segunda-feira, 4 de novembro de 2013

AFROBRASILEIROS: PESQUISA CONTESTA MITO D CHICA DA SILVA



Pesquisa contesta mito de Chica da Silva
Historiadora da Fafich diz que ex-escrava viveu segundo os rígidos padrões morais e sociais da época
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Marco Antônio Corteleti
O.gif (1206 bytes)alegado apetite sexual, a promiscuidade e as crueldades que sempre pontuaram as histórias contadas sobre Chica da Silva, a ex-escrava que freqüentou a fechada elite mineira do século XVIII, podem não passar de mitos. É o que sugere a professora Júnia Furtado, do departamento de História da Fafich, autora de estudo que mostra que a ex-escrava não era a mulher devassa retratada no filme Xica da Silva, de Cacá Diegues, lançado na década de 70, ou na novela homônima da Rede Manchete, exibida no ano passado.
"Através dos documentos pesquisados e do comportamento de toda a sua vida foi possível montar um colcha de retalhos que contradiz completamente a personalidade da Chica conhecida por todos nós", relata Júnia. Segundo a professora, a própria estabilidade do casamento com um nobre branco, o fato de Chica freqüentar a elite e todas as irmandades brancas do Tijuco e de ter sido enterrada no cemitério da Igreja de São Francisco de Assis (destinado aos brancos ricos) são provas suficientes de que ela era uma mulher que se portava de acordo com os padrões morais e sociais da época. "Caso contrário, seria impossível que Chica tivesse esses privilégios", reforça a pesquisadora.
Cena falsa
Chica.jpg (9579 bytes)A mulher que inspirou as atrizes Zezé Mota, no filme, e Taís Araújo, na novela, conseguiu, como tantas outras, sua carta de alforria através do concubinato com um nobre branco, o contratador João Fernandes, que a comprou de um médico do Tijuco, em 1753. O relacionamento durou 16 anos, período em que Chica teve 13 filhos. "Essa era praticamente a única forma de uma negra entrar na sociedade branca naquela época", afirma Júnia Furtado, ao citar uma cena na produção de Cacá Diegues que nunca ocorreu. "O início do filme mostra Chica sendo oferecida ao conde de Valadares. Na época, Chica já era mãe de 14 filhos (ela já tivera um do seu antigo dono) e vivia com o contratador", revela. 
Depois da separação, Fernandes voltou para Portugal levando consigo seus quatro filhos homens, que receberam títulos de nobreza do Império Português. No Brasil, Chica recebeu propriedades deixadas pelo contratador que lhe garantiram a sobrevivência e a educação das filhas. 
De acordo com Júnia, a ex-escrava tornou-se conhecida por sua crueldade e pelo grande apetite sexual graças ao livro Memórias do Distrito Diamantina, do século XIX, escrito por Joaquim Felício dos Santos. "A publicação faz de Chica a única negra a figurar em um registro histórico e o autor encontra no sexo e na perversidade os pretextos para uma escrava merecer tal destaque", diz. 
Júnia chegou à desmitificação de Chica após estudar o seu comportamento em diversos documentos da época - registros de batismo, carta de alforria, títulos nobiliárquicos dados aos filhos e outros aspectos de sua vida no século XVIII. Além de Diamantina, a professora também pesquisou a vida da ex-escrava em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Macaúbas (perto de Santa Luzia), Mariana e em Portugal. A pesquisa ainda não terminou mas, segundo Júnia, o que foi apurado até agora é suficiente para reconstruir a personagem histórica. A expectativa é de que o trabalho seja concluído até meados de 1999. 
A professora estuda a vida de Chica há um ano para o projeto Pólo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha. Financiado pela Finep e Fapemig, o trabalho foi premiado pelo concurso 8º Dotação em Pesquisa sobre Mulher e Relações de Gênero, promovido pelas fundações Ford e Carlos Chagas.
Júnia Furtado reconstruiu a perso-nagem histórica de Chica da Silva
 
