nEntrevista com Clara Charf
Quem é Clara Charf?
Clara Charf - ex-companheira de Carlos Marighella é feminista, petista, lutadora da causa por igualdade e liberdade. Nascida em Maceió, é de família judia-russa, pobre. Despertou na cidade do Recife para a luta política e os problemas sociais do país e do mundo, que vivia o fim da Segunda Guerra Mundial e o fim do nazismo; nessa época tinha 20 anos de idade. Foi muitas coisas: trabalhou como datilógrafa, interprete, taquigrafa, foi das primeiras aeromoças dos anos de 1946. Nesse mesmo ano os partidos de esquerda foram legalizados e, dando vazão à sua identidade com essa linha política, foi trabalhar na assessoria coletiva aos deputados do Partido Comunista (bancada de 14 deputados e um senador), no Rio de Janeiro. Naquela época não era individualizada a assessoria parlamentar, era coletiva e, Marighella era um dos deputados federais pela Bahia. Foi nessa época que eles começaram o romance e se tornaram companheiros. O trabalho na assessoria coletiva durou dois anos, a bancada perdeu o mandato por pressão dos EUA contra os partidos de esquerda na América Latina (Guerra Fria) e passou a atuar clandestinamente.Quem é Clara Charf?
Quais eram as bandeiras da época?
A luta pelo petróleo, luta pelos direitos sociais, contra o racismo, pela reforma agrária, pelos direitos das mulheres.
Nessa época você já era companheira de Marighella?
Fomos companheiros de 1948 até 1969 o ano em que foi assassinado, sendo que o viver junto não quer dizer que ficamos os 21 anos juntos por causa das perseguições políticas e necessidade de organizar a resistência. Nesse período, só vivemos com o nome verdadeiro no governo Juscelino e no de João Goulart, foi o único período de uma vida conjugal na liberdade. Isso durou até 1964, ano do golpe e fomos novamente para a clandestinidade e perseguição, a clandestinidade durou até o ano de seu assassinato.
{xtypo_quote}Mas a vida do militante Marighella está registrada, na história, em suas diversas fases: a militância juvenil, a militância estudantil (em que fazia provas em versos), a militância partidária clandestina, a legalidade com a democratização em 1945/46, eleito deputado federal numa bancada de 14 deputados e um senador do Partido Comunista, depois novamente a clandestinidade (períoodo da Guerra Fria), a eleição de Juscelino e Jango que permitiu pela primeira vez que pudesse viver com o nome verdadeiro, com a companheira e o filho, fase que durou até o golpe militar (sendo que no dia 09 de maio de 1964 sofreu tentativa de morte por parte da repressão); novamente a clandestinidade e a resistência contra a ditadura militar, finalizando com seu assassinato em 4 de novembro de 1969. Marighella tinha fama de corajoso porque da primeira vez que foi preso no RJ (1936) foi barbaramente torturado durante 23 dias e não falou nada.{/xtypo_quote}
O militante Marighella, suas bandeiras: Ele sempre foi um militante, tinha muita consciência de onde ele vinha, sempre valorizou a formação que teve de sua mãe negra e o operário italiano, sempre foi rebelde desde os tempos de estudantes; sempre lutou pela igualdade de raça e povos. O fato de ser de família pobre, filho de mecânico italiano anarquista, mãe negra, família de oito irmãos, marcou sua formação. Sempre ouviu o pai perguntar porque existiam crianças pobres, sem ter o que comer, inconformado com a injustiça social, isso marcou Marighella desde pequeno. Foram suas primeiras influências na luta por justiça. Era um garoto muito inteligente, sempre se expressou através de versos (há escritos com 8 anos de idade), e sempre questionando a injustiça. Atuou no movimento estudantil e sempre esteve próximo do movimento operário por influência das idéias do pai. Toda a trajetória humana e política do Marighella é caracterizada por algumas posições, o que marca sua militância (de 1935 à 1969, uma longa militância) ao longo de sua militância temos algumas marcas: a luta pela igualdade entre homens e mulheres; a jovialidade, alegria com a qual ele se expressava, inclusive através de versos para expressar suas posições; trajetória marcada pela defesa de igualdade das raças – levando em conta que ele era filho de mãe negra; são marcas de sua militância.
