Indico antes de tudo, a leitura do livro “Na Natureza Selvagem”, de Jon Krakauer e o filme baseado no mesmo dirigido por Sean Penn. Recomendo, ainda as obras de Guimarães Rosa. Em 1990, Christopher J. McCandless, 23 anos, após acabar o curso de Direito na Universidade de Atlanta, resolveu doar todos seus vinte e quatro mil dólares de economia para instituições de caridade em combate a fome, e desapareceu sem dizer para sua família o que pretendia fazer.Tinha uma raiva em relação a mentalidade e materialismo da época, que foi fundamental para a sua decisão, e acredito que seu espírito inquieto, livre também.
Outro motivo, que determinou, foram as constantes brigas que presenciou desde a infância entre os seus pais. O que lhe incomodava muito era o fato de que para a sociedade os pais buscavam mostrar que eram uma família “perfeita e feliz”, mas na verdade em casa viviam grandes tormentos.Ele disse: “Algumas pessoas sentem que não merecem amor. Eles se afastam silenciosamente em espaços vazios, tentando fechar as lacunas do passado”. Resolveu abandonar essa vida, e virou ‘Alexander Supertramp’, ou simplesmente Alex, viajando por dois anos, pela América do Norte, até sua viagem final, no Alasca.
Chris foi um jovem que tinha uma mente cheia de perguntas e um professor na alma, tão novo, em busca de respostas para os aspectos mais existenciais da vida ele transcendeu de modo real a pura necessidade, e o materialismo para as princípios como forma de viver, as relações, a relação entre a Natureza e Deus, as forças e as fragilidades humanas (medo e solidão). Proponho uma reflexão, através do olhar, da poesia de Guimarães, como tentativa de proporcionar uma maior leveza pra essa história intensa com um final tão trágico. Procurei dividir estes princípios em partes, com trechos de poemas de Guimarães, comparando com reflexões de sua história:
Parte I - Sentido, vínculos e viver
"Amigo é o braço e o aço, eu gostava dele na alma dos olhos" (Guimarães Rosa).
“Eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobêjo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga[...]só meu companheiro amigo desconhecido[...] (Guimarães Rosa).
“Viver é sempre obrigação imediata” (Guimarães Rosa).
Um dos principais pontos da história de Chris, é o quanto ele tocava na alma, no coração das pessoas, as fazendo sentir, e assim, proporcionando um sentido em seus vínculos. Pra mim, isto foi o mais bonito na sua trajetória! Por isso coloco o 'sentido' como primeiro aspecto, pois, acredito que tenha sido nisso que Cris atingiu milhares de pessoas que leram, assistiram sua história, mas principalmente aqueles que fizeram parte da sua experiência de peregrinação. Segue o relato com aquele que possivelmente foi com quem Chris estabeleceu uma relação mais profunda,já que conviveram por um tempo maior, trata-se de um senhor que pode ter estabelecido uma relação de neto-avô:
“Quando Alex partiu para o Alasca, eu rezei, pedi a Deus para que ficasse de olho nele, disse-lhe que aquele garoto era especial...”. Este senhor mudou seu estilo de vida, deixou sua casa onde vivia sozinho, remoendo questões passadas e culpas, e foi morar em uma comunidade e ficou imensamente triste com a morte de seu garoto especial.
O mesmo senhor que modificou sua vida, fez Chris pensar na importância do perdão daqueles que possivelmente lhe magoaram tanto (seus pais), em um diálogo muito bonito que os dois fazem diante da Natureza. Outra pessoa que estabelece um belo vínculo-afetivo, foi uma mulher que não sabia onde estava seu filho, e ele também era o filho desaparecido de alguém. Como é bonito ver o encontro com pessoas que deram um sentido para sua jornada, onde concluo que recebeu muito amor, nessa natureza de vínculos!
Pra mim, a beleza da história de McCandless se reflete na busca real pela essência do sentido da vida e das relações, das diversas circunstâncias que diariamente vivenciamos. É um mergulho no desconhecido das nossas limitações, de nossas crenças de nossas forças e fragilidades. Ele também disse: "Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso que parece dar paz de espírito[...]A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências e, portanto, não há alegria maior que ter um horizonte sempre cambiante, cada dia com um novo e diferente sol."
Fala ao se despedir de uma menina que conheceu: “Não esqueça, se você quer algo na vida, vá atrás e pegue!” Ou seja, ‘viver é uma obrigação imediata’! Por isso falo agora dos horizontes que buscou no seu contato profundo com a Natureza
Parte II- Natureza e Deus
Guimarães Rosa mesmo disse: “Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens.”