 
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XICA DA SILVA
Chica da Silva
Nota: Esta página é sobre a personagem histórica. Se procura outros significados da mesma expressão, consulte Xica da Silva.
Francisca da Silva de Oliveira, ou simplesmente Chica da Silva, foi uma escrava, posteriormente alforriada, que viveu no arraial do Tijuco, atual Diamantina, Minas Gerais, durante a segunda metade do século XVIII. Manteve durante mais de quinze anos uma união consensual estável com o rico contratador dos diamantes João Fernandes de Oliveira tendo com ele treze filhos. O fato de uma escrava alforriada ter atingido posição destaque na sociedade local durante o apogeu da exploração de diamantes deu origem a diversos mitos. De acordo com a imaginação popular e várias obras de ficção, Chica da Silva foi uma escrava que se fez rainha utilizando sua beleza e apetite sexual invulgares para seduzir pessoas poderosas, entre as quais João Fernandes, cuja fortuna dizia-se ser maior do que a do rei de Portugal.
Era filha da escrava Maria da Silva e de um português chamado Antônio Caetano de Sá. A sua certidão de batismo foi registrada no arraial de Milho Verde, na cidade de Serro Frio, atual município do Serro, Minas Gerais. Segundo a maior parte dos autores, sua mãe era africana da Costa da Mina, embora outros digam que ela era crioula da Bahia.
Foi escrava do sargento-mor Manuel Pires Sardinha, médico e proprietário de lavras no arraial do Tijuco. Nesta época teve pelo menos um filho, Simão Pires Sardinha, nascido em 1751, que teve como padrinho de batismo o então Capitão dos Dragões do Distrito Diamantino, Simão da Cunha Pereira, em homenagem ao qual recebeu o nome. O registro de batismo deste filho não declara a sua paternidade, mas Manuel Pires Sardinha deu-lhe alforria e nomeou-o como um de seus herdeiros no seu testamento, daí o uso do mesmo sobrenome. Simão Pires Sardinha foi educado na Europa e veio a ocupar cargos importantes no governo da Corte. Embora não haja comprovação, alguns autores pretendem que ele teria tido parte na Inconfidência Mineira.
Em seguida, Chica da Silva foi vendida ou dada como escrava a José da Silva e Oliveira Rolim, o padre Rolim. Este personagem foi, posteriormente, condenado a prisão pela importante participação que teve na Inconfidência Mineira. Também veio a viver com Quitéria Rita, uma das filhas de Chica da Silva e João Fernandes.
Pouco tempo depois, em 1753, João Fernandes de Oliveira chegou ao arraial do Tijuco para assumir a função de contratador dos diamantes, que vinha sendo exercida por seu pai homônimo desde 1740. Em 1754, Chica da Silva foi adquirida, ou alforriada, pelo novo contratador de diamantes João Fernandes com o qual passou a viver sem que nunca tenham se casado oficialmente.
O casal Chica da Silva e João Fernandes teve treze filhos durante os quinze anos em que conviveu: Francisca de Paula (1755); João Fernandes (1756); Rita (1757); Joaquim (1759); Antonio Caetano (1761); Ana (1762); Helena (1763); Luiza (1764); Antônia (1765); Maria (1766); Quitéria Rita (1767); Mariana (1769); José Agostinho Fernandes (1770). Todos foram registados no batismo como sendo filhos de João Fernandes, ato incomum na época quando os filhos bastardos de homens brancos e escravas eram registrados sem o nome do pai. Entre 1763 e 1771, João Fernandes e Chica da Silva habitaram a edificação existente atualmente na praça Lobo de Mesquita, 266, em Diamantina.
A união consensual estável de João Fernandes e Chica da Silva não foi um caso isolado na sociedade colonial brasileira de envolvimento de homens brancos com escravas. Distinguiu-se por ter sido pública, intensa e duradoura, além de envolver um dos homens mais ricos da região durante o apogeu econômico.
Os amantes separaram-se em 1770, quando João Fernandes necessitou retornar a Portugal para prestar contas de sua administração à frente do Contrato dos Diamantes e para cuidar de receber os bens deixados em testamento pelo pai. Ao partir, João Fernandes levou consigo os seus quatro filhos homens. Em Portugal, os filhos homens de Chica da Silva receberam educação superior, ocuparam postos importantes na administração do Reino e até receberam títulos de nobreza.
Chica da Silva ficou no arraial do Tijuco com as filhas e a posse das propriedades deixadas por João Fernandes, o que lhe garantiu uma vida confortável. Suas filhas receberam a melhor educação que se dava às moças da aristocracia local naquela época, sendo enviadas para o Recolhimento das Macaúbas onde aprenderam a ler, escrever, calcular, coser e bordar. Dali, só saíram em idade de se casar, embora algumas tenham seguido a vida religiosa. Apesar de ser uma concubina, Chica da Silva alcançou prestígio na sociedade local e usufruiu das regalias privativas das senhoras brancas. Na época, as pessoas se associavam a irmandades religiosas de acordo com a sua posição social. Chica da Silva pertencia às Irmandades de São Francisco e do Carmo, que eram exclusivas de brancos, mas também às irmandades das Mercês - composta por mulatos - e do Rosário - reservada aos negros. Portanto, Chica da Silva tinha renda para realizar doações a quatro irmandades diferentes, era aceita como parte da elite local composta quase que exclusivamente por brancos, mas também mantinha laços sociais com mulatos e negros por meio de suas irmandades. Apesar disto, como era costume da época, logo que foi alforriada passou a ser dona de vários escravos que cuidavam das atividades domésticas de sua casa.
Faleceu em 1796. Como era costume na época, Chica da Silva tinha o direito de ser sepultada dentro da igreja de qualquer uma das quatro irmandades a que pertencia. Foi sepultada dentro da igreja de São Francisco de Assis pertencente a mais importante irmandade local, um privilégio quase que exclusivo dos brancos ricos, o que demonstra que mantinha a condição social mais alta mesmo vários anos após a partida de João Fernandes para Portugal.
O jornalista Antônio Torres em seus apontamentos sobre Diamantina contou que o corpo de Chica da Silva foi encontrado alguns anos após sua morte, intacto, conservando ainda a pele seca e negra.
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Mitos
 
