Biografia
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Nascido na então Província do Rio Grande do Sul, no município de Encruzilhada do Sul, que havia sido distrito de Rio Pardo, filho dos ex-escravos João Felisberto Cândido e Inácia Felisberto, apresentou-se na Escola de Aprendizes Marinheiros com uma recomendação de "atenção especial", aos cuidados do Delegado da Capitania dos Portos em Porto Alegre. Esta recomendação deveu-se à iniciativa de um velho amigo e protetor de Rio Pardo, o então capitão de fragata Alexandrino de Alencar, que o encaminhara àquela escola.
Desse modo, numa época em que a maioria dos aprendizes era recrutada pela polícia, João Cândido alistou-se com o número 40 na Marinha do Brasil (1894), aos 13 anos de idade, ingressando como grumete a 10 de dezembro de 1895, fazendo a sua primeira viagem como Aprendiz de Marinheiro[1].
Em 1908, para acompanhar o final da construção de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, João Cândido foi enviado para a Inglaterra, onde tomou conhecimento do movimento realizado pelos marinheiros britânicos entre 1903 e 1906, reivindicando melhores condições de trabalho.
O movimento dos marinheiros da Armada
O uso da chibata como castigo na Armada brasileira já havia sido abolido em um dos primeiros atos do regime republicano, o decreto número 2, de 16 de Novembro de 1889, assinado pelo então presidente marechal Deodoro da Fonseca. Todavia, o castigo cruel continuava de fato a ser aplicado, a critério dos oficiais. Num contingente de 90% de negros e mulatos, centenas de marujos continuavam a ter seus corpos retalhados pela chibata, como no tempo da escravidão. Entre os marinheiros, insatisfeitos com os baixos soldos, com a má alimentação e, principalmente, com os degradantes castigos corporais, crescia o clima de tensão.
Ainda na Grã-Bretanha, e depois, ao retornarem ao Brasil, os marinheiros que lá estiveram para acompanhar a construção dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo, iniciaram um movimento conspiratório com vistas a tomar uma atitude mais efetiva no sentido de acabar com a Chibata na Marinha de Guerra.
As eleições presidenciais de 1910, embora vencidas pelo candidato situacionista marechal Hermes da Fonseca, expressaram o descontentamento da sociedade com o regime vigente. O candidato oposicionista, Rui Barbosa, realizou intensa campanha eleitoral, reforçando a esperança de transformações do povo brasileiro.
Esgotadas as tentativas pacíficas e propositivas dos marinheiros, incluindo uma audiência de João Cândido no Gabinete do presidente anterior, Nilo Peçanha, os marinheiros decidiram que iriam fazer um motim pelo fim do uso da chibata em 25 de Novembro de 1910.
Entretanto, em 16 de novembro, um dia após a posse do marechal Hermes da Fonseca, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi punido com 250 chibatadas, que não se interromperam nem mesmo com o desmaio do mesmo, conforme noticiado pelos jornais da época, aplicadas na presença de toda a tripulação do Encouraçado Minas Gerais, nau capitânea da Armada. Este fato antecipou a data programada para o motim, de 25 para 22 de Novembro de 1910.
Revolta da Chibata
No dia 22 de novembro de 1910, João Cândido deu início ao levante, assumindo o comando do Minas Gerais, pleiteando a abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra brasileira. Foi designado à época, pela imprensa, como Almirante Negro. Por quatro dias, os navios de guerra Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro apontaram os seus canhões para a Capital Federal. No ultimato dirigido ao Presidente Hermes da Fonseca, os revoltosos declararam: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira". Embora a rebelião tenha terminado com o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da chibata na Marinha e de conceder anistia aos revoltosos, João Cândido e os demais implicados foram detidos.
Expulsão da Marinha
Pouco tempo depois, a eclosão de um novo levante entre os marinheiros, agora no quartel da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 9 de Dezembro de 1910, foi reprimida pelas autoridades.
