quinta-feira, 5 de março de 2015

GARBO: A ESTRÊLA DAS ESTRÊLAS

Guilherme Marinheiro - OBVIOUS


Diria sua vó que já não se fazem mais atrizes como antes. De fato, dos anos 20 pra cá, muita coisa mudou, e não só o acento do título acima que perdeu a vez com o acordo ortográfico de 1971. Naquela época, o cinema vivia sua Era de Ouro em Hollywood e apresentava ao público aquela que depois se tornaria um dos seus principais ícones. Conheça a trajetória de Greta Garbo e entenda por que essa forma de sucesso não seria mais possível hoje.



Eleita pelo Instituto Americano de Cinema como a quinta maior lenda da história da sétima arte, Greta Lovisa Gustafson, mais conhecida por Greta Garbo, nasceu em 1905, Estocolmo, Suécia, de onde saiu como estrangeira rumo aos braços da maior indústria cinematográfica da época, Hollywood. Lá foi testada e também ousada, conseguindo em muito pouco tempo voltar os olhos e as paixões do mundo sobre seu rosto delicado, belo e distante. Com talento e mistério, Garbo é hoje responsável por duas décadas (1920-41) de apoteose artística e comercial no cinema americano e com isso colocou-se, sem dúvida, junto à mesa das mulheres mais fascinantes do século passado.
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Filha mais nova de Anna Lovisa Johansson (1872-1944) e Karl Alfred Gustafsson (1871-1920), Greta Garbo foi a menina bem-sucedida entre os irmãos, que também tentaram carreira artística. Desde já sua determinação apontava para a necessidade de enfrentar os desafios que se colocavam entre o seu sonho e as condições de realizá-lo. Ainda na adolescência, aos 14 anos, logo após a morte de seu pai que adoeceu e não suportou uma inflamação nos rins, Greta precisou largar a escola e encarar o mercado de trabalho. Seu primeiro emprego foi como “moça do creme de barba”, numa barbearia da Rua Horn, e ganhava cerca de 1 dólar por semana. Trabalhou também na sessão de chapelaria de uma loja de departamentos sueca na Hötorget Plaza, em 1921. Não é de se espantar que nessa época sua beleza já chamasse atenção, o que a levou rapidamente de lojista a garota-propaganda em filmes publicitários para as lojas de Estocolmo.
Ainda que limitadas a um pequeno público, essas primeiras experiências com o cinema foram as responsáveis por despertar o talento em Garbo, nome esse que só depois se tornaria marca registrada. Ainda era preciso avançar e aperfeiçoar suas estratégias de sucesso. Foi quando estudou dois anos de arte dramática na Academia Real de Teatro e daí pra frente uma coisa foi levando à outra. Lá Greta foi descoberta por Mauritz Stiller (1883-1928), diretor finlandês que a acolheu como segundo pai. Apesar de todas as parcerias que ambicionavam fazer nessa época, Greta e Stiller fizeram um único filme, “A Lenda de Gösta Berlin” (1924). E provando que quantidade não é qualidade, e também agraciada com uma boa parcela de sorte, esse único filme veio quase como um tiro certeiro na sua carreira, principalmente ao ser visto por Louis B. Mayer (1885-1957), poderoso magnata da MGM, que ofereceu aos dois um contrato de trabalho em Hollywood.
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 Greta Garbo em 1924
Um novo começo merecia também um novo nome e, por volta de 1924, Greta Gustafson tornou-se Greta Garbo, lançando com isso um mistério, entre vários outros que rondam sua personalidade, pois a pergunta que nunca foi respondida diz respeito à origem desse nome, Garbo. E como a graça de um mistério está justamente na inventividade de quem tenta decifrá-lo, não faltaram tentativas. A mais absurda diz que “Garbo” vem de uma palavra polonesa que significa “curtir couro”, uma alusão ao desejo de Stiller de moldar o psíquico da moça. A alegação de que o encurtamento do nome era pra caber nos letreiros dos filmes também é lendária. O mais provável é que Stiller tenha achado estratégico para o momento pensar um nome que pudesse ser bem pronunciado em diferentes línguas, como o inglês e o francês, uma facilidade que depois serviria à carreira internacional de Garbo. Há ainda os que sustentam uma origem nórdica para a palavra, que significaria em sua etimologia “ninfa do bosque” ou “fada da floresta” e, por mais romântico que isso possa parecer, o que importa é que todos esses significados juntos criaram parte da aura misteriosa que diziam rodear a atriz.