Como isso era visto dentro do partido, sua posição pela igualdade racial?
Como isso era visto dentro do partido, sua posição pela igualdade racial?
Os comunistas eram programaticamente a favor da igualdade racial e social. Marighella teve muitos nomes de guerra: Turco, Mariga, Poeta e, também, o de Preto, mas sem conotação racial. Era uma pessoa muito doce, paciente, características que eram admiradas e o tornaram muito querido entre o povo, militantes e pessoas em geral.
Mas ele sofreu racismo?
Mas ele sofreu racismo?
Ele era uma pessoa muito querida e respeitada, dentro do partido isso nunca se expressou porque o Partido Comunista defendia a igualdade racial e social. O que não queria dizer que um ou outro integrante podia ter concepções racistas, mas a bandeira do Partido era a favor da igualdade racial e social.
E sobre a participação das mulheres no Partido?
E sobre a participação das mulheres no Partido?
O Partido defendia que homens e mulheres eram iguais, mas na prática nem sempre se criavam as condições para que as mulheres pudessem usufruir dessa igualdade. Marighella foi um dos dirigentes que mais defendeu a participação das mulheres em todos os cargos e postos; eram suas posições de dia a dia na militância.
Como você vê a poesia na vida de Marighella?
Como você vê a poesia na vida de Marighella?
A poesia era uma forma de expressão poética, revolucionária, social e anti-racista. Também foi uma forma de expressão da solidariedade internacional. A poesia também esteve em muitas fases de sua vida: foi uma forma de expressão no período estudantil como crítica a professores repetitivos, chatos; na prisão os versos foram usados para retratar a situação que ele e outros encarcerados viviam e como lutavam pela liberdade na forma de sátira; como protesto; denúncia; mas também de amor; amor à vida, ao futebol, ao samba.
O que você acha que ele pensaria do 20 de novembro?
O que você acha que ele pensaria do 20 de novembro?
Creio que consideraria uma conquista, mas o poema Castro Alves, expressa muito bem o que ele pensava:
Castro Alves
Eu queria era ver Castro Alves na rua
vivinho da silva,
fazendo comício, falando pras massas,
dizendo que o negro é também ser humano
e que pode viver como outro qualquer.
Castro Alves que teve o coração afinado
pela dor e a revolta dos oprimidos e fracos,
que amou as judias
e lutou pelo escravo.
Castro Alves que ergueu sua voz para o mundo
como um rastro sonoro de protesto à barbárie.
Castro Alves, o poeta que com o povo cresceu
e para o povo viveu, escreveu e falou,
e que foi o flagelo do preconceito de raças.
Eu queria era ver Castro Alves na rua
vivinho da silva,
porque ele hoje seria um chicote vibrando
chicotadas mortais no focinho do fascismo.
Castro Alves
Eu queria era ver Castro Alves na rua
vivinho da silva,
fazendo comício, falando pras massas,
dizendo que o negro é também ser humano
e que pode viver como outro qualquer.
Castro Alves que teve o coração afinado
pela dor e a revolta dos oprimidos e fracos,
que amou as judias
e lutou pelo escravo.
Castro Alves que ergueu sua voz para o mundo
como um rastro sonoro de protesto à barbárie.
Castro Alves, o poeta que com o povo cresceu
e para o povo viveu, escreveu e falou,
e que foi o flagelo do preconceito de raças.
Eu queria era ver Castro Alves na rua
vivinho da silva,
porque ele hoje seria um chicote vibrando
chicotadas mortais no focinho do fascismo.
