Flávio Thales Ribeiro Francisco
No mês de janeiro de 1924, surgia o jornal O Clarim da Alvorada, criado por Jayme de Aguiar e José Correia Leite. O periódico fazia parte da imprensa negra paulista, um conjunto de jornais editados por jornalistas negros e voltados para os negros da cidade e do Estado de São Paulo. Já no ano de 1915, eles circulavam pelas cidades para trazer aos seus leitores informações relacionadas principalmente aos clubes sociais da população negra. Os jornais estampavam imagens dos sócios mais ilustres destas instituições e publicavam notas de solenidades e outras atividades recreativas.
Apesar da condição de pobreza de grande parte dos negros que viviam na cidade de São Paulo, a publicação de artigos tratando da penúria destes e do preconceito de cor não era freqüente. Contudo, os jornalistas não deixavam de chamar a atenção para a necessidade do negro se educar e andar bem trajado para que pudesse ser visto com bons olhos pelos outros. Essas publicações das comunidades negras paulistas foram consideradas como uma primeira etapa da imprensa negra, uma espécie de ensaio para periódicos com abordagens deliberadamente políticas que viriam pela frente.
Nesse sentido, O Clarim da Alvorada inaugura uma nova fase dessa imprensa que, se sempre teve uma carência de recursos financeiros, pelo menos naquele momento passou a contar com jornais estáveis e com uma tiragem maior do que a das publicações da fase anterior. Ao invés de se restringir ao universo dos clubes sociais dos negros da cidade, o jornal procurou trazer notícias e opiniões de lideranças negras que problematizavam o papel do negro na sociedade brasileira.
As opiniões publicadas nas páginas de O Clarim da Alvorada eram relacionadas ao papel da população negra na construção da nação brasileira. O argumento dos jornalistas e colaboradores que escreveram para o jornal era o de que, apesar da abolição da escravatura, o negro não havia se integrado à sociedade brasileira de maneira satisfatória. Mesmo com a liberdade em mãos, ele não soube se preparar para uma nova fase que exigia, sobretudo, uma mudança nos seus valores morais, voltados para a ética do trabalho no universo capitalista.
Assim não deixa de ser comum a idéia de que a população negra do período pós-abolição vivia em condições semelhantes, ou piores, do que as da escravidão. Alguns dos textos publicados no periódico sugerem que a geração de jovens negros da década de 1920 colocava em risco todo o legado das gerações anteriores. Tanto os escravos como os abolicionistas negros são considerados como heróis e representantes de um patriotismo negro que perdia o seu significado à medida que a mocidade preta de São Paulo mergulhava em vícios como a bebedeira e a vadiagem.
Os jornalistas de O Clarim da Alvorada e os ativistas do movimento negro que se formara na década de 1920 se apresentaram como uma liderança para elevar o moral dos negros da cidade de São Paulo. Esse grupo se organizou a partir da criação do Centro Cívico Palmares no ano de 1927, espaço onde se reuniam e discutiam a questão racial. No periódico, José Correia Leite e Jayme de Aguiar defendiam uma disciplina rígida para o comportamento dos negros, que deveriam usar a educação formal como um meio de assimilar os valores vigentes da elite paulistana. A instrução, nesse sentido, seria o elemento primordial para a ascensão social dos negros da cidade de São Paulo.
O processo de integração dos negros brasileiros, entretanto, não viria somente com a aquisição de uma boa educação e a conquista de um bom emprego. Era necessário também que a população negra fosse reconhecida como parte fundamental da nação brasileira. Aqui é fundamental lembrar que as idéias racistas e evolucionistas ainda condicionavam de maneira profunda o pensamento de intelectuais, determinando o uso de políticas oficiosas contra as populações negras do país. Nesse sentido, o trabalho dos militantes negros do período era o de criar uma imagem digna e modernizada do negro brasileiro, ou uma imagem que fosse completamente dissociada da natureza degradada da escravidão.
A intenção por trás da publicação de artigos sobre a questão do negro no Brasil era a de afirmar uma identidade brasileira que levasse em consideração o papel do negro no progresso econômico do país. Antes mesmo que Gilberto Freyre estabelecesse as bases da idéia de democracia racial, valorizando o papel do negro na constituição da sociedade brasileira, os jornalistas de O Clarim da Alvorada já refletiam sobre um imaginário nacional onde a população negra, assim como a indígena, pudesse ocupar o espaço de protagonista.
Este negro protagonista deveria ser uma figura moderna, que acompanhasse o desenvolvimento da economia, assim como acontecia no Estado de São Paulo. Por isso, o discurso do jornal deixava de lado a questão da cultura brasileira, pois esta representava o atraso do negro, um conjunto de manifestações que contrastava com a modernidade paulista.
Embora, por volta de 1930, O Clarim da Alvorada começasse a questionar as relações entre negros e brancos no país, deixando de culpar a população negra pela sua própria condição, a idéia de integração ainda continuou pautada pelo ingresso do negro a uma modernidade brasileira. Nesse sentido, a imagem do Brasil enquanto uma comunidade formada pelo amálgama de negros, indígenas e brancos permanecia forte entre as lideranças que publicavam seus artigos em O Clarim da Alvorada. Assim, as experiências negras norte-americanas surgiram aqui como um dos elementos definidores do lugar do negro no Brasil.
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