Gordon Parks era apenas um adolescente quando deixou Fort Scott, sua cidade natal, no Kansas. Mais novo de 15 irmãos, Parks decidiu ganhar a vida sozinho depois da sua morte de sua mãe e acabou se tornando o primeiro fotógrafo negro da revista Life.
The Huffington Post por Priscilla Frank no BrasilPost
Somente dois anos depois de sua primeira pauta para a Life, Parks voltou para casa para um ensaio sobre a segregação racial na educação. Em uma viagem para Fort Scott em outras cidades próximas no Meio Oeste americano, Parks fotografou seus ex-colegas de escola da infância, capturando seus rostos, famílias e casas e registrando detalhes sobre suas ocupações e rendas. O ensaio, por razões que permanecem desconhecidas, nunca foi publicado, e as imagens nunca tinham sido vistas.
Foi quando Karen Haas, curadora do Museum de Belas Artes de Boston, deparou com uma imagem de Parks que mudou tudo.
“O museu decidiu fazer uma grande publicação de nossas coleções afro-americanas, em todos os departamentos”, explicou Haas em conversa por telefone com o The Huffington Post. “Me pediram que escrevesse as entradas dos fotógrafos afro-americanos, porque é um interesse particular meu. Uma das fotos de Gordon Parks era meio que um mistério — ela é simplesmente intitulada ‘Do lado de fora do Cinema Liberty’ e retrata um jovem casal em frente de um cinema segregado. Contatei a fundação Gordon Parks e juntos descobrimos que essa foto foi tirada em Fort Scott, Kansas, e faz parte de uma matéria maior que é pouco conhecida, porque nunca foi publicada na Life. Foi aí que tudo começou.”
“Elas nunca foram expostas juntas antes, muitas delas jamais tinham vindo a público. São completamente desconhecidas; a fundação não conhecia a foto, ninguém sabia exatamente do que se tratava. Isso não é incomum para um fotógrafo de revista. Sem a âncora de uma reportagem, não havia por que elas virem à luz do dia. Havia esse rastro, esse fio que eu persegui para entender a história dessa foto.”
Dessa imagem original nasceu uma exposição. Haas refez a viagem de Parks em busca de seus antigos colegas de uma escola só para negros, visitando Kansas City, Saint Louis, Detroit e Chicago – todos os lugares menos Columbus, Ohio, para ver o que sobrava dos espaços que o fotógrafo havia imortalizado. “Para Parks, foi uma viagem de volta ao passado, para apresentar essa questão nacional para os leitores da Life, em sua maioria brancos, através das lentes da sua vida.”
As imagens pungentes retratam a vida cotidiana dos negros americanos nos anos 1950 – jogando sinuca, lendo um livro, assistindo a um jogo de beisebol —, sempre sob as regras da segregação. Junto com as imagens, Parks registrou detalhes das vidas de seus ex-colegas. Normal Earl Collins, por exemplo, estava bem, ganhando 1,22 dólar por hora na Union Electric de Missouri.
“O que adoro nas fotos é como me sinto olhando para as expressões nos rostos. Vejo o orgulho que cada família sentia posando diante de suas casas”, explica Haas. “Parks fez um esforço para que seus sujeitos posassem diante das casas com suas famílias nucleares — como muitas famílias posavam para a Life. Aquela pose de família de classe média. Retratar famílias negras diante de suas casas deve ter sido um choque para os leitores, acredito. Fico fascinada com os olhares. Todos confiam no amigo, não apenas um negro como eles, mas alguém que também cresceu no Kansas. O que eles viveram juntos, a pobreza, as dificuldades da infância. E agora ele é um fotojornalista famosos de Nova York, uma história de sucesso. E cada um deles confia em Parks, conta suas histórias.”
Não é surpresa que, a partir do momento em que as 42 fotos foram instaladas nas paredes, a reação de funcionários e visitantes foi avassaladora. “Foi incrível falar com as pessoas nas galerias, ouvir suas reações. Ficamos surpresos com o fato de que as imagens parecem contemporâneas e são oportunas até hoje, obviamente. Eis um fotógrafo que tinha acabado de começar na Life, havia menos de dois anos. Eles lhe pautaram essa reportagem sobre a segregação na educação e ele já tinha a liberdade para concentrar a matéria em sua própria infância. Não me parece datado. Parece que há muito a dizer sobre [as fotos].”
Essa não é a primeira vez que uma exposição de Gordon Parks causa impacto. “Segregation Story” (“História de segregação”, em tradução livre), em cartaz no High Museum, em Atlanta, mostra uma família vivendo sob a segregação de Jim Crow, na mesma década. As imagens de Parks, apesar de capturarem uma época completamente diferente, ainda conversam com um país no qual as questões do racismo são pronunciadas, seja olhando para os assassinatos cometidos por policiais ou para as indicações ao Oscar.
Uma das principais esperanças de Haas em relação à exposição era conectar-se com os filhos dos personagens de Parks – os sujeitos estão todos mortos, como Parks. “Os filhos eram minha esperança”, disse ela. “Passei muito tempo fazendo pesquisas genealógicas. Tentei encontrar vários deles, mas não tinha sorte. Até que outro dia o telefone tocou. Era uma menina de uma das fotos, que hoje está perto dos 70. Ela está aposentada e mora no Arizona. Tivemos uma conversa incrível sobre sua mãe, a amizade da mãe com Gordon Parks e como ela teve a chance de fazer muitas das coisas que sua mãe não pôde. A filha dela conseguiu um diploma para ser professora e um doutorado, viajou o mundo. Foi muito emocionante.”
“Só de pensar que posso mandar as fotos para ela por e-mail, ler as frases da mãe dela no anuário da escola e olhar a foto dela tocando piano e o que aquilo tudo significava. Posso olhar para o que teria representado a imagem de uma menininha negra para os leitores da Life lá atrás, nos anos 1950. Era um sinal do compromisso das pessoas. Elas estavam investindo num instrumento musical caro para os filhos, com aspirações em relação ao futuro.”
A exposição, cheia de beleza, sofrimento, orgulho e injustiça, é forte e corta o coração. Observando as imagens, somos surpreendidos por uma combinação de estupefação e horror, com a força desses sujeitos e as dificuldades que eles enfrentaram. Essa marca agridoce lembra os sentimentos de Parks em relação a sua formatura:
“Há 24 anos, caminhei orgulhoso para o meio do palco e recebi um diploma. Éramos 12 (seis meninas e seis meninos) naquela noite. Nossas emoções misturavam tristeza e alegria. Nenhum de nós entendia por que nos primeiros anos de nossa educação estávamos separados dos brancos, nem perguntamos o motivo. A situação existia desde antes de nosso nascimento. Entramos inocentes aos seis anos e saímos mal-ajustados… nove anos depois.”
“Gordon Parks: Back to Fort Scott” fica em cartaz até 13 de setembro de 2015 no Museu de Belas Artes de Boston. Veja abaixo uma prévia da exposição.
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