suas histórias. Tento dar todo o apoio que me é possível, dizer algo que mostre solidariedade e oferecer uma diretriz, alguma referência de esperança – mas desta vez não encontrei palavras.

O que dizer a uma mãe, com lágrimas nos olhos, que fala da filha que está nas mãos do Estado Islâmico e confessa que preferia estar com ela? Mesmo que fosse estuprada e torturada, afirma, seria melhor do que não ter a menina ao seu lado.

O que dizer a uma garota de treze anos que descreve os galpões onde ela e outras ficaram e de onde eram tiradas, três por vez, para serem estupradas pelos homens? Quando seu irmão descobriu, se matou.

Como articular alguma coisa quando uma mulher da minha idade me olha nos olhos e diz que viu a família ser morta na sua frente e agora vive só com um mínimo aceitável de comida para sobreviver?

Em uma das barracas, conheci oito irmãos. Órfãos. O pai foi morto, a mãe desapareceu, provavelmente feita refém. O rapaz de 19 anos é o que sustenta a todos. Quando comento que é muita responsabilidade para alguém tão jovem, ele só sorri e põe o braço no ombro da irmã caçula. Afirma que se sente agradecido pela oportunidade de trabalhar e ajudar. E é sincero. Ele e sua família são a esperança de algum futuro. São fortes e determinados contra todas as expectativas.

Nada prepara a gente para a realidade de tanto sofrimento individual, para as histórias de dor e morte, o olhar traumatizado e faminto das crianças.

Quem pode culpá-los por acharem que desistimos deles? Estão recebendo uma fração da ajuda humanitária de que necessitam. Não houve nenhum avanço nas tentativas de acabar com a guerra na Síria desde que as negociações de Genebra fracassaram, há um ano. O país arde em chamas e várias regiões do Iraque estão em conflito. As portas de muitas nações se fecharam. Não há a quem recorrer.

Os países vizinhos da Síria precisam receber um volume de assistência muito maior para suportar o fardo insustentável de milhões de refugiados. As iniciativas humanitárias da ONU sofrem de uma carência drástica de fundos. As nações fora da região devem oferecer proteção para os mais vulneráveis se reerguerem – as vítimas de estupro e tortura, por exemplo. Acima de tudo, porém, a comunidade internacional tem que encontrar um caminho para o acordo de paz. Não basta defender nosso valores em casa, nos nossos jornais e nas nossas instituições; é preciso fazê-lo nos campos de refugiados do Oriente Médio e nas cidades fantasmas, em ruínas, da Síria.

Angelina Jolie é diretora, enviada especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e uma das fundadoras da Iniciativa de Prevenção da Violência Sexual.


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