Em dezembro, o novo Código Penal de Moçambique legalizou o aborto e derrubou duas leis que davam margem para a criminalização da homossexualidade
Por Marcelo Hailer
Em dezembro de 2014, com a reforma do Código Penal, Moçambique se tornou o quarto país africano a legalizar o aborto e a regulamentar uma série de dispositivos que já eram praticados pelos hospitais públicos do país. O novo código também eliminou duas leis da época de colônia, que davam margem para a criminalização da homossexualidade, e reafirmou a lei trabalhista que proíbe a demissão por orientação sexual e gênero.
Por Marcelo Hailer
Em dezembro de 2014, com a reforma do Código Penal, Moçambique se tornou o quarto país africano a legalizar o aborto e a regulamentar uma série de dispositivos que já eram praticados pelos hospitais públicos do país. O novo código também eliminou duas leis da época de colônia, que davam margem para a criminalização da homossexualidade, e reafirmou a lei trabalhista que proíbe a demissão por orientação sexual e gênero.
Com esta reforma, Moçambique apresenta um Código Penal mais avançado que o do Brasil e de muitos países ocidentais. Porém, pouco ou quase nada foi noticiado e discutido por aqui. As únicas notícias que chegam da África dão conta do conflito armado na Nigéria. E, mesmo quando Moçambique se tornou notícia nos meios brasileiros, foi quando a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), hoje o maior partido de oposição, ameaçou desfazer o tratado de paz assinado em 1994 por ela e pelos revolucionários da Frelimo (Frente de Libertação Moçambique), que atualmente governa o país.
Desde então, Moçambique vive sob o regime presidencialista e pluripartidário que, em outubro, elegeu Filipe Nyusi (Frelimo) à presidência da República. Hoje, o país conta com mais de dez partidos, destaque para a Frelimo, Renamo e MDM (Movimento Democrático Moçambique), um racha da Renamo. Ao lado de Angola e África do Sul, Moçambique tem se destacado pelo crescimento econômico e pelos fortes debates políticos e sociais. A reforma do Código Penal mobilizou a sociedade moçambicana para discutir temas como aborto e a questão LGBT.
À Fórum, Policarpo Mapengo, jornalista moçambicano, disse que já desistiu de encontrar coberturas positivas sobre a África nos meios de comunicação do Ocidente. “Não crio mais ilusões sobre a cobertura dos meios de comunicação ocidentais sobre a África. Sei que a única coisa que eles querem e gostam é mostrar uma África curvada aos seus pés, uma África de miséria, de guerras, de ignorantes e de mortes em cada esquina, ou então uma África de cabanas e leões”, critica Mapengo.
Conversamos, também, a respeito do vanguardismo do Código Penal aprovado pelo governo. “Alguns pontos podemos chamar de vanguarda por terem sido transportados para o papel. A questão de aborto, por exemplo, não tínhamos nesta vertente mais clara e protetora que aparece na lei, mas já se podia fazer aborto nos hospitais mediante algumas condições”, analisa Mapengo sobre a legalização do aborto em seu país.
Geralmente, a imprensa tradicional do Ocidente – quando trata da questão LGBT em países africanos, asiáticos e do Oriente Médio – se foca naqueles onde há pena de morte para orientações sexuais fora da norma. Mapengo conta que, em Moçambique, esta é uma questão que a sociedade ainda não se decidiu. “Quanto à questão LGBT, ainda há uma espécie de linha confusa onde se é difícil perceber exatamente como é que a sociedade pensa sobre isto”, relata.
Fórum – Na recente reforma do Código Penal, o governo de Moçambique legalizou o aborto, reforçou a lei trabalhista que proíbe a demissão por orientação sexual e identidade de gênero e revogou leis da época da colônia que davam margem para interpretações homofóbicas. O que pensas deste momento político de Moçambique? Podemos chamá-lo de vanguarda?
Policarpo Mapengo - Alguns pontos podemos chamar de vanguarda por terem sido transportados para o papel. A questão de aborto, por exemplo, não tínhamos nesta vertente mais clara e protetora que aparece na lei, mas já se podia fazer aborto nos hospitais mediante algumas condições. Penso que o país sempre teve em consideração o risco que as mulheres correm pelo aborto clandestino. A questão de gênero também tem levantado um debate interessante no país e que vai criando alguns pontos avançados.
Policarpo Mapengo - Alguns pontos podemos chamar de vanguarda por terem sido transportados para o papel. A questão de aborto, por exemplo, não tínhamos nesta vertente mais clara e protetora que aparece na lei, mas já se podia fazer aborto nos hospitais mediante algumas condições. Penso que o país sempre teve em consideração o risco que as mulheres correm pelo aborto clandestino. A questão de gênero também tem levantado um debate interessante no país e que vai criando alguns pontos avançados.
Fórum – A aprovação destes temas no novo Código Penal causou muita polêmica? Como foi recebido esse debate pela sociedade?
