Marco Aurélio, ministro do STF.
Imagem: Carlos Humberto/STF |
O ministro Marco Aurélio
Mello, do STF, disse acreditar que Lula sabia da existência do mensalão. “Eu não
posso imaginar que alguém atilado como é o ex-presidente Lula, safo como eu
disse, não tivesse conhecimento do que estava ocorrendo na República”. Na versão
do delator Roberto Jefferson, Lula teria vertido lágrimas ao ser comunicado por
ele da existência do esquema. Em entrevista ao blog, Marco Aurélio levou o pé
atrás: “Será que durante os oito anos [de mandato] ele delegou tanto a chefia do
governo?”
Marco Aurélio recebeu o
repórter na tarde desta segunda-feira (18) no seu gabinete no Tribunal Superior
Eleitoral. Nesta terça-feira (19), ele assumirá pela terceira vez a presidência
da Corte máxima da Justiça Eleitoral. Disse esperar que a Câmara casse os
mandatos dos deputados federais condenados no julgamento do mensalão. “Eu não
concebo que, em se tratando de um crime contra a administração pública, vindo à
tona uma decisão condenatória, o condenado continue exercendo o mandato
político.”
O ministro realçou que uma das
consequências da execução da pena é “a suspensão dos direitos políticos” do
condenado. “Logicamente, quem está com os direitos suspensos não pode exercer o
mandato”, enfatizou o entrevistado. Marco Aurélio reconheceu que houve uma
“involução” do STF nessa matéria. Ao julgar outro processo, envolvendo o senador
Ivo Cassol (PP-RO), o tribunal entendeu, por 6 votos a 5, que não cabe ao
Judiciário “declarar a perda do mandato político”. Ainda assim, ele defende a
cassação automática.
Para Marco Aurélio, não
caberia à Mesa diretora da Câmara senão “constatar o fato, conferir a
documentação do fato e, diante de uma decisão do Supremo, simplesmente proclamar
a perda” do mandato. “Nós temos o exemplo [de Natan] Donadon que, condenado a 13
anos, continua ainda titular do mandato”, afirmou o ministro antes de manifestar
sua expectativa de que a Câmara não irá permitir que se forme uma bancada da
Papuda. “A cobrança da sociedade, ante o acompanhamento da imprensa, é muito
rígida. E o nosso Congresso está a dever satisfações à sociedade.”
Instado a comentar a nota em
que o PT criticou o julgamento do mensalão e as afirmações dos petistas José
Dirceu e José Genoíno de que são “presos políticos”, Marco Aurélio afirmou: “É o
direito de espernerar. Condenados nunca ficam satisfeitos com condenação.”
Segundo ele, o STF chegou às condenações guiando-se exclusivamente pelas provas.
“Não houve ficção jurírica.” Lembrou que a maioria dos ministros do Supremo “foi
nomeada pelo governo do PT”. E ironizou: “Há alguma coisa que não fecha nesse
sistema.”
Quais serão os efeitos do
julgamento do mensalão na sociedade e no compartamento dos políticos?, indagou o
repórter. E Marco Aurélio: “A percepção de que a lei é linear, vale para todos.”
Afasta-se do cenário, na opinião do ministro, “a sensação de impunidade”. Quanto
aos “homens públicos, ficarão um pouco mais espertos. Voltarão os olhos para
servir a partir do cargo e não para se servirem do cargo, visando vantagens
pessoais.”
Recordou-se a Marco Aurélio
que, enquanto o STF julgava o mensalão, proliferaram os casos de corrupção —a
máfia dos fiscais na prefeitura paulistana, as propinas e a a formação de cartel
no metrô de São Paulo, os desvios de verbas nos ministérios, por meio de ONGs…
Ele afirmou que “muitos julgamentos” como o do mensalão terão de ocorrer para
que a corrupção seja inibida.
“Esses são casos que
afloraram”, disse Marco Aurélio. “E os que não afloram, que ficam debaixo do
tapete, como se costuma dizer?” Otimista, o ministro disse crer que “um dia nós
teremos um contexto bem mais sadio em termos de cultura no Brasil.” Avalia que,
para que isso ocorra, são essenciais as atuações da imprensa, do Ministério
Público, da Polícia Federal e do próprio Judiciário, que precisa atuar “a tempo
e modo, pouco importando o envolvido.”
Tomado pelas palavras, o
ministro não parece tão otimista quanto ao julgamento dos embargos infringentes,
previsto para o ano que vem. Receia que o STF altere condenações pelo crime de
formação de quadrilha ao julgar recursos impetrados por réus como José Dirceu,
José Genoino e Delúbio Soares. Deve-se o temor à alteração da composição do
tribunal a partir da aposentadoria dos ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres
Britto, substituídos por Teori Zavascki e Luíz Roberto Barroso.
A mudança já se materializou
no julgamento do processo que envolve o senador rondoniense Ivo Cassol. “Houve
uma dispersão de votos quanto à configuração da quadrilha”, admite Marco
Aurélio. Caminha-se para um cenário em que a maioria do plenário pode enxergar
mera “coautoria” onde antes via formação de quadrilha. Algo que, na opinião de
Marco Aurélio, ateará decepção na opinião pública. “Como cidadão, eu ficarei
desapontado” se, “depois de a Corte maior do país ter batido o martelo num certo
sentido, vir a dar o dito pelo não dito”, permitindo que condenados como Dirceu
migrem “do regime fechado para o semiaberto.”
Conforme já antecipado aqui no
início da noite passada, Marco Aurélio fez críticas à maneira como o presidente
do STF, Joaquim Barbosa, implementou os primeiros pedidos de prisão do mensalão.
“Não havia motivo para o açodamento”, declarou. “Eu teria aguardado a
segunda-feira, sem dúvida alguma”. Estranhou a transferência dos presos de São
Paulo e Belo Horizonte para Brasília. “Para quê? Para depois eles retornarem à
origem?”
O ministro desaprovou também a
demora no envio à Vara de Execuções Penais do DF das “cartas de sentença”,
documentos que detalham a situação de cada preso. E classificou de “impensável”
o fato de condenados ao regime semiaberto terem sido presos em regime fechado,
ainda que por poucos dias.
Noutro trecho da entrevista,
Marco Aurélio reiterou suas críticas ao temperamento mercurial de Joaquim
Barbosa. “Nós não podemos permitir que a discussão descambe para o campo
pessoal. E foi isso que ocorreu várias vezes. Digo mais: se não houvesse tantos
incidentes, nós teríamos terminado esse processo muito antes.” Na sua opinião,
falta “urbanidade” a Barbosa. “Hoje, penso que é pacífico que ele não é bom no
diálogo”, “não convive bem com a divergência.” Numa autoavaliação, Marco Aurélio
disse que aprendeu a lidar a controvérsia na sua própria casa. “Eu sou
flamenguista e minha mulher é Fluminense."
Josias de Souza
Blog
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