Até que enfim! (Maristela Farias)
1. “O Brasil levará séculos para se libertar do estigma da escravidão.” Quem assim escreveu foi o abolicionista Joaquim Nabuco, ministro de D. Pedro II.
2. Passou-se mais de século, e aí estamos na mesma toada. Já que todos se exprimiram, largamente, tecendo veementes desconsiderações à figura de Joaquim Barbosa, gostaria de exprimir o sentimento que extraí destas leituras. Sentimento não jurídico, mas cultural.
3. É o de um fel que escorre para fora (com máscara) e para dentro (sem máscara) querendo tratar como uma inversão de papéis o fato de um negro, de origem pobre, ter mandado uma plêiade (branca) do poder à cadeia.
4. Exagero? Talvez. Mas é assim que parece. Se fosse outro a presidir o Supremo, a reação seria assim tão desmesurada? Afinal, não foi Joaquim que mandou ninguém à prisão; a decisão foi de um colegiado.
5. Ocorreu, sim, num 15 de novembro; e daí? Depois de 550 mil páginas de processo e oito anos de delongas, qualquer dia seria dia para o início da execução da pena.
6. Por que estas críticas tão ressentidas contra este homem negro e de origem pobre? Só por que é um outro Joaquim; não, aquele da aristocrática família Nabuco? São essas as distorções que se vê a torto e a direito. Fui à academia de ginástica e vi aquela fieira de babás negras e de origem pobre tendo de aturar os desaforos sem conta de crianças mimadas à espera da aula de natação.
7. O mesmo ocorre no plano desta República. Os que foram detidos estão sendo tratados como meninos mimados, que se sentem ultrajados por babás que não aceitaram suas imposições de meninos.
8. O Brasil cresceu, aos trancos e barrancos. Expandiu-se em muitos domínios e até na percepção de valores. Mas continuamos nós, que pertencemos a uma elite letrada, a tratar os demais com o ranço do senhor de escravos, querendo dar chibatadas em serviçais de toda ordem. De babás a ministros do Supremo.
9. Quando o futebol surgiu entre nós, logo após a Lei Áurea, era um esporte das elites. O Botafogo, do Rio, não admitia em seus estatutos a presença de “trabalhadores braçais”, ou sejam, os mestiços, pardos e negros. Era uma forma de “descartar” toda esta gente de um esporte que só aceitou o primeiro negro como jogador profissional, no Vasco, na década de 1920.
10. Pois é esta a gente que faz o Brasil de hoje. Acresce que Joaquim foi nomeado por Lula. Ao invés de destilarem sua acidez e fel, os fãs dos condenados deveriam se orgulhar de terem conduzido um negro, deste porte e mérito pessoal, ao mais nobre cargo da República.
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