quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A RIQUEZA DA NIGÉRIA E OS ATAQUES FUNDAMENTALISTAS

BRASIL DE FATO

Ali está uma das maiores reservas de minério fóssil do mundo, cerca de um milhão de quilômetros quadrados de puro petróleo (...)Apesar de ser um país laico é justamente a religião que vem sendo usada para dar vazão aos desejos de apropriação da riqueza
14/01/2014
Por Elaine Tavares*

A riqueza que se esconde sob o solo da Nigéria é sua desdita. Ali está uma das maiores reservas de minério fóssil do mundo, cerca de um milhão de quilômetros quadrados de puro petróleo. Há jazidas de outros minérios, mas o principal é o óleo negro, que representa 20% do Produto Interno Bruto do país, 95% das exportações e 80% da receita nacional. Não é sem razão que a guerra esteja corroendo seu território e matando sua gente. A lógica da terra arrasada para melhor dominação ainda segue em vigência naquelas paragens e nesse caldo de guerra à morte pelas riquezas, é a religião que vem sendo usada para “justificar” a barbárie. Em nome de “deus” grupos de várias cores se digladiam para tomar conta do petróleo.
Nos últimos meses o chamado “grupo radical islâmico” Boko Haram tem protagonizado uma série de ataques, de requintado terror com o objetivo de, segundo pregam, estabelecer a Sharia (lei islâmica) nos 36 estados que conformam o país. A Nigéria tem hoje 174 milhões de habitantes, sendo o país mais populoso do continente e o sétimo país mais populoso do mundo. Convivem no seu território mais de 500 grupos étnicos, mas os mais expressivos são os hauçás, os igbos e os iorubás. Do ponto de vista religioso o país é praticamente dividido entre os que professam a fé cristã (mais centrados no sul) e os muçulmanos (ao norte), mas também há os que praticam as religiões tradicionais como as igbo e iorubá.
Apesar de ser um país laico é justamente a religião que vem sendo usada para dar vazão aos desejos de apropriação da riqueza. Nascido no norte, onde predominam os muçulmanos o grupo Boko Haram foi fundado em 2002, na cidade de Maiduguri, no Estado de Borno, por Ustaz Mohammed Yusuf, que o liderou até 2009. Hoje o comando está nas mãos de Abubakar Shekau e a sede foi levada para a cidade de Kanamma, onde fica o que chamam de central operativa "Afghanistan". Desde ali, o grupo vem realizando sequestros e atentados contra as forças policiais nigerianas e contra a população civil.
Desde o final de 2001 que o norte do país vive em estado de alerta e o governo chegou a declarar estado de emergência em função da sequência de atentados e ações violentas, inclusive contra centros educacionais, já que eles acreditam ser a educação laica um grande mal. Até o ano passado, essa luta era considerada uma questão interna e não havia muita informação sobre o grupo. Mas, no início de 2014, o ataque a uma escola cristã, no qual os integrantes do Boko Haram queimaram vivas 60 crianças, colocou o problema em evidência nos jornais europeus. Pouco depois o grupo invadiria a cidade de Bama, num ataque violento deixando milhares de vítimas e famílias desalojadas.
O mês de abril trouxe mais uma notícia envolvendo o Boko Haram. Militantes invadiram outra escola, desta vem em Jibik, seguindo com a campanha contra a educação ocidental e sequestraram mais de 200 meninas, as quais o líder prometeu colocar à venda depois de convertê-las ao islã. Relatos de meninas que conseguiram escapar – divulgados nos jornais europeus - dão conta de violações sexuais e outras torturas, além da degola quando se recusavam a conversão.

