quarta-feira, 23 de abril de 2014

SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA - RAÍZES DO BRASIL


Extraído do Templo Cultural Delfos




Sergio Buarque de Holanda
"Não se deve confundir 'cordialidade' com 'boas maneiras'. (...) O 'homem cordial' não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem aos ritualismos da polidez."


São Paulo, 11 de julho de 1902 — São Paulo, 24 de abril de 1982. Jornalista, sociólogo e historiador nascido em São Paulo, um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX, que tentou interpretar o Brasil, sua estrutura social e política, a partir das raízes históricas nacionais. Antes de se tornar historiador e escrever, foi jornalista e tornou-se amigo dos principais representantes do Modernismo, como Mário de Andrade e Oswald de Andrade, e passou a escrever em revistas ligadas ao movimento. Além disso, trabalhou em agências de notícias internacionais e diversos órgãos da imprensa brasileira, como o “Jornal do Brasil” e a “Folha de S. Paulo”, durante muitos anos da sua vida. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro (1921) e participou ativamente do Movimento Modernista (1922).
Sergio Buarque de Holanda
Formou-se em Direito (1925), pela extinta Universidade do Brasil, mas continuou exercendo o jornalismo e chegou a ser correspondente internacional dos Diários Associados, na Europa. Entrou em contato com o movimento modernista europeu, conheceu a obra do sociólogo alemão Max Weber e presenciou a ascensão do nazismo na Alemanha. De volta ao Brasil (1936), passou a ensinar História Moderna e Contemporânea na então Universidade do Distrito Federal e publicou o seu clássico Raízes do Brasil(1936). Distraído, emotivo e irônico, Sérgio Buarque lia em seis línguas, cantava tango em alemão e samba em latim. Em suas conversas nunca se sabia onde ia parar: Roma, Estados Unidos, Idade Média ou Brasil Colônia. Foi diretor do Museu Paulista, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, das Universidades de Roma, Harvard, Columbia, Yale e outras.
Prestigiado internacionalmente, foi para a Itália (1952) e fez parte da cadeira de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma, durante dois anos. Tornou-se catedrático de História da Civilização Brasileira, USP (1958), onde permaneceu até requerer sua aposentaria como professor (1969), em solidariedade aos colegas afastados pela ditadura. Foi casado com Maria Amélia Alvim Buarque de Holanda, a Memélia, com quem teve sete filhos: Heloísa Maria (Miucha), Sérgio Filho (Sergito), Álvaro Augusto, Francisco (Chico), Maria do Carmo, Ana Maria e Maria Cristina, e faleceu na cidade de São Paulo. Dentre as suas obras merecem ainda destaque Cobra de Vidro (1934), Monções (1945) e Visão do Paraíso (1958).