“Olhe: o rio Carinhanha é preto, o Paracatu moreno; meu, em belo, é o Urucuia – paz das águas ... É vida!” O meu Urucuia vem, claro, entre escuros. Vem cair no São Francisco, rio capital. O São Francisco partiu minha vida em duas partes. Mas o rio tem, também, um parentesco metafórico com o mar, espelho da vida, da existência: “Confusa é a vida da gente; como esse meu rio Urucuia vai se levar no mar”.
Uma belíssima mensagem do aventureiro Chris, claro, seria sobre a nossa relação com a Natureza. Viveu tantas aventuras pelos lugares que passou, como quando desceu de canoa até o México, e nos brinda com uma incrível sabedoria: “(...) Você está errado se acha que a alegria emana somente ou principalmente das relações humanas. Deus a distribuiu em toda a nossa volta. Está em tudo e em qualquer coisa que possamos experimentar...”
Vale ressaltar que é recorrente tanto nas leituras que fiz sobre sua história quanto no filme a menção que faz sobre Deus, ao constatar “Deus a distribuiu em toda nossa volta”, o que nos faz pensar de uma ligação importante que pensava existir entre Deus e a Natureza, ele repete constantemente a importância de darmos mais valor a nossa relação com a Natureza, que é vida, tão bem narrada por Guimarães! E também foi nessa relação, mais precisamente quando esteve 'sozinho' no Alasca que experimentou as maiores fragilidades humanas – solidão e medo.
Parte III - Solidão e medo
“Eu estou só. O Gato está só. As árvores estão sós. Mas o só da solidão: o só solistência” (Guimarães Rosa).
“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho” (Guimarães Rosa).
Aqui Guimarães uso do termo ‘solistência’ para definir a solidão da existência de tudo que vive. Acredito fazer muito sentido com os insights de Chris, quando ele mesmo conclui: "Os únicos presentes do mar são golpes duros e, às vezes, a chance de sentir-se forte. Eu não compreendo muito o mar, mas sei que as coisas são assim por aqui. E também sei como é importante na vida não necessariamente ser forte, mas sentir-se forte, confrontar- se ao menos uma vez, achar-se ao menos uma vez na mais antiga condição humana, enfrentar a pedra surda e cega a sós, sem outra ajuda além das próprias mãos e da cabeça.”
Quando ele adentra na sua aventura final, o belo, imenso e perigoso Alasca (Na Natureza Selvagem), é que de fato encontra uma solidão e medo que o deixa em pavor, em suas anotações, escreve: “medo, solidão e assutado”. E quando se vê diante da fome ele escreve um bilhete e deixa na porta do ônibus que encontrou abandonado e ficou enquanto esteve no Alasca: " S.O.S. preciso de sua ajuda. Estou ferido, quase morto e fraco demais para sair daqui. Estou sozinho, isto não é piada. Em nome de Deus, por favor fique para me salvar. Estou catando frutas por perto e devo voltar esta tarde. Obrigado." Mas ele foi encontrado por caçadores de alces duas semanas depois de sua morte por inanição.
Penso que um dos maiores desafios da vida é aprendermos a noção do viver “só”. Sua história retrata muito isto. Como ele rompe com a família, e sociedade, e faz isso de modo intenso e extremo sim, mas acredito que isso não significa que tenhamos de abandonar o mundo e nossos relacionamentos para experimentar a solidão e assim estarmos bem nas relações.
Viver “só” consiste na capacidade de se manter focado em sua própria interioridade, e ainda assim estarmos cercados por outros. Quanto mais adentrarmos na dimensão do silêncio, mais rapidamente aprenderemos a perceber nossas reais necessidades. O que segue para a final necessidade que talvez Chris tão profundamente percebeu em seus últimos momentos de vida, que é o próxima e derradeira parte.
Parte IV- Felicidade
“Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma coisa só - a inteira - cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que, sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber?” (Guimarães Rosa).
Ele tinha a intenção de retornar a sociedade. Na minha opinião, provavelmente ele poderia se transformar ainda mais, era tão jovem! Mas ele obteve o que ansiava. Em seus momentos finais de vida, é comovente de ver, por estar em sofrimento até mesmo físico, e mesmo assim chega a uma reflexão de maneira lúcida, da necessidade do outro para poder ser a real a alegria que estava sentindo, pois há a seguinte conclusão, em seus últimos escritos: “A felicidade só é real quando compartilhada”.
Que possamos fazer um capinar de nossa vida de maneira mais humilde e verdadeira, buscando enxergar e viver um melhor contato com a Natureza, com tudo e todos a nossa volta, não precisando chegar a essa forma extrema vivida por Chris no Alasca, para que tenhamos uma colheita real e compartilhada!
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