Conheça o país
A Nigéria congrega atualmente quase um quarto da população do Oeste Africano. Embora menos de 25% estejam vivendo na zona urbana, existem cerca de 24 cidades com população de mais de 100.000 habitantes. O país tem uma grande taxa de fecundidade e um exponencial crescimento populacional. O Departamento de Recenseamento dos Estados Unidos, que está de olho no país, estima que a população da Nigéria atingirá 356 milhões em 2050 e 602 milhões em 2100, ultrapassando os próprios Estados Unidos como o terceiro país mais populoso do mundo.
A Nigéria está de frente para o oceano atlântico, na parte oeste do continente africano, bem na voltinha que se encaixaria no nordeste brasileiro na mítica Gaia. Faz divisa com Camarões, Benim, Níger e Chade. No seu território está parte do maciço de Adamawa, ou as Montanhas Gotel, com 2419 metros, em Chappal Waddi, o ponto mais elevado do país. Seu tamanho é um pouco maior do que o estado brasileiro do Mato Grosso e língua oficial  é o inglês.
Antes da dominação portuguesa e britânica o território era espaço do império Kanem-Bornu, que dominou a parte norte da Nigéria por mais de 600 anos. Era uma próspera rota de comércio entre os norte-africanos e o povo da floresta. Ao longo de sua história o povo daquele lugar constituiu sistemas de organização política muito bem elaborados, tanto que em 1471 quando os portugueses desceram pelo litoral africano encontraram uma corte próspera com a qual estabeleceram, em princípio, laços comerciais até o fim do século XVI, quando começou com mais intensidade o trafico de escravos.
Durante os séculos que se seguiram os portugueses e os britânicos dominaram a região estabelecendo entrepostos para a realização do melhor negócio daqueles tempos, que era o tráfico humano. No ano de 1886 foi criada a Companhia Real do Níger, sob o comando da Inglaterra e em 1900 esse país europeu já fincava suas garras no lugar, criando os protetorados. Em 1914 formaram a colônia da Nigéria, cujo nome surgiu da fusão entre as palavras Niger (do rio Níger) e area (palavra inglesa para "área"), e foi dado pela mulher do Barão Lugard, que administrava o território naqueles dias.
A independência veio no ano de 1960, no rastro de todo o processo de libertação que tomou conta do continente. Mas, de qualquer forma, a ascendência inglesa continuou, pois havia riqueza demais para ser deixada para trás. Internamente o país seguiu em convulsão e em 1966 grupos militares se enfrentam na disputa pelo poder. A etnia mais expressiva, a dos igbos, chegou a declarar independência em 1967, criando, a partir de uma sangrenta guerra civil, a República de Biafra. Mas, ao final foram derrotados. Desde aí o país vem passando por sucessivos golpes e alguns momentos de governo civil. Atualmente, o presidente é Goodluck Jonathan que, sendo vice, assumiu o cargo em função da morte de Umaru Yar´Adua, escolhido em eleições livres na chamada Quarta República iniciada em 1999, quando retomou-se democracia, o que no caso da Nigéria foi a retomada das eleições e o fim do segundo regime militar.
Nas análises recolhidas dos periódicos europeus – que dão maior cobertura à política dos países africanos – há uma generalizada crença de que o presidente Goodluck tem sido bastante fraco na ação contra o chamado “grupo radical”. E há que se levar em conta também a sistemática intervenção das potências ocidentais na região. Os britânicos seguem por lá. Os Estados Unidos tem uma base militar justamente na fronteira norte do país, a qual rastreia com seus drones. Há quem defenda que o Boko Haram tenha sido – tal qual o Al Kaeda – criado pela inteligência estadunidense para desestabilizar o país tornando-o alvo seguro para uma ocupação. Não nos esqueçamos que ali estão grandes reservas petrolíferas. Além disso, a Nigéria vem se destacando como uma grande potência regional. O seu PIB, em 2013, foi o maior do continente, 500 bilhões de dólares. O pequeno país é uma mina de ouro, enquanto a sua população vive entre a pobreza extrema e a ameaça de extermínio. O país tem os piores índices de qualidade de vida. Uma contradição só explicada pela voracidade da classe dirigente, sempre aliada aos interesses estrangeiros. Hoje, o rentismo petroleiro é prioritário. A economia tradicional, baseada no cultivo do cacau, café, banana e azeite de dendê está entregue às moscas e o país importa alimentos.
Recrudesce a ação do Boko Haram
Nas últimas semanas as ações do grupo islâmico fundamentalista voltaram a tomar conta das manchetes. Além de seguir com o rapto de crianças, o grupo as utiliza como bombas vivas nos ataques que realiza pelo norte e noroeste do país. Poucos jornais arriscam dizer o número seguro de vítimas provocadas pelo grupo, mas já passam de milhares. As técnicas são justamente o assassínio em massa, as ações suicidas, violações e o uso dos prisioneiros  - maioria meninas  - como escravos.
Os jornais europeus dão conta de que no último dia de 2014 mais 40 crianças foram raptadas no estado de Borno. E, na semana em que ocorria o atentado na França, o Boko Haram atacou a cidade de Baga, deixando mais de dois mil mortos. Conforme relato de testemunhas ouvidas pelo jornal português “O Público”, eles chegaram atirando a esmo, matando quem encontravam pela frente, e quem se escondeu dentro de casa foi queimado vivo. O Ministério da Defesa nigeriano nega que tenham sido duas mil pessoas mortas, diz que foram “apenas” 150. As Nações Unidas não confirmam o número de mortos, mas diz que existem mais de 150 mil pessoas desalojadas e em êxodo na região norte.
O fato é que os ataques do Boko Haram podem esconder interesses bem mais profanos do que a vontade de implantar o islã. Com o fim do bloco socialista e a impossibilidade de criar o inimigo “comunista”, agora as nações ricas já consolidaram um outro inimigo comum: o “terrorista”, que, inclusive, tem cara e nome árabe. É inegável que os grupos extremistas existem e atuam de maneira ultra violenta. Mas, também é preciso considerar que muitos deles são incentivados e financiados pelos países centrais para criar o caos. Isso já aconteceu no Afeganistão, no Iraque, na Síria. Depois, eles servem de argumento para missões de ocupação estrangeiras e toda a riqueza dos países invadidos escoa para fora.
A Nigéria está em processo eleitoral, o novo presidente será escolhido agora, em 14 de fevereiro. Assim, as ações, cada dia mais violentas, do Boko Haram estão mergulhadas nesse contexto. Na segunda-feira (12/01), o grupo atacou uma base militar no vizinho país, Camarões, o que o torna ainda mais perigoso. Segundo informações de jornais europeus, a batalha durou cinco horas e 150 pessoas morreram. Também se sabe que a França tem sido um país bastante atuante na Nigéria chegando inclusive a organizar uma conferência com os presidentes da Nigéria, Camarões e Benin para constituir um plano de defesa. Como convidados especiais da reunião compareceram também a Inglaterra e os Estados Unidos. Os argumentos para a presença dessas potências e o interesse da França são de que o Boko Haram teria ligações com a Al Kaeda e poderia ser um perigo para a Europa.

Então. Tudo está ligado. Há mais coisas aí do que pode sonhar nossa capacidade de conspiração. Enquanto isso, milhares de pessoas estão em fuga.

*Com informações dos jornais O Público, El País, Euronews

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