Em Hollywood, já contratados, Stiller e Garbo ainda tiverem que passar por testes e aprovações antes de se lançarem ao sucesso. Um dos desafios desse momento foi aperfeiçoar o inglês iniciante da atriz, que tinha forte sotaque e era motivo de piada entre os colegas. Curiosamente isso depois veio a se tornar um exotismo daquela mulher que misturava perfeitamente o inglês britânico com o americano. Mas ainda aos 19 anos era preciso cuidado, qualquer rejeição poderia por tudo a perder, o que fez com que a própria Hollywood deixasse o lançamento da atriz de molho por um tempo, esperando a hora certa de investir na sua imagem. Um dos motivos para essa demora foi (acreditem!) a própria aparência de Garbo: apenas uma jovem gorduchinha sueca sem retoque, com sombra de queixo duplo, cabelos crespos e quase dentuça. Para trabalhar na indústria era preciso servir à indústria e Garbo foi então ordenada a passar por uma dieta rígida e correção no dente direito, que saltava pra fora em relação ao esquerdo, tudo em uma busca obsessiva pela perfeição da imagem. Dois anos depois e a beleza de Garbo tornou-se possível, se é que podemos ousar dizer que alguma beleza não o seja. Para tanto ela e Stiller precisaram não desistir e encontrar outras vias de promoção. Foi quando Garbo conheceu Arnold Genthe (1869-1942), fotógrafo com o qual realizou uma memorável sessão fotográfica publicada depois pela Vanity Fair, no fim de 1925. Incansáveis, mesmo diante de tanta espera, Stiller e Garbo resolveram enviar as fotos aos estúdios da MGM. Encantados, os executivos providenciaram de imediato o dinheiro e as instruções de viagem, num acordo salarial de 400 dólares semanais, valor que prova a aposta de Hollywood naquela atriz até então desconhecida e estrangeira.
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Greta Garbo
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Greta Garbo
De uma a uma série de vitórias interrompidas, Garbo, à exceção de outras atrizes, começou já como estrela, como protagonista, lançando em 1926 “Os Proscritos”, seu primeiro filme americano. Na estreia ninguém reparou que ela e Stiller se sentavam nas últimas fileiras e saíram antes mesmo que o filme terminasse, demonstrando talvez, desde então, uma das principais características da atriz, o fato de ser uma mulher reservada que se dirigia a poucos e em raros momentos. Com o sucesso de público e crítica, a MGM proclamou Garbo a sua grande estrela.
O desempenho da atriz sueca até então desconhecida, a sedução, a maneira diferente como Garbo utilizava o corpo e dispensava legendas numa época de cinema mudo, suas expressões faciais, seu andar, suas mãos, sua beleza por fim, tudo isso fazia de Greta uma atriz única que em três anos já gozava de grande prestígio nos Estados Unidos, detonando uma série de trabalhos, entre eles: “Terra de Todos” (1926), “A Carne e o Diabo” (1927), “Love” (1927) e “O Beijo” (1929). Em 1932 renovou seu contrato com a MGM com direitos privilegiados, como os de aprovar o protagonista entre quatro nomes de atores e dois de diretores propostos pelo estúdio, poder esse que, no entanto, a atriz pouco usou.
Um dos seus maiores triunfos foi o filme “Grande Hotel” (1932), no qual ela fala uma de suas frases mais marcantes, “I want to be alone” (eu quero ficar sozinha), talvez por servir como indicador da própria personalidade da atriz. O filme foi sucesso extremo, culminando com o Oscar de Melhor Filme desse ano. Depois disso, e em meio a precipitadas escolhas de maus roteiros, outros sucessos vieram, como “A Dama das Camélias” (1936) e “Ninotchka” (1939), com os quais colecionou boas críticas e indicações ao Oscar de Melhor Atriz, apesar de nunca ter ganhado a estatueta. Recebeu, no entanto, anos depois, um prêmio honorário da Academia, quando já se encontrava afastada das grandes telas.
Trecho clássico de Greta Garbo em “Grande Hotel” >>>>






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Garbo no seu apogeu

Bom, e aqui vem o momento em que a criatura se vê de frente com o seu criador. Garbo era independente, famosa e tornou-se cara demais aos orçamentos da MGM. Em meio a especulações e previsões da imprensa na época, Garbo se afastou repentinamente do cinema aos 36 anos, depois de filmar “Duas Vezes Meu”, um fracasso de bilheteria. Alguns dizem que nesse momento a atriz teria permitido ter sua fórmula de sucesso mudada pelo diretor George Cukor (1899-1983). O fato é que depois desse filme Garbo desistiu, não quis mais continuar.