Apesar de não haver participado deste levante, João Cândido foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. Em Abril de 1911 foi detido no Hospital dos Alienados, como louco e indigente, de onde foi solto em 1912, absolvido das acusações juntamente com os seus companheiros. À época, o seu defensor foi o rábula Evaristo de Moraes, contratado pela Ordem de Nossa Senhora do Rosário e dos Homens Pretos, que declinou o recebimento dos honorários que lhe eram devidos.
Banido da Marinha, João Cândido sofreu grandes privações, vivendo precariamente, trabalhando como estivador e descarregando peixes na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.
De acordo com a sua ficha, nos quinze anos em que permaneceu na Marinha, foi castigado em nove ocasiões, preso entre dois a quatro dias em celas solitárias "a pão e água", além de ter sido duas vezes rebaixado de cabo a marinheiro. A sua ficha registra ainda dez elogios por bom comportamento, o último três meses antes da revolta.
Falecimento
Discriminado e perseguido até ao fim de sua vida, se recolheu no município de São João de Meriti, onde veio a defalecer de câncer no Hospital Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, pobre e esquecido, em 1969, aos 89 anos de idade.
Legado, homenagens e resgates
A sua memória foi resgatada na década de 1970 pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc, no samba "O mestre-sala dos mares".
Em outubro de 2005, o deputado nacionalista Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP) apresentou o projeto de lei n. 5874/05, determinando inscrever o nome de João Cândido no "Livro dos Heróis da Pátria", que se encontra no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).
Em Setembro de 2007, faleceu, aos 82 anos de idade, Zeelândia Cândido, filha mais nova de João Cândido, que dedicou a vida a obter a reintegração do nome de seu pai à Marinha, corporação de onde saiu sem quaisquer direitos.
Em 22 de Novembro de 2007 (aniversário de 97 anos da Revolta), foi inaugurada uma estátua em homenagem ao "Almirante Negro", nos jardins do Museu da República, antigo Palácio do Catete, bombardeado durante a revolta. A estátua, de corpo inteiro, de João Cândido com o leme em suas mãos, foi afixada de frente para o mar. Como parte da solenidade, que teve a presença de autoridades, familiares e representantes dos movimentos sociais, foi exibido o filme Memórias da Chibata, de Marcos Manhães Marins, e feita uma exposição fotográfica da Revolta da Chibata, sob a curadoria do cientista político e juiz de direito João Batista Damasceno.
Em 24 de julho de 2008, 39 anos depois da morte de João Cândido Felisberto, publicou-se, no Diário Oficial da União, a Lei Nº 11.756 que concedeu anistia[4] ao líder da Revolta da Chibata e a seus companheiros, idéia que partiu do Senado Federal e foi aprovada pela Câmara dos Deputados, em 13 de maio de 2008, dia em que se comemora a Abolição da Escravatura no Brasil.
No entanto, a lei foi vetada na parte em que determinava a reintegração de João Cândido à Marinha do Brasil. O motivo do veto é que esse reabilitação "post mortem" importaria em impacto orçamentário para o qual a lei não apontou a referida fonte de custeio. Assim, uma vez que tal reconhecimento imporia à União o pagamento dos soldos atrasados e das promoções que lhe seriam devidas, bem como na concessão de aposentadoria e pensão aos seus dependentes, nesse particular a lei foi vetada por ser contrária ao interesse público, no julgamento da equipe do governo federal.
Levante de João Cândido era tabu na instituição
A Revolta da Chibata sempre foi um tabu para a Marinha. Ela não só ignorou a anistia concedida pelo Congresso em 1910 aos marinheiros sublevados como até recentemente perseguiu os que trataram os revoltosos como heróis.No prefácio de "A Revolta da Chibata", Edmar Morel relata que Aparício Torelly, o Barão de Itararé, foi seqüestrado em 1934 por oficiais da Marinha depois de publicar na "Folha do Povo" duas reportagens sobre a vida de João Cândido. Segundo Morel, foi depois deste episódio que o humorista colocou na porta de sua sala no jornal a placa "Entre sem bater". O "Diário da Noite" teve de interromper, por pressões, uma campanha para ajudar o ex-marinheiro que estava doente. No Estado Novo, o escritor Gustavo Barroso foi proibido pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) de continuar a escrever sobre a revolta em "A Manhã".
