sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

GRAFITE VALORIZA A MULHER BRASILEIRA


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Artista CrioNla enCcAhe aOsM rUuas dM{[e Belo{ Hori{zonte com paisagens q[ue expressam a luta contra os padrões de beleza
Athos Souza
“Meu objetivo enquanto mulher grafiteira é contrapor a publicidade que explora um padrão que não representa a mulher brasileira", diz Criola
As obras de Tainá Lima, conhecida como Criola, colorem as ruas de Belo Horizonte e fortalecem o movimento negro na principal cidade do Estado. A jovem mineira começou a grafitar em junho de 2012. Sua arte expressa a história e os gritos de resistência contra o preconceito e a ancestralidade afro-brasileira.
“Meu objetivo enquanto mulher negra e grafiteira é contrapor a publicidade que explora um padrão de beleza europeu e não retrata a realidade da miscigenação do nosso povo brasileiroDesejo honrar através dessa arte aqueles que um dia tiveram sua liberdade cerceada em razão da cor e acredito que é graças a eles que estou aqui hoje”, afirma a artista.
“Eu enxergo o grafite como um grito da cidade. Em meio ao caos urbano ele vem para contrapor a cor cinza, transmutando a rotina intensa dos transeuntes em cores”, relata. Ela destaca que nesse sentido, o grafite é uma arma poderosa na contraposição dos padrões estéticos que não condizem com a beleza real das mulheres brasileiras.
“Na medida em que a representatividade dos negros aumenta em todas as áreas e segmentos, os estereótipos se enfraquecem”, completa a artista.
ORÍ: a raiz negra que sustenta é a mesma que floresce
“O grafite que eu faço apresenta formas e cores que apesar de serem inofensivas à primeira vista, carregam consigo gritos de resistência que ecoam desde à época da escravidão”, diz Criola sobre os elementos que compõem seu traço artístