“Povo negro unido/ é povo negro forte,/ que não teme a luta,/ que não teme a morte”, bradava uma moquequinha de gente espremida por policiais num auditório.

Auditório da OAB ocupada em audiência na manhã de 26/02: a maioria, agentes de provocação estimulados pelo discurso exterminicida do governador Rui Costa. (Esta e as demais fotos são de Léo Ornelas).

UM DIA SE VERÁ que um dos piores males da chegada do petismo ao centro do poder na recente década foi ter transformado os movimentos sociais em mera correia de transmissão dos interesses materiais dos seus ideólogos. Esperemos isso neste domingo, 15, quando das manifestações nacionais do “Fora, Dilma!”. [clique para saber]

Dentre os movimento sociais organizados, talvez seja o Movimento Negro (MN) o que mais se deixou prejudicar pelo canto de sereia da ortodoxia ditada por aqueles ideólogos. Aliás, nenhum deles negro ou sequer compromissado na compreensão do racismo que estrutura a sociedade brasileira.


Decorre da submissão ao “esquerdismo” governamental – entre aspas, porque grande parte é apenas aparência – o fato da baixa intensidade dos protestos contra a sistemática matança, na Bahia e alhures, de jovens negros vitimados seja por ações da Polícia seja pela disputa do tráfico ilícito de drogas e armas.

Ações que estão umbilicalmente embricadas. Nas quais o negro entra somente como vítima-algoz. Vez que não faz parte da cadeia de comando nem de uma coisa nem de outra.

A liderança do MN, crente de sua opção “esquerdista” – mesmo que pouco entenda o que isso hoje signifique – vê-se compromissada com essa esquerda fajuta. Diante dos tenebrosos fatos que engolfam os líderes partidários que seguem, ao menos na Bahia, vê-se também envergonhada.

É ESSE “COMPROMISSO”, no fundo similiar ao que o escravo tem com o seu senhor, que deprime, torna obesas e envelhecidas, na aparência e no verbo, tantas possíveis lideranças sociais, hoje abortadas e cumprindo tarefas para seus chefetes.

Negros devem restringir suas iniciativas políticas estritamente a questões de sua “especificidade”, identidade etc. Ir às ruas? Somente no 20 de Novembro (transformado em Carnaval) e para assuntos do seu próprio umbigo.

É aquele “compromisso” que dá liberdade para os novos donos do poder na Bahia tripudiarem não apenas sobre a pilha de cadáveres semanais que faz de Salvador uma cidade ensanguentada.

Eles, por falta de uma imprensa forte e independente, por contarem com a cooptação da Universidade, vêem como normal o assalto que praticam ou deixam praticar contra a bolsa pública, a violência da omissão, das regalias, das desigualdades que disseram iriam combater.


Por ter abdicado de cumprir o dever de denúncia dos desmandos praticados em benefício, pessoal ou de grupo, dos seus caciques de partidos e correntes, a liderança do MN obedece a um limite de crítica ao status quo.

Não radicaliza nem vai às ruas porque seu novo nhônhô aí está porque para ele fez campanha, votou (mesmo se nulo), elegeu, reelegeu e quer que continue. Por temer ou a patrulha da cartilha dos ideólogos, ou a perda do pouco que lhe foi cedido nesse governo. Não rompe, mantém no poder os que dão prosseguimento ao massacre de sempre.

O AMBIENTE em recente ato, na sede local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), lembrou-nos, a menos a mim que também lá estive, os piores tempos que presenciei na luta contra o final da última ditadura militar no país.



Presidente da OAB/Bahia anuncia, em audiência convocada pelo “Reaja” e pela Anistia Internacional, que o secretário de segurança de Rui quer que faça também uma audiência sobre policiais assassinados

Estimulados pelo discurso do governador Rui Costa dias antes, em que incentivava os seus PMs a matar supostos criminosos como artilheiros fazem gol, auditório e dependências da OAB foram tomados por centenas de agentes policiais. Muitos, secretos, os mais exaltados. Ali estavam, sob a chancela sindical, para provocar os organizadores do evento. Um carro de som na entrada do prédio emitia palavras de ordem na mesma linha da fala do governador.