O próprio Edmar Morel foi cassado pelo regime militar, em 14 de abril de 1964.
Ainda durante a ditadura, Aldir Blanc teve problemas com a censura quando ele e João Bosco compuseram "O Mestre-Sala dos Mares", gravado por Elis Regina em 1974. Ele conta que teve de comparecer três vezes ao departamento de censura que funcionava no Palácio do Catete, então já transformado em museu. "Ouvimos ameaças veladas de que o Cenimar [Centro de Informações da Marinha] não toleraria loas a um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais."
O título original do samba era "O Almirante Negro". Com o veto eles mudaram para "O Navegante Negro", sem sucesso. Um dia o censor lhe chamou num canto e disse que o problema continuava porque a música fazia apologia dos negros. "Foi a maior manifestação de racismo que já vi." Eles mudaram o título para "Mestre-Sala dos Mares" e várias passagens, e a música foi aprovada.
Apesar da decisão do Congresso em 1910, João Cândido nunca foi anistiado. Por essa razão, a então senadora Marina Silva (PT-AC) apresentou projeto de lei que lhe concede a anistia "post mortem". O projeto, aprovado no Senado em 2002, está parado na Câmara desde março de 2005.
O Palácio do Catete era a sede do governo em 1910 quando os sublevados da Armada apontaram os canhões para o Rio. Em 22 de dezembro do ano passado, os jardins do Catete, hoje Museu da República, passaram a abrigar a estátua de bronze de três metros de João Cândido. Obra do escultor Valter Britto, o Almirante Negro olha para as águas da Guanabara onde, há 97 anos, liderou a revolta dos marinheiros. (MB)
O próprio Edmar Morel foi cassado pelo regime militar, em 14 de abril de 1964.
Ainda durante a ditadura, Aldir Blanc teve problemas com a censura quando ele e João Bosco compuseram "O Mestre-Sala dos Mares", gravado por Elis Regina em 1974. Ele conta que teve de comparecer três vezes ao departamento de censura que funcionava no Palácio do Catete, então já transformado em museu. "Ouvimos ameaças veladas de que o Cenimar [Centro de Informações da Marinha] não toleraria loas a um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais."
O título original do samba era "O Almirante Negro". Com o veto eles mudaram para "O Navegante Negro", sem sucesso. Um dia o censor lhe chamou num canto e disse que o problema continuava porque a música fazia apologia dos negros. "Foi a maior manifestação de racismo que já vi." Eles mudaram o título para "Mestre-Sala dos Mares" e várias passagens, e a música foi aprovada.
Apesar da decisão do Congresso em 1910, João Cândido nunca foi anistiado. Por essa razão, a então senadora Marina Silva (PT-AC) apresentou projeto de lei que lhe concede a anistia "post mortem". O projeto, aprovado no Senado em 2002, está parado na Câmara desde março de 2005.
O Palácio do Catete era a sede do governo em 1910 quando os sublevados da Armada apontaram os canhões para o Rio. Em 22 de dezembro do ano passado, os jardins do Catete, hoje Museu da República, passaram a abrigar a estátua de bronze de três metros de João Cândido. Obra do escultor Valter Britto, o Almirante Negro olha para as águas da Guanabara onde, há 97 anos, liderou a revolta dos marinheiros. (MB)
Marinha não vê heroísmo no episódio
Até hoje a Marinha considera a Revolta da Chibata "uma rebelião ilegal, sem qualquer amparo moral ou legítimo", sustenta o Centro de Comunicação Social da Marinha:
"A Revolta da Chibata, ocorrida no ano de 1910, sob a ótica desta Força constitui-se em um triste episódio da história do país e da própria Marinha do Brasil (MB), e sobre a qual, hoje, dificilmente podemos aquilatar, com precisão, as origens e desdobramentos que antecederam aquela ruptura do preceito hierárquico. A MB sempre se pautou pela firme convicção de que as questões envolvendo qualquer tipo de reivindicação obteriam a devida compreensão, reconhecimento e respaldo para decisão superior, por meio do exercício da argumentação e sobretudo do diálogo entre as partes, o que é de fundamental importância para o pleno exercício da liderança e para o estabelecimento de vínculos de lealdade. A despeito dos fatos que motivaram aquela crise, o movimento não pode ser considerado como "ato de bravura" ou de "caráter humanitário". Vidas foram sacrificadas, material da Fazenda foi danificado, a integridade da capital foi ameaçada. Esta Força entende que outras formas de persuasão e de convencimento não foram esgotadas pelos amotinados, motivo pelo qual considera a Revolta da Chibata uma rebelião ilegal, sem qualquer amparo moral ou legítimo, não obstante a indesejável e inadmissível quebra da hierarquia. Na história do Brasil, muitas questões ligadas a direitos humanitários obtiveram solução pelas vias legais, sem açodamento. A abolição da escravatura, assunto mais abrangente e de importância maior na escala de valores nacionais, obteve equacionamento de forma gradual, inicialmente, por meio de leis menores, que foram se complementando, até atingir-se a lei definitiva, em maio de 1888.
