OBVIOUS - ANA MACARINI
A nossa obstinada busca pela “paz interior” nos garantirá a refinada capacidade de nos blindarmos dos perigos do mundo e do maior perigo de todos: sermos incluídos na dor do outro. Sairmos da confortável situação de “espectador” para a arriscada tarefa de “personagem” é algo que nos assusta demais. Esse esforço de preservação pode nos render uma ilusória sensação de estarmos protegidos das tragédias alheias. Mas, nos cobrará um alto tributo: seremos ilhas humanas cercadas de indiferença por todos os lados. A indiferença é uma atitude deliberada e cruel, travestida de distanciamento involuntário. O fato de não sermos nós os causadores do sofrimento, não nos absolve; não nos concede o benefício da cegueira emocional. Observar o sofrimento alheio seja ele confesso ou não, e nem ao menos nos dispormos a encontrar uma singela forma de minimizá-lo, nos iguala àquele que o causou. Ou não?!
A mínima disposição de sairmos do modo automático, talvez nos ajude a ter olhos capazes de enxergar além do que é óbvio ou visível. Desde o momento em que saímos de nossas camas (e nesse caso é importante, mas não indispesnável, que tenhamos uma, com um teto confortável sobre ela mais as garantias mínimas de sobrevivência!), até o momento em que retornamos a ela no final do dia, fazemos inúmeras intersecções com outras pessoas, conhecidas ou não. No entanto, o fato é que somos especialistas em transformar o que seria uma intersecção num tangenciamento. Tomamos tanto cuidado para não nos esbarrarmos que ficamos assim: linhas que se tocam, mas não se cruzam. Somos seres isolados, encapsulados, encaixotados.
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