quarta-feira, 23 de abril de 2014

CÂMARA CASCUDO ~UMA CONVERSA SOBRE A CULTURA POPULAR

Extraído do Templo Cultural Delfos


Câmara Cascudo, por William
"Sou um homem que não desanimou de viver e acho a vida cheia de encantos."
- Câmara Cascudo


"Creio na bondade sem a garantia prévia da gratidão. Sem que se assegure da memória devedora. Sem que se estabeleça, pelo ato generoso, uma servidão vitalícia no beneficiado. Bondade paga-se no puro e simples ato de sua realização. Como um fruto justifica a existência útil da árvore. Bondade antevendo a recompensa é apólice de sociedade mutualista rendendo do capital intocável do favor inicial. Os pássaros não são devedores dos frutos e da água da fonte. Eles testificam, perante a natureza, a continuidade da missão cultural."
- Câmara Cascudo, em "O Tempo e Eu", Natal: UFRN/Imprensa Universitária, 1968.

Câmara Cascudo
Luís da Câmara Cascudo (Natal RN 1898 - idem 1986). Folclorista, professor, historiador e jornalista. Filho do coronel Francisco Justino de Oliveira Cascudo (1863 - 1935) e de Anna da Câmara Cascudo. Inicia a carreira jornalística em 1918, assinando a coluna Bric-à-Brac do jornal A Imprensa, administrado por seu pai. Forma-se na Faculdade de Direito do Recife em 1928, e trabalha como professor de história do Colégio Atheneu Norteriograndense. Em 1934, torna-se sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB e escreve numerosos artigos para as revistas publicadas pelo instituto. Funda a Sociedade Brasileira de Folclore em 1941. Dois anos depois, a convite do poeta Augusto Meyer (1902 - 1970), diretor do Instituto Nacional do Livro - INL, começa a redigir o Dicionário do Folclore Brasileiro, importante obra de referência, lançada em 1954. Nas décadas de 1950 e 1960, é responsável pela organização de diversas coletâneas de textos históricos, etnográficos e sobre os mitos folclóricos nacionais. Assume o cargo de professor catedrático de direito internacional público da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, em 1961. Em viagem pela África, em 1963, visita Angola, Guiné, Congo, São Tomé, Cabo Verde e Guiné-Bissau, onde coleta informações utilizadas nos livros A Cozinha Africana no Brasil, de 1964, e História da Alimentação no Brasil, publicado em dois volumes em 1967 e 1968.


"É evidente que somos bem pouco, muito pouco felizes com a espantosa aparelhagem possuída para fazer-nos conhecer a terra, céu e mar. A vida tornou-se febril e nas cidades grandes são anfiteatros onde o homem se debate, sofrendo como se fosse submetido a uma vivisseção. Os complexos tradicionais de “amigo”, “compadre”, “companheiro” sofrem restrições calamitosas e vão cedendo à maré montante dos interesses crescentes. Vivemos sob o signo da angústia. Angústia significa justamente o nosso estado de compressão, opressão mental, asfixia econômica, hostilidade ambiental."
- Câmara Cascudo , em "Canto de Muro". Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1959.


"Eu sou apenas uma célula, uma pequenina célula que procura ser útil na fidelidade da função."
- Câmara Cascudo


LUÍS DA CÂMARA CASCUDO, POR ELE MESMO
Câmara Cascudo
Nasci na rua das Virgens e o padre João Maria batizou-me no Bom Jesus das Dores, Campina da Ribeira, capela sem torre mas o sino tocava as Trindades ao anoitecer. Criei-me olhando o Potengi, o Monte, os mangues da Aldeia Velha onde vivera, menino como eu, Felipe Camarão. Havia corujas de papel no céu da tarde e passarinhos nas árvores adultas (...). Natal de 96 lampeões de querosene. Santos Reis da Limpa em janeiro. Santa Cruz da Bica em maio. Senhora d’Apresentação em novembro. Farinha de castanha e carrossel. Xarias e Canguleiros. (...). Tinha 13 anos quando veio a luz elétrica. Festas no Tirol. Violão de Heronides França. Livros. Cursos. Viagens. Sertão de Pedra e Europa.

Nunca pensei em deixar a minha terra.

Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço. Percepção medular da contemporaneidade.

Nossa casa hospedou a Família Imperial e Fabião das Queimadas, cantador que fora escravo. (...) Filho único de chefe político, ninguém acreditava no meu desinteresse eleitoral. Impossível para mim dividir conterrâneos em cores, gestos de dedos, quando a terra é uma unidade com sua gente. (...) Dois homens quiseram fixar-me fora de Natal: Getúlio Vargas no Rio de Janeiro e Agamenon Magalhães, no Recife. Jamais os esquecerei porque nada pedira. Alguém deveria ficar estudando o material economicamente inútil. Poder informar dos fatos distantes na hora sugestiva da necessidade.

Fiquei com essa missão.

Andei e li o possível no espaço e no tempo. Lembro conversas com os velhos que sabiam iluminar a saudade. Não há recanto sem evocar-me um episódio, um acontecimento, o perfume duma velhice. Tudo tem uma história digna de ressurreição e de uma simpatia. Velhas árvores e velhos nomes, imortais na memória.

Em 1946 fiz parte de uma comissão enviada pelo Ministério das Relações Exteriores ao Uruguai. Éramos três: Aluísio de Castro, Angione Costa e eu, único sobrevivente. Voltando, contou-me Aluísio de Castro que Afrânio Peixoto (escritor baiano), sabendo da expedição cultural, dissera num leve riso: "E ele deixou o Rio Grande do Norte? Câmara Cascudo é um provinciano incurável!".

Encontrara meu título justo, real e legítimo.

Provinciano incurável! Nada mais.
- Em "A Província", edição comemorativa aos seus setenta anos de idade e cinqüenta de atividade literária.
Câmara Cascudo em sua biblioteca escrevendo
"A biblioteca é a minha Babilônia. E nela todos os volumes me interessam. Cada livro que leio – ou releio – me fascina. Mas a leitura é um hábito. Só a repetição traz o costume, o prazer."
- Câmara Cascudo, citado em "O Colecionador de Crepúsculos". [Barreto, Anna Maria Cascudo].

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