Mapengo - A aprovação do Código Penal foi motivo de debate polêmico, não necessariamente por estes pontos, mas sim pela forma como se propunha a tratar a questão de violação da mulher. Ficava uma ideia que beneficiava o violador e muitos movimentos da sociedade civil levantaram-se contra o código por essa razão. Quanto à questão LGBT, ainda há uma espécie de linha confusa onde se é difícil perceber exatamente como é que a sociedade pensa sobre isto. É difícil ainda dizer-se o que se pensa de uma forma geral. Existem algumas pessoas da sociedade civil que aparecem a defender o direito dos homossexuais e um outro grupo que se opõe claramente. Entre estes dois grupos, há uma maioria silenciosa que não dá muito espaço para perceber o que pensa. É assim, algumas pessoas defendem o direito de homossexuais porque acreditam que cada um deve ter a liberdade de viver a sua vida independentemente da sua orientação sexual; outros (podes até achar que isto é estúpido, mas é real e já falei com muitos sobre isto) defendem porque isso faz passar para a sociedade a imagem de vanguardistas e modernos; um outro grupo é realmente contra porque, simplesmente, não faz sentido.
Mapengo - A aprovação do Código Penal foi motivo de debate polêmico, não necessariamente por estes pontos, mas sim pela forma como se propunha a tratar a questão de violação da mulher. Ficava uma ideia que beneficiava o violador e muitos movimentos da sociedade civil levantaram-se contra o código por essa razão. Quanto à questão LGBT, ainda há uma espécie de linha confusa onde se é difícil perceber exatamente como é que a sociedade pensa sobre isto. É difícil ainda dizer-se o que se pensa de uma forma geral. Existem algumas pessoas da sociedade civil que aparecem a defender o direito dos homossexuais e um outro grupo que se opõe claramente. Entre estes dois grupos, há uma maioria silenciosa que não dá muito espaço para perceber o que pensa. É assim, algumas pessoas defendem o direito de homossexuais porque acreditam que cada um deve ter a liberdade de viver a sua vida independentemente da sua orientação sexual; outros (podes até achar que isto é estúpido, mas é real e já falei com muitos sobre isto) defendem porque isso faz passar para a sociedade a imagem de vanguardistas e modernos; um outro grupo é realmente contra porque, simplesmente, não faz sentido.
Fórum – Geralmente, a imprensa ocidental centra a sua coberta em países africanos que penalizam LGBT, mulheres, que aplicam pena de morte e/ou países que vivem sob o transtorno de grupos terroristas. Quando países africanos aprovam legislações mais avançadas que muitos países ocidentais, pouco se fala. Como você avalia a cobertura dos meios de comunicação ocidentais sobre a África?
Mapengo - Não crio mais ilusões sobre a cobertura dos meios de comunicação ocidentais sobre a África. Sei que a única coisa que eles querem e gostam é mostrar uma África curvada aos seus pés, uma África de miséria, de guerras, de ignorantes e de mortes em cada esquina, ou então uma África de cabanas e leões. Moçambique geralmente é destaque nos grandes canais ocidentais quando muita gente morre de inundações ou há ataques militares. Para quem, como meu, cresceu a ver isso, a ver, vindo do Ocidente, imagens de uma África degradada, não pode ter ilusões de pensar que os meios de comunicação ocidentais podem se importar com leis avançadas. É [mais] importante para eles mostrarem essa África que mata LGBT e mulheres do que uma África como Moçambique que, apesar de muito ainda ter que se fazer, procura proteger as mulheres e crianças.
Mapengo - Não crio mais ilusões sobre a cobertura dos meios de comunicação ocidentais sobre a África. Sei que a única coisa que eles querem e gostam é mostrar uma África curvada aos seus pés, uma África de miséria, de guerras, de ignorantes e de mortes em cada esquina, ou então uma África de cabanas e leões. Moçambique geralmente é destaque nos grandes canais ocidentais quando muita gente morre de inundações ou há ataques militares. Para quem, como meu, cresceu a ver isso, a ver, vindo do Ocidente, imagens de uma África degradada, não pode ter ilusões de pensar que os meios de comunicação ocidentais podem se importar com leis avançadas. É [mais] importante para eles mostrarem essa África que mata LGBT e mulheres do que uma África como Moçambique que, apesar de muito ainda ter que se fazer, procura proteger as mulheres e crianças.
Fórum – Moçambique vive um clima de paz desde 1994. Na tua opinião, hoje em dia Moçambique é um exemplo político para o continente africano? Estas ações políticas ficam restritas à capital ou encontram inserção nas cidades do interior?
Mapengo - Moçambique ainda não é exatamente um exemplo político, principalmente pelos últimos acontecimentos. Ainda temos coisas por fazer para tornar este um país onde se respeitam as diferenças. Ainda temos dificuldades de, politicamente, olhar para o outro como diferente, mas não como inimigo. Essa intolerância vem de todos os lados, até mesmo da oposição ao governo do dia. Esta é uma batalha que ainda estamos a travar e está a ser travada não só na capital. É claro que na capital há uma maior dinâmica, mas o país está a se encontrar. Agora com um novo governo estamos num país de expectativas.
Mapengo - Moçambique ainda não é exatamente um exemplo político, principalmente pelos últimos acontecimentos. Ainda temos coisas por fazer para tornar este um país onde se respeitam as diferenças. Ainda temos dificuldades de, politicamente, olhar para o outro como diferente, mas não como inimigo. Essa intolerância vem de todos os lados, até mesmo da oposição ao governo do dia. Esta é uma batalha que ainda estamos a travar e está a ser travada não só na capital. É claro que na capital há uma maior dinâmica, mas o país está a se encontrar. Agora com um novo governo estamos num país de expectativas.
Foto: Marcha Mundial das Mulheres
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