HOLANDA, SÉRGIO BUARQUE DE (1902 - 1982)
Comentário crítico*
Embora mais conhecido como historiador, Sérgio Buarque é também importante crítico literário, tendo atuado em revistas modernistas e militado em vários suplementos e rodapés literários. Certamente essas duas facetas da produção intelectual de Sérgio Buarque não aparecem de modo tão radicalmente separadas e, volta e meia, pode-se reconhecer na produção ensaística do historiador a presença do estudioso da literatura e vice-versa. Basta lembrar sua tese de cátedra, Visão do Paraíso, as associações imaginárias e projeções do Novo Mundo com o encontro do paraíso terreal.
Sergio Buarque de Holanda, por Bertoni
Como nota Walnice Nogueira Galvão, nesse "livro, embora ninguém possa negar que se trata de um marco na historiografia, a contribuição dos estudos literários é enorme [...]". É sabido também que suas concepções sobre o Brasil expostas em sua obra mais conhecida, Raízes do Brasil, vêm a encontrar repercussão em contribuições decisivas da crítica literária brasileira para a cultura, como um clássico estudo de Antonio Candido (1918) sobre Manuel Antonio de Almeida (1831-1861) (Dialética da Malandragem) e os de Roberto Schwarz (1938) sobre Machado de Assis (1839 - 1908).
A atuação de Sérgio Buarque como crítico literário antecede o modernismo , com a publicação de artigos e crônicas nos anos de 1920 a 1922, nas páginas do jornal Correio Paulistano e das revistas A Cigarra e Fon-Fon, nos quais já se opõe ao repertório da velha crítica, externando convicções antipassadistas, que seriam abraçadas pelo futuro movimento. Sergio Buarque abre, assim, o caminho dos novos e estabelece uma primeira medida crítica que funciona como referência estética aos propósitos de ruptura modernista. No primeiro informe sobre o grupo paulistano, alerta para o embate que se anuncia entre os que, na ocasião, chama de beletristas e seus adversários futuristas.
Com a repercussão da Semana de 22, Sérgio vai fortalecer suas convicções antipassadistas e dar provas de sua cumplicidade na avaliação do ideário estético modernista, divulgando as manifestações dos integrantes da Semana, em notas e comentários publicados no periódico Mundo Literário e colaborando para as revistas modernistas como Klaxon e Terra Roxa. De acordo com Antonio Arnoni Prado, "não foi pequena a contribuição intelectual de Sérgio Buarque de Holanda nessa etapa da trajetória de 22. O diálogo iniciado com Blaise Cendrars (1887 - 1961), a criação da revista Estética, com Prudente de Moraes Neto (1895 -1 961), a revelação das fontes poéticas de Manuel Bandeira (1886 - 1968), a valorização precoce da estrutura sem unidade do João Miramar de Oswald de Andrade (1890 - 1954), o reconhecimento de um complexo arte-crítica-pesquisa em expansão na obra de Mário de Andrade (1893 - 1945)" são alguns dos exemplos a serem citados.
Sergio Buarque de Holanda
Toda sua produção crítica, incluindo os ensaios juvenis, é recolhida postumamente em dois volumes organizados por Arnoni Prado, sob o título de O Espírito e a Letra: Estudos de Crítica Literária (1948-1959). Mas, ainda em vida, Sérgio Buarque publica parte desses estudos em dois livros: Cobra de Vidro e Tentativas de Mitologia. Surpreendem nesses estudos a erudição e a abrangência temática, incluindo notícias de lançamentos, como é próprio dos rodapés literários. Tais estudos vão desde as análises detidas de poemas (nos seus aspectos temáticos e formais) até a consideração de questões mais amplas, como o romantismo ou o americanismo. A gama variada de autores e obras abordadas inclui nomes nacionais e estrangeiros, como Franz Kafka (1883-1924), Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), Ezra Pound (1885-1972), Lima Barreto (1881 - 1922), Gilberto Freyre (1900 - 1987), André Gide (1869-1951), João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999) e Thomas Hardy (1840-1928), entre muitos outros, sem falar no insistente diálogo com os modernistas.
Arnoni Prado considera como contribuições definitivas desse conjunto impressionante de artigos e ensaios a discussão inovadora de método e funções, com bibliografia atualizadíssima; a concepção da literatura como forma privilegiada de conhecimento; e a fidelidade aos deveres do crítico, ao acompanhar e questionar tudo o que cada geração vai sucessivamente realizando em literatura. No diagnóstico das principais tendências poéticas e críticas do período, surpreende o debate em torno dos ideais dos new critics e da recepção dessa corrente crítica norte-americana no Brasil. Como nota, mais uma vez, Arnoni Prado, a "discussão da teoria literária de língua inglesa" promovida por Sérgio Buarque, "como um contraponto da influência francesa que nos subjugava", resulta em "uma das mais fecundas avaliações do new criticism jamais feitas no Brasil".
Sergio Buarque de Holanda