Quaisquer que tenham sido as intenções do sr. João Cândido Felisberto e dos demais amotinados que o apoiaram, fazendo uso do ideal do resgate da dignidade humana, a MB não reconhece heroísmo nas ações daquele movimento. Os estudos oficiais e fidedignos sobre o tema sequer certificam o verdadeiro mentor da revolta"{joscommentenable}
Ex-marinheiro morreu pobre aos 89 anos
Em 22 de novembro de 1910, inconformados com os castigos corporais ainda impostos pelos oficiais da Marinha, João Cândido e cerca de 2.300 marinheiros se sublevaram, tomaram à força quatro navios de guerra na baía da Guanabara e bombardearam o Rio, então capital federal, como advertência. No episódio, morreram quatro oficiais nos navios e duas crianças em terra.
A rebelião foi planejada, e seu estopim foi o castigo de 250 chibatadas imposto ao marinheiro Marcelino Rodrigues diante da tripulação do encouraçado Minas Gerais. Os revoltosos tomaram também o encouraçado São Paulo, o cruzador Bahia e o navio de patrulha Deodoro. João Cândido foi guindado a chefe da insurreição, "o primeiro marinheiro no mundo a comandar uma esquadra", observou Edmar Morel.
Uma semana antes da rebelião, o marechal Hermes da Fonseca assumira a Presidência.
Pressionado pelo poderio nas mãos da marujada, o Congresso aprovou o fim dos castigos e a anistia. Com a vitória, quatro dias depois os navios foram devolvidos. Meses depois, no entanto, uma nova rebelião -forjada, segundo os próprios marinheiros, por oficiais para incriminá-los-, provocou uma forte repressão na Marinha.
João Cândido e 17 militares que haviam participado da primeira revolta foram levados para a Ilha das Cobras. No terceiro dia, 16 deles estavam mortos. João Cândido sobreviveu. Apesar da anistia, foi expulso da Armada.
A Marinha aprisionou centenas de outros revoltosos no navio Satélite e os mandou para a Amazônia. Vários foram fuzilados e os que sobreviveram foram deixados na floresta para trabalho forçado.
O historiador Marco Morel avalia que o movimento serviu como "um golpe de misericórdia nos resquícios de escravidão que ainda permaneciam arraigados na sociedade".
O gaúcho João Cândido teve uma vida difícil depois da expulsão. Redescoberto na década de 1950 trabalhando num mercado de peixes, foi transformado num símbolo e apoiou a Revolta dos Marinheiros, ocorrida em 25 de março de 1964, às vésperas do golpe militar.
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Ele morreu em 1969, aos 89 anos, pobre, doente e sem ter sido anistiado. (MB)
Quase 42 anos depois de morrer pobre e esquecido, o marinheiro João Cândido Felisberto - também conhecido como Almirante Negro - começa a ser reverenciado como herói do país. Em 1910, ele liderou mais de 2 mil homens naquela que ficou conhecida como a Revolta da Chibata, movimento que pedia o fim dos castigos físicos e chibatadas como forma de punição permitida pela Marinha. A partir de fotos, reportagens e entrevistas guardadas por décadas por um dos filhos do marujo, será inaugurado, no fim do ano, um museu que relembra a história de João Cândido.
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