Governador que, como é de se esperar, adota dois pesos e duas medidas para suspeitos de crimes. Miseráveis pés de chinelo envolvidos em crimes, ele deu ordem, podem ser sumariamente exterminados. Quanto a gente sua, são outros milhões e quinhentos…

Seu vice, João Leão(PP), incluso na lista do Supremo Tribunal Federal como suspeito de embolsar ilicitamente parte dos bilhões de dólares desviados da Petrobras [clique para ler], assim como outro aliado, Mário Negromonte (PP), que o ex-governador Jacques Wagner (PT) fez conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios, esses “são inocentes até prova em contrário” – como Rui e Wagner se apressam em defender.

Por sinal, será interessante verificar, dessa vez, como o petismo agirá em relação ao ministro do STF, Teori Zavascki, relator e responsável pela lista do chamado Petrolão. Ele não é negro nem se chama Benedito Barbosa, nem Joaquim. Parece que agora não pode usar a militância negra organizada como capataz da insidiosa campanha de desqualificação desse. [clique para ler]



O professor e advogado Samuel Vida, também militante, fala na OAB no ato sobre a execução de 12 jovens negros pela PM petista

Voltando ao ato. Convocado pela campanha “Reaja ou será morto/Reaja ou será morta” [clique para ler] para discutir formas de encaminhando de busca de soluções legais para o esclarecimento sobre a execução de 12 jovens, em uma única abordagem da Rondesp (Rondas Especiais da PM baiana), na madrugada de 6 de fevereiro [clique pra ler]. O ato apenas não desembocou em quebra-quebra em razão da seriedade de quem o organizou.

O “PETISMO” VAI além do PT e suas facções internas. Incluiu o amplo espectro das forças que aderiram ao projeto político traçado por gente como José Dirceu e Lula. Projeto que a cada dia, pelos dados e fatos disponíveis, revela-se mais neoconservador. Mesmo que a propaganda queira nos engolir o rótulo ou de “progressista” ou de “esquerda”.


Direitistas de quatro costados, das elites capitalistas, compõem o governo. O arco inclui economistas ideólogos como Bresser Pereira e Delfim Neto, da época da estrotosférica inflação de três dígitos no Brasil. O que comprova que para o projeto de poder petista, uma determinada direita é bem-vinda, desde que do nosso lado.

De grandes grupos empresariais nacionais e transnacionais. De empreiteiras ao setor financeiro. A ultraconservadores representantes do Brasil arcaico – vale Kátia Abreu, Paulo Maluf, Fernando Collor de Mello, José Sarney… Não servem apenas siglas que se nomeiam “socialistas”, “comunistas” e outros istas.

NA BAHIA, MAIOR ESTADO negro do país, a matança de negros segue inalterada, num continuum.



Ativistas, em primeiro plano, no evento quase tumultuado por agentes policiais

Ex-carlistas são hoje os principais sócios do poder petista e deste goza as mais reverenciais regalias. Ainda agora a cúpula de poder, mergulhada em escândalos de corrupção e à justa insatisfação de setores da sociedade aos desmandos governamentais, atribui tudo a “uma tentativa de golpe direitista”.

Como se os direitistas estivessem somente do lado de cá, ou como se fosse proibido ir às ruas protestar como sempre fizemos. Quer dizer, quando o PT mobilizou sua militância contra a lei de responsabilidade fiscal, contra o Plano Real, contra Collor, contra o colégio eleitoral que derrotou o candidato à presidência da ditadura militar, isso era em defesa da democracia.


Quando por toda a década de 1990 e começo dos anos 2000 a militância negra do petismo, ditada por aqueles mesmos ideólogos, resistia à proposta de adoção de políticas de ação afirmativa, isso foi em nome de “causas maiores”.

Sempre soubemos, eu e uma moquequinha de outros que levamos porradada policia na luta por cotas para negros nas universidades. [clique para ler]