sexta-feira, 13 / fevereiro / 2015
Considerado o maior espetáculo a céu aberto do planeta, o Carnaval já teve seu potencial econômico comparado ao de indústrias petrolíferas. A festa envolve milhões de pessoas por todo o Brasil, numa cadeia produtiva que vai da extração da matéria-prima aos desfiles e consumos deles decorrentes. Porém, segundo a Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC) e especialistas, quando o assunto é o eixo Rio de Janeiro/São Paulo, dois aspectos por trás da indústria da folia precisam ser trabalhados para que sua essência identitária nunca se perca: a preservação e o fortalecimento das manifestações culturais por trás das escolas e agremiações.
No Brasil não existem orçamentos federais destinados exclusivamente à manutenção de festas como o Carnaval. O que existe, é um estímulo dos governos federal e locais que, junto à dedicação das agremiações, foliões e aos investimentos privados garantem a manutenção da festa nos locais onde ela é mais tradicional. O investimento é feito tendo em vista a importância do Carnaval como negócio, interessante à indústria, ao turismo e à economia nacional.
Manutenção da tradicionalidade - Os maracatus, afoxés, blocos afro e escolas de samba são traços históricos e culturais brasileiros que dão sustentação à imagem do Carnaval que as pessoas veem nos sambódromos. Preocupada com a proteção dessas manifestações enquanto movimentos de resistência, a Fundação enfatiza a necessidade de maior comprometimento do Estado. “Precisamos pensar alternativas para que essas riquezas sejam fomentadas no espaço de visibilidade internacional que é o Carnaval na avenida”, afirma Lindivaldo Júnior, diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-Brasileira (DEP/FCP).
Nilcemar Nogueira, diretora de Projetos Especiais do Centro Cultural Cartola, no Rio de Janeiro, ressalta o fato de o samba ter nascido nas camadas mais simples e pobres da sociedade e de as populações que o criaram terem sido excluídas por longa data das festas oficiais. “Foram tirados os poderes de construção e decisão dos detentores do samba”, explica. “São necessárias políticas para que a força e o controle sejam devolvidos a quem criou, de fato, o Carnaval, garantindo ainda, que o Brasil não perca suas referências identitárias”, completa.
Eixo Rio de Janeiro-São Paulo – Nas duas capitais, a marca registrada do Carnaval é o samba, gênero rítmico e musical de ascendência africana que já teve sua matriz reconhecida como patrimônio imaterial, histórico e cultural da humanidade. No Rio de Janeiro, o samba de terreiro, o partido-alto e o samba-enredo; em São Paulo, o samba urbano da cidade.
Nascido na roça no colonialismo ‒ um dos momentos mais tensos da história do Brasil ‒, a cada dia se afirma ao ponto de ser associado à manifestação da alma brasileira. De acordo com a socióloga Olga von Simson, da Universidade Estadual de Campinas (UniCamp), todos os sambas vêm de influência de Angola, dos povos Bantu. “Em cada local onde se fixavam no país, constituíam diferentes sambas conforme se misturavam com as tradições locais”, explica.
No Rio de Janeiro, os negros desembarcavam no Cais do Valongo, de onde eram encaminhados para os mercados de escravos e vendidos para fazendeiros de vários pontos do país. Apesar dos maus tratos que sofriam, os escravizados encontravam nos cantos e batuques, força para resistir e sobreviver. Em um primeiro momento, as letras do samba carioca relatavam a vida nos morros, o trabalho urbano, as dificuldades cotidianas. Hoje, a linha permanece, porém marcada por relatos de uma vida amena e humorada.
Já em São Paulo, constituído por populações que migravam do campo para a cidade e no contexto da crise da economia cafeeira, o samba abordava em suas letras o trabalho operário, uma representação das lidas nas lavouras do café. No estado, o samba também foi fortemente influenciado por outros ritmos percussivos, como o jongo-macumba, também conhecido por Caxambú. Com o tempo, as letras passaram a contemplar as novas rotinas, a repressão contra os sambistas, as crises econômicas e sociais vividas pela população.
Potencialização da cultura - De acordo com Nilcemar, a política de reconhecimento do patrimônio imaterial, pelo Governo Federal é bem direcionada na medida em que fortalece e visibiliza as atuações, porém, para que melhores resultados sejam alcançados, é importante a ampliação da salvaguarda patrimonial para cinco anos, no lugar de apenas três. “Se contínuos, esses anos seriam suficientes para que os aspectos culturais se fortalecessem e se consolidassem”, enfatizou.
Nilcemar destaca ainda, outro ponto a ser trabalhado: “É necessário o empenho conjunto entre os governos estaduais e municipais. São eles, os que acompanham a festa mais de perto, desde a organização à produção”, concluiu.
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