Chica da Silva foi esquecida por longo tempo depois de sua morte. Em 1860, o advogado Joaquim Felício dos Santos foi contratado para cuidar da partilha da herança de uma neta de Chica da Silva. Por isto teve que pesquisar os antigos documentos das propriedades deixadas pelo contratador João Fernandes, descobrindo então a história familiar dos dois amantes.
Em 1868, Joaquim Felício dos Santos publicou a obra Memória do Distrito Diamantino na qual se conta pela primeira vez a história de Chica da Silva. Sem nenhuma fonte histórica, talvez influenciado pelo racismo da época, Joaquim Felício dos Santos descreveu Chica da Silva como uma mulata alta, corpulenta, boçal e careca cujo poder de sedução era incompreensível.
A obra Memória do Distrito Diamantino teve uma nova edição em 1924, na qual Nazaré Menezes inseriu notas defendendo a beleza de Chica da Silva, argumentando que, de outra forma, ela não poderia ter agradado tanto ao rico contratador João Fernandes. Na mesma época, os apontamentos sobre Diamantina escritos pelo jornalista Antônio Torres atraíram a atenção de historiadores, escritores e do público em geral para a história de Chica da Silva.
A partir de então, Chica da Silva tornou-se então um personagem mítico, cujas histórias não comprovadas, improváveis ou impossíveis são mais conhecidas do que sua biografia real. Em 1963, a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro venceu a disputa do carnaval carioca com o enredo de Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona sobre Chica da Silva. Vários mitos foram recontados no filme de Carlos Cacá Diegues, Xica da Silva, de 1976, que foi um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema brasileiro. Mais recentemente, o mesmo aconteceu com a novela televisiva Xica da Silva da Rede Manchete, estrelada por Taís Araújo. Todos estes sucessos foram obras de ficção feitas para atender ao público ansioso por boas histórias e com pouca base nos fatos históricos.
Alguns mitos que se desenvolveram com base em obras de ficção ou histórias populares são, que Chica da Silva:
  • Tinha um invulgar apetite sexual que utilizou para seduzir vários homens poderosos. A vida de Chica da Silva, antes da união com João Fernandes, não foi diferente da de quase todas outras escravas que não podiam escolher seus parceiros. Além disto, a longa união com João Fernandes, com quem gerou uma grande prole, mostra que ela foi mesmo a matrona de uma grande família. Não há informações sobre outros casos amorosos depois da partida de João Fernandes, o que teria causado atritos na sociedade profundamente conservadora da época.
  • Tinha crueldade ímpar, sendo apelidada de Chica Mandona e de Chica que manda à época. Utilizava o medo para obter a saciedade de seus luxos e prazeres.
Não há registros históricos que confirmem este fato.
  • Pediu que o contratador João Fernandes construísse um palácio com vinte e um cômodos, onde havia um jardim com plantas exóticas e cascatas artificiais. Como não conhecia o mar, João Fernandes mandou formar um lago artificial. Mandou ainda construir um navio à vela, com capacidade para dez pessoas, que navegava no lago transportando os convidados das grandes festas que oferecia à sociedade local. Essas festividades eram animadas por uma orquestra particular e pelas apresentações de um teatrinho de bolso.
  • A Chácara de Chica da Silva, no bairro da Palha, era uma das residências mais luxuosas, mas não ultrapassava os padrões da região à época. Comparando como padrões europeus da época, era uma habitação quase rústica. Apesar de rica, era discriminada pelo círculo social mais elevado. Considerada como concubina, estava impedida de freqüentar os templos católicos. Desse modo, teria erguido uma capela, hoje desaparecida, anexa à residência, dedicada a Santa Quitéria, apenas para o seu uso privativo.
  • Está provado que Chica da Silva pertencia às Irmandades de São Francisco e do Carmo, exclusivas das pessoas brancas e ricas, e que foi enterrada na igreja da primeira. A construção de capelas particulares era um hábito comum na época e pode ainda ser visto em várias fazendas do século XIX. Para não ter o seu sono perturbado pelo dobrar dos sinos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, erguida em 1765 com o auxílio do contratador João Fernandes, Chica da Silva teria imposto a mudança de posição da torre.
  • Efetivamente, trata-se da única igreja em estilo barroco no Brasil que possui a torre sineira atrás da nave central. Fato tão singular necessitava de alguma explicação, nem que fosse lendária.
Criou a receita do Xinxim da Chica, um dos mais conhecidos da culinária mineira, ou este era seu prato preferido.
  • Francisca era um dos nomes mais usados na época tanto por escravas como por senhoras. Portanto, existiram muitas outras "Chicas" cozinheiras ou senhoras.

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Bibliografia
 
FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes - o outro lado do mito. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
Ligações externas
Casa Chica da Silva (Iphan)
 
 
 
 

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