Não se deixem enganar, turistas, pelas imagens de nosso carnaval em que os foliões estão em roupas mínimas. Isso é apenas um pequeno fragmento de nossa cultura. Se quiserem conhecer um país liberal, com ideias progressistas, não venham ao Brasil.
Turistas estrangeiros e suas ideias equivocadas sobre carnaval, maconha e aborto no Brasil (Imagem: Pragmatismo Político)
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Confesso que esta tese carece de comprovação científica da Antropologia, Sociologia ou afim, mas habita o meu imaginário e, tenho convicção, o de grande parte da população, a ideia de que os turistas vêm para o Brasil esperando encontrar um país em que as pessoas são mais liberais e divertem-se sem maiores pudores.
Bem, se é verdade essa nossa ideia, minha consciência diz que devemos avisar aos turistas que eles estão enganados. Somos um dos países mais caretas do mundo. Aqui, aliás, não devia mais ser considerado o País do Carnaval, do samba e assemelhados. Nós devíamos receber fieis das mais diversas religiões em suas peregrinações. Quando eu digo das mais diversas religiões há que se excluir, é claro, as de matrizes africanas, pois elas não são, amiúde, muito bem aceitas pelas religiões mais tradicionais. Sobretudo porque as religiões afros costumam ser muito benevolentes. Há casos de líderes dessas religiões que são homossexuais, vê se pode.
E aproveito isso para já falar de uma de nossas principais caretices. É proibido, no Brasil, ser homossexual. Um deputado fundamentalista religioso contrair-me-á. Dirá que não é crime ser homossexual no Brasil, que estou exagerando, defendendo uma minoria, e que isso, defender a minoria, não é democracia. Não exagero. Os homossexuais ainda não podem casar livremente em nosso País. Em tese podem, mas passam por tantos processos burocráticos antes, que muitos desistem da formalização. Também não é facultado aos homossexuais, num país em que os abrigos estão abarrotados de crianças aguardando uma nova família que talvez nunca virá, adotar uma criança. É o mesmo caso do casamento. Em tese, pode, mas a burocracia e a pressão contrária é tanta, que muitos casais homoafetivos desistem da adoção. Que fiquem, as crianças, nos abrigos até completarem a maioridade para depois seu destino a Deus pertencer. E não estou, com isso, defendendo que se deve permitir que casais homossexuais possam adotar só para os abrigos diminuírem. Apenas causa-me estranheza que a sociedade (e as leis!) preferem que as crianças fiquem nos inóspitos abrigos a um fraterno lar, nas mãos, e exclusivamente Dele, de Deus.
E já que o assunto é Vossa Divindade, gostaria de ressaltar outra caretice nossa. Esqueça essa história de República laica. Isso está só no papel. Aqui, no Brasil, somos obrigados a ter uma religião. De preferência cristã, é claro. O ateísmo é combatido com o ostracismo social. As instituições públicas, em sua maioria, estão protegidas por um crucifixo. Obra de arte nos prédios públicos, para diminuir a poluição visual, é algo raro de se ver. É tido como bobagens. Gasto desnecessário. Mas um vistoso crucifixo vale o investimento do erário. Uns dizem que protege. Outros alegam que a ciência do sofrimento de Cristo por nós serve de vigilante moral. Alguns argumentam que, se não faz bem, mal também não faz. Mas aí a questão: se mal também não faz, por que não colocam algum artefato das religiões afros? Se não fizesse bem, mal também não faria…
Afora isso, o Congresso conta cada vez mais com membros ligados à religião. Até aí tudo bem. Alaicidade estatal pressupõe o direito à religiosidade. O problema é que os parlamentares estão balizando seus mandatos pelos seus dogmas. Estão transcendendo a ideia de que as pessoas são livres para seguir as suas religiões. Querem tornar os dogmas eclesiásticos em regras comuns a todos. Confundem liberdade de seguir a religião com obrigatoriedade de segui-la. A Bíblia está sobrepondo-se à Constituição Federal.
Turistas, se acham que vão vir pra cá e fumar um baseadinho para abrir a mente e o apetite, voltem à Europa. Aqui a maconha é ilegal. Declaramos guerra às drogas. E ela é tão nossa inimiga, que todos os dias dezenas de inocentes são mortos em decorrência do tráfico. Mas o tráfico não é nosso problema. Combatemos, incompetentemente, o tráfico porque queremos acabar com as drogas. E se tu fores pego fumando, turista, estarás lascado. Será tratado como bandido. Se for pobre, então, a associação ao tráfico será a acusação da qual terá que defender-se.
Turistas, vocês sabem que somos um país com muita pobreza. Mas não pensem que as mulheres pobres que, indesejavelmente, engravidam, podem fazer um aborto seguro pelo nosso sistema público de saúde. O aborto é proibido aqui no Brasil. Mas é mais ou menos como a maconha. Os que têm mais condições podem fumar maconha sem terem maiores problemas. Os pobres é que devem se cuidar ao consumi-la. Com o aborto ocorre essa mesma lógica. As mulheres pobres abortam em casa ou em clínicas clandestinas, pondo suas vidas em risco. As que têm condições optam por clínicas de ginecologia e obstetrícia conceituadas e com o máximo de segurança que a Medicina oferece. Há dados que mostram que centenas de mulheres pobres morrem nesse procedimento anualmente, mas, sob o paradoxal argumento de defesa da vida, o aborto é proibido no Brasil.
Façam uma pesquisa, turistas que creem que somos liberais. Perguntem quem é a favor da volta daditadura. Vocês, que estão acostumados com as democracias em seus países, se surpreenderão com o número de pessoas que responderão que não só são favoráveis como empunham cartazes emmanifestações pleiteando a volta do totalitarismo em nosso Brasil livre. E muitos dos argumentos, as surpresas não param, falam que naquela época não havia essas sem vergonhices de hoje em dia. Dez da noite tava todo mundo em casa assistindo à novela que, naquela época, não tinha essas sem vergonhices de beijo gay.
Não se deixem enganar, turistas, pelas imagens de nosso carnaval em que os foliões estão em roupas mínimas. Isso é apenas um pequeno fragmento de nossa cultura (e não falta quem critique essa pocavergonha. Mulheres seminuas dançando). Se quiserem conhecer um país liberal, com ideias progressistas, não venham ao Brasil. Aqui é o país dos paradigmas atrasados e dos conceitos anacrônicos.
*Delmar Bertuol é escritor, membro da Academia Montenegrina de Letras, graduando em história e colaborou para Pragmatismo Político
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