Ao longo dos anos 1940 e 1950, Sérgio Buarque produz também vários capítulos para uma projetada obra sobre o barroco e o arcadismo que deixa inacabada e também só é publicada postumamente, com o título de Capítulos de Literatura Colonial. A pedido da viúva de Sérgio Buarque, Maria Amélia Buarque de Holanda, esse volume póstumo é organizado por Antonio Candido, que esclarece no prefácio a procedência do material aí reunido. Salvo um escrito panorâmico sobre a literatura colonial, feito talvez para palestra ou curso e recolhido em apêndice, as partes elaboradas ou rascunhadas destinam-se com certeza ao volume Literatura Colonial, que seria o 7º volume da História da Literatura Brasileira planejada no início dos anos 1940 por Álvaro Lins (1912-1970) para a Livraria Editora José Olympio, com a colaboração de importantes nomes como Roberto Alvim Correia, Astrojildo Pereira (1890-1965), Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), Alceu Amoroso Lima (1893-1983) e Otávio Tarquínio de Souza (1889-1959). Do planejado, entretanto, só são publicados dois volumes: o de Lúcia Miguel-Pereira (1901-1959), sobre a prosa de ficção, e o de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), sobre a literatura oral.
Sérgio Buarque continua a escrever e reelaborar os capítulos e chega a anunciar, em edições de outros de seus livros, uma obra em preparo com título de A Era do Barroco no Brasil (Cultura e Vida Espiritual nos Séculos XVII e XVIII) em três volumes, que deveriam incluir tais capítulos, mas não chegam a ser concluídos e lançados em vida. Na publicação póstuma, esses capítulos compreendem estudos sobre a poesia épica do período colonial (tratando do ideal heróico, das epopéias sacras, do mito americano e da Arcádia heróica), sobre o ideal arcádico e sobre Cláudio Manuel da Costa (1729-1789). Em apêndice, Candido inclui, além do Panorama sobre a Literatura Colonial, um estudo inacabado sobre Pe. Antonio Vieira (1608-1697).
Na apreciação de conjunto desses capítulos, o organizador chama a atenção para a maneira independente de conceber o período na sua relação com as literaturas matrizes e o relevo dado a certas obras e autores. Em termos metodológicos, Sérgio Buarque obedece a um sentido de continuidade vertical dos estilos de época, sem se amarrar ao corte horizontal das divisões de período (barroco, arcadismo...). Segundo Antonio Candido, "Sérgio acha que o Arcadismo e seu humanismo inovador foi um fato isolado, que nem repercutiu imediatamente, nem cortou o florescimento das tendências ligadas ao Barroco tardio". As análises inovam, também, ao demonstrar, na produção literária do período colonial, a profunda influência do poeta italiano Giambattista Marino (1569-1625), sobretudo, de sua obra La Strage degli Innocenti.
Sergio Buarque de Holanda, por (...)
A parte mais extensa do livro póstumo é um capítulo de mais de 250 páginas sobre Cláudio Manuel da Costa, considerado o mais profundo e original da crítica brasileira pelo organizador, que define o método empregado como "pesquisa da constituição do texto". E explica: "Não se trata da análise típica, voltada para dentro [...], mas de uma análise que parte do texto e se expande para fora dele, procurando vincular as suas expressões, os seus temas, a sua visão do mundo a fontes e análogos, de maneira a situá-lo num vasto tecido de cultura que mostra, ao mesmo tempo a sua singularidade e a sua integração em contextos gerais.
Para Candido, Sérgio demonstra que a literatura brasileira da Colônia é parte, ou seja, se integra à perspectiva mais ampla das literaturas do ocidente da Europa, apesar de apresentar alguns traços distintivos que lhe são peculiares. Esse olhar, por sua vez, se opõe e desconstrói um "nacionalismo estratégico" adotado pela crítica literária como forma de afirmação da identidade brasileira pós-independência.
No mesmo período em que se encontra envolvido com os estudos sobre a literatura colonial, Sérgio Buarque elabora uma conhecida antologia da produção poética do período (Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Colonial), que é parte do projeto realizado pelo Ministério da Educação, ao qual pertencem também as duas organizadas por Manuel Bandeira (sobre a poesia do romantismo e a do parnasianismo) e uma por Andrade Muricy (1895-1984) (sobre o simbolismo).
Sobre a qualidade estilística da prosa ensaística (historiográfica ou crítico-literária) de Sérgio Buarque de Holanda, nota Walnice Galvão: "Característica que perpassa a obra de ponta a ponta é a perícia estilística: estamos diante de um verdadeiro escritor, sem prejuízo dos méritos científicos daquilo que escreve. Em suma, um mestre da prosa, com certo pendor castiço e até clássico, ou classicizante, como que absorvendo a atmosfera linguística das fontes primárias que tanto prezava".
*Fonte: Enciclopédia literatura brasileira - Itaú Cultural. 



Sérgio Buarque de Holanda acompanhado de seus filhos: Álvaro, Francisco, Sérgio Filho, Maria do Carmo, Heloísa Maria, sua esposa Maria Amélia, sua neta Isabel Oliveira Gilberto (Bebel) no colo de Maria Cristina, Ana Maria e sua irmã Cecília, em sua residência à Rua Buri, por ocasião das comemorações de seu Aniversário.São Paulo, 11/07/1974. (foto Acervo SBH/UNICAMP)


"iluminar o presente com o passado, ou vice-versa"
- Sergio Buarque de Holanda

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