“Duas Vezes Meu”, no entanto, talvez tenha sido apenas um catalizador. Vale lembrar que o mundo vivia a Segunda Guerra Mundial, motivo suficiente para gerar um clima de descrença geral. De 1942 a 1990, Garbo viveu o seu autoexílio artístico, sendo ainda muito convidada a voltar às telas e a aparecer em eventos sociais, mas já ultrapassada na opinião de alguns grandes estúdios que buscavam agora outras novas estrelas. Isso tudo foi associado a problemas com seu novo empresário, Leland Hayward, que chegou a denegrir a imagem da sua própria cliente. No fim de 1943, ainda sem perspectivas de um fim para a guerra, Garbo rompe contrato com a MGM, desobrigando-a a pagar 250 mil dólares que lhe eram de direito. Os tempos eram outros e um intervalo até que a guerra acabasse se fazia necessário. Nesse período, houve tentativas de retorno de Garbo às telas, com destaque para o projeto de “A Duquesa de Langeais”, de 1949, que seria dirigido por Walter Wanger (1894-1968), mas acabou não saindo do papel, não decolou. Várias possibilidades foram pensadas e apoiadas por amigos e algumas iniciativas surgiram da própria atriz, que desejou fazer um palhaço homem no cinema, uma ideia prontamente rejeitada por Audrey Wilder que na época talvez não tivesse percebido a originalidade que tal proposta poderia ter, o que então proporcionaria sobrevida à carreira da atriz. O fato é que esconder-se atrás de uma maquiagem circense não parecia apenas uma ideia nova, mas a própria desaprovação de Garbo com a sua aparência que envelhecia e rendia assuntos nos jornais. Voltar às telas exigiria agora concorrer com o próprio mito.

Cada vez mais reclusa, Garbo dedicou-se ainda a colecionar quadros de pintores famosos, como Renoir, e ainda obteve sucesso na incansável luta por privacidade conseguindo esconder da imprensa notícias de suas doenças, inclusive de uma mastectomia, que realizou em 1984. Sabemos hoje, em épocas de Angelina Jolie, que manobras como essa são quase impossíveis. Os rins e o estômago de Garbo enfraqueciam rapidamente e quatro dias depois de ser internada no New York Hospital, com pneumonia, Greta Lovisa Gustafson morreu às 11h30 da manhã do dia 15 de abril de 1990, aos 84 anos de idade. O valor total das posses de Garbo, incluindo suas obras de arte, foi avaliado no ano de 1991 em $ 32.042.429,02, quantia depois herdada por sua sobrinha, Gray Reisfield, filha de seu irmão Sven.

Manter-se duas décadas no auge de um sucesso arrebatador não só faz de Greta Garbo um ícone do cinema americano e mundial, mas também nos indica a natureza de uma época em que a soberania de poucos produtores audiovisuais é que decidia o passo final na corrida pelo estrelato. Outro ponto interessante de se pensar é quanto do mito Garbo foi construído pela própria Hollywood e por todos aqueles que cercavam a atriz em busca de raras notícias. Conseguir tal privacidade hoje, talvez a maior responsável pelo fetichismo em torno da atriz, seria uma tarefa que exigiria conseguir driblar a velocidade da comunicação e o comércio na superexposição dos famosos, hipótese que nos sugere, portanto, no mínimo, um redesenho dessa forma, ou uma nova cartografia das estrelas, não havendo mais lugar para um único principal, mas uma constelação que divide atenções, divindades bem mais humanas e próximas do seu público e, assim, a estrêla das estrêlas seria então apenas mais uma estrela entre tantas outras.

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Greta Garbo em 1972

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