Leonardo Sakamoto
“Vai defender viado no inferno.''
A frase, que ouvi um bom tempo atrás, foi proferida por jovens, brancos e saudáveis, com dentes fortes e cabelos penteados, quando passavam por mim de um carro maior do que a sala e a cozinha do meu alugado apartamento. Reduziram a marcha, gritaram uns impropérios e – taca-lheo pau – sumiram no horizonte.
Mandei um beijinho e eles refutaram. Prova de que ainda falta amor em São Paulo.
Já tratei deste caso aqui, mas acho que vale o resgate. Minha mente doentia imaginou o resgate de um cervo entre as labaredas de uma área afetada pelas chamas cuspidas por um vulcão ou algo do gênero por ninguém menos que Katniss Everdeen (a.k.a. Jennifer Lawrence), em Jogos Vorazes.
Mas, decerto, os meninos de sorriso bonito não queriam dizer isso.
Como cantaram os pneus e se foram, não deu tempo de informá-los que – infelizmente – não acredito na existência do Mar de Enxofre, o que impossibilitaria que o xingamento em questão gerasse algum incômodo real.
Também acredito que o Capeta, bem como todo o conjunto do Sobrenatural (em letra maiúscula, para ninguém achar que fui desrespeitoso), seja uma criação nossa. E como o Demo, o Tinhoso, o Imundo, o Capiroto, o Cão, o Coisa Ruim, Aquele-que-não-se-diz-o-nome, o Matreiro, o Sujeito, não existe, somos nós os responsáveis pelas nossas ações que provocam dor em outras pessoas.
Duro isso, né?
Além do mais, gays, lésbicas, transexuais, enfim, não precisam de ninguém que os defenda. A parcela dos autointitulados “cidadãos de bem'' que vomitam seu preconceito sobre aqueles e aquelas que não conseguem entender é que precisam ser defendidos.
Defendidos do mal que fazem a si mesmos, porque causam um dano sem tamanho à sociedade, propagandeando de pai para filho as mesmas ideias absurdas e pré-concebidas sobre quem tem direito a ter direito.
Precisamos defender os homofóbicos e demais intolerantes deles próprios antes que seja tarde demais e consigam fazer de sua vida (e a de outros) um inferno real.
Todos têm direito a expressar sua fé, como todos deveriam ter direito a ter sua orientação sexual e identidade respeitadas. Mas se tentativas de legalizar tratamentos para “curar gays'' tiverem sucesso, sugiro reciprocidade. Vamos curar a (pequena) parcela fundamentalista de cristãos, muçulmanos, judeus e todos aqueles que, dentro das religiões, adotam comportamentos de ódio, acreditando que amor é desvio.
Ainda mais porque escolhemos nossa fé e não a orientação sexual. E lutar pelos direitos LGBTT nunca matou ninguém. O mesmo não posso dizer do já citado fundamentalismo.
Ao final, vendo aquele carro lindão indo embora com os rapazes, suspirei fundo. Não por mim, mas por eles. É um absurdo que a essa altura da história nossa sociedade ainda tenha situações como essa. Não de ofensa a blogueiros, mas de demonstração pública de intolerância.
Uma sociedade que não tem vergonha de fazer isso é aquela que, de tempos em tempos, espanca e assassina gays e lésbicas. Que abriga seguidores de uma pretensa verdade divina que taxam o comportamento alheio de pecado e condenam os que julgam diferentes a uma vida de terrível aqui na Terra, tornando real – enfim – o que suas escrituras sagradas chamaram de inferno.
E, se não bastasse isso, representantes políticos (que deveriam garantir que direitos fossem válidos a todos os cidadãos) agem não para fazer valer o Estado de Direito, mas sim incentivar a intolerância, empurrando a sociedade para o precipício.
Gostaria que nos déssemos conta que já passou o momento de sairmos de nossa zona de conforto e começarmos a educar nossos filhos para viverem sem medo. E não para serem inimigos de quem não usa o pênis para dominar o mundo.
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