A cultura negra é popular, pessoas negras não são”. O poeta negro B. Easy publicou isso em sua conta no Twitter, denunciando o que a música popular estadunidense tem feito com a música afro-americana[1]. Essa frase introduz muito bem a problematização que farei das festas auto-intituladas “neotropicalistas” que têm se tornado muito populares entre jovens de São Paulo.
por Andrei Nonato no Festival Marginal
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No Facebook, semanalmente surgem eventos em que abundam palavras referentes às religiões de matriz africana como “mironga”, “saravá”, “gira”, nomes de orixás e até mesmo palavras do yorubá (língua matriz no culto da Nação Ketu, do Candomblé, entre outros) como “obá” e “ilú”. As divulgações costumam explorar a estética “étnica”, “afro”, mostrando mulheres com turbantes, colares de contas (aludindo às guias e ilekês), cores quentes, padronagens. São festas alternativas às baladas de música bate-estaca, voltadas para o público descolado, universitário, que frequenta a Vila Madalena. Nessas pistas de dança é comum ver pessoas brancas carregando turbantes na cabeça [2], quando não cocares, pinturas aleatórias no rosto, dançando ao som de músicas brasileiras. A decoração não exita em utilizar imagens de orixás. Resumindo: são eventos que se apropriam de elementos afro-brasileiros (e também indígenas) para fazer dinheiro.
Essa banalização e mercantilização da cultura e religião afro-brasileira é muito desrespeitosa com o povo de terreiro e com as pessoas negras. Turbantes são vestimentas sagradas e símbolos de luta e resistência, orixás são divindades ancestrais e figuras de empoderamento. Eles devem ser valorizados e ostentados, sim, mas não em festas na Vila Madalena e regiões centrais elitizadas, por pessoas brancas que não sabem direito o significado e peso político e social daquilo que “festejam”.
É muito fácil saravar na balada. A afrorreligiosidade é muito atrativa quando é emburguesada, embranquecida e explorada ao som de MPB e regada a álcool. Deve ser interessantíssimo fumar um baseado e dançar a tecnomacumba da Rita Beneditto (Rita Ribeiro). Enquanto isso, imagens de Oyá são decapitadas [3], terreiros são invadidos e vandalizados pelo fanatismo cristão e a TV aberta exibe programas onde nossa fé é demonizada. Na periferia acontece o genocídio da população negra. Mas não há peso na consciência dos universitários que só querem “neotropicalizar”.
E não, visibilidade não é um argumento. A visibilização acontece quando religiosos de matriz africana e pessoas negras protagonizam suas pautas e levam suas vozes, seus rostos e sua cultura para a mídia, para a música, para a rua, e tornam seus símbolos patrimônio imaterial da humanidade, como aconteceu com a Capoeira [4].
Seria exagero pedir respeito? Não. Portanto sugiro às pessoas que frequentam tais eventos que gastem seu dinheiro, tempo e energia de maneira mais consciente. Se quiserem louvar aos orixás e ouvir o som da percussão sagrada, são muitas as opções de terreiros espalhados por São Paulo, com calendário repleto de festas públicas. Fica a dica.
Àse!
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