CARLOS MARIGHELLA
Entrevista concedida a Suelaine Carneiro, Secretária do Conselho Diretor do Geledés Instituto da Mulher Negra em 18/11/2009
Poemas de Carlos Marighella
Poemas de CARLOS MARIGHELLA
Canto para Atabaque
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Ei Brasil!
Ei bumba meu-boi!
“Mansu, manseba,
traz a navalheta
pra fazer a barba
deste maganeta.”
Lá vem beberrão,
lá vem Bastião,
tocando bexiga
em tudo que é gente.
O engenheiro medindo,
empata-samba empatando,
cavalo-marinho
dançando, dançando.
O boi requebrando,
o boi ‘stá morrendo,
o boi levantando,,,
Ei Brasil-africano!
Minha avó era nega haussá,
ela veio foi da África,
num navio negreiro.
Meu pai veio foi da Itália,
operário imigrante.
O Brasil é mestiço,
mistura de índio, de negro, de branco.
Bum! Qui bum-rum! Qui bum-rum! Bum-bum!
Quem fez o Brasil
foi trabalho de negro,
de escravo, de escrava,
com banzo, sem banzo,
mas lá na senzala,
o filão do Brasil
veio de lá foi da África.
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Canto da Terra
A terra tem tudo
e plantando é que dá.
E plantaram e plantaram
ou já estava plantado.
A floresta amazônica,
o rio e os peixes
e o balacubau.
A caatinga existia
com a braúna,
o mandacaru
e o gravatá cariango.
As coxilhas do Sul,
o maciço do Atlântico,
a Serra do Mar,
os pinheiros erguidos,
o rio Amazonas,
o rio São Francisco,
o rio Paraná...
Canaviais assobiando,
cortina verde estendida
sobre imensa extensão.
E plantaram café
e cacau e borracha...
E plantaram erva-mate...
Com o escravo e o imigrante
tudo se fez.
Comidas meu santo,
a mulata, a morena...
e até a loura surgiu.
A índia já havia,
a gringa veio depois.
Quem atrapalhou
foi gente de fora
que não trabalhou.
Eu canto a terra...
Todos sabem que outra
mais garrida não há...
“Teus risonhos, lindos campos têm mais flores”...
Bom! Lírios já houve,
mas agora é que não.
Eu canto a terra,
eu canto o povo...
Cantam os poetas
e cantando vão...
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
São Paulo, Presídio Especial, 1939.
A Alegria do Povo
Canto para Atabaque
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Ei Brasil!
Ei bumba meu-boi!
“Mansu, manseba,
traz a navalheta
pra fazer a barba
deste maganeta.”
Lá vem beberrão,
lá vem Bastião,
tocando bexiga
em tudo que é gente.
O engenheiro medindo,
empata-samba empatando,
cavalo-marinho
dançando, dançando.
O boi requebrando,
o boi ‘stá morrendo,
o boi levantando,,,
Ei Brasil-africano!
Minha avó era nega haussá,
ela veio foi da África,
num navio negreiro.
Meu pai veio foi da Itália,
operário imigrante.
O Brasil é mestiço,
mistura de índio, de negro, de branco.
Bum! Qui bum-rum! Qui bum-rum! Bum-bum!
Quem fez o Brasil
foi trabalho de negro,
de escravo, de escrava,
com banzo, sem banzo,
mas lá na senzala,
o filão do Brasil
veio de lá foi da África.
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Canto da Terra
A terra tem tudo
e plantando é que dá.
E plantaram e plantaram
ou já estava plantado.
A floresta amazônica,
o rio e os peixes
e o balacubau.
A caatinga existia
com a braúna,
o mandacaru
e o gravatá cariango.
As coxilhas do Sul,
o maciço do Atlântico,
a Serra do Mar,
os pinheiros erguidos,
o rio Amazonas,
o rio São Francisco,
o rio Paraná...
Canaviais assobiando,
cortina verde estendida
sobre imensa extensão.
E plantaram café
e cacau e borracha...
E plantaram erva-mate...
Com o escravo e o imigrante
tudo se fez.
Comidas meu santo,
a mulata, a morena...
e até a loura surgiu.
A índia já havia,
a gringa veio depois.
Quem atrapalhou
foi gente de fora
que não trabalhou.
Eu canto a terra...
Todos sabem que outra
mais garrida não há...
“Teus risonhos, lindos campos têm mais flores”...
Bom! Lírios já houve,
mas agora é que não.
Eu canto a terra,
eu canto o povo...
Cantam os poetas
e cantando vão...
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
São Paulo, Presídio Especial, 1939.
A Alegria do Povo
Uma grande jogada
pela ponta direita,
o balão de couro
como que preso no pé.
Um drible impossível...
Garrincha sai por uma lado,
e o adversário se estatela no chão.
Gargalhada geral,
o Maracanã estremece...
Lá vai o ponta seguindo,
os holofotes varrendo de luz o gramado,
o balão branco rolando,
seguro nos pés do endiabrado atacante.
Voa Garrincha,
invade a área contrária,
indo até à linha de fundo
para cruzar...
E as redes balançam,
no delírio do gol.
Garrincha! Garrincha!
A alegria do povo,
no balé estonteante
do futebol brasileiro.
Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir até quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Capoeira
Capoeira quem te mandou,
capoeira, foi teu padrinho.
O berimbau retinindo
na corda retesa,
cadência marcada
da ginga do jogo.
Zum, zum, zum,
capoeira mata um.
A perna direita
lançada pra frente,
o peso do corpo equilibrado na esquerda,
os braços jogando
de um lado pro outro...
Capoeira quem te ensinou?
De repente uma queda,
o capoeira na terra,
o aú,
de cabeça pra baixo,
as pernas no ar,
a rasteira varrendo
como foice no chão,
o corta-capim, o rabo-de-arraia,
e o inimigo caindo
de supetão,
ao puxavante
da baianada.
Luta africana
que o mestiço encampou,
que os guerreiros da mata,
quilombos, palmares,
souberam jogar.
Que o angolano nos trouxe,
que o mestre Pastinha nos soube ensinar.
Coreografia. Jongo do povo.
Zum, zum, zum
capoeira mata um.
pela ponta direita,
o balão de couro
como que preso no pé.
Um drible impossível...
Garrincha sai por uma lado,
e o adversário se estatela no chão.
Gargalhada geral,
o Maracanã estremece...
Lá vai o ponta seguindo,
os holofotes varrendo de luz o gramado,
o balão branco rolando,
seguro nos pés do endiabrado atacante.
Voa Garrincha,
invade a área contrária,
indo até à linha de fundo
para cruzar...
E as redes balançam,
no delírio do gol.
Garrincha! Garrincha!
A alegria do povo,
no balé estonteante
do futebol brasileiro.
Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir até quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Capoeira
Capoeira quem te mandou,
capoeira, foi teu padrinho.
O berimbau retinindo
na corda retesa,
cadência marcada
da ginga do jogo.
Zum, zum, zum,
capoeira mata um.
A perna direita
lançada pra frente,
o peso do corpo equilibrado na esquerda,
os braços jogando
de um lado pro outro...
Capoeira quem te ensinou?
De repente uma queda,
o capoeira na terra,
o aú,
de cabeça pra baixo,
as pernas no ar,
a rasteira varrendo
como foice no chão,
o corta-capim, o rabo-de-arraia,
e o inimigo caindo
de supetão,
ao puxavante
da baianada.
Luta africana
que o mestiço encampou,
que os guerreiros da mata,
quilombos, palmares,
souberam jogar.
Que o angolano nos trouxe,
que o mestre Pastinha nos soube ensinar.
Coreografia. Jongo do povo.
Zum, zum, zum
capoeira mata um.
Poemas cedidos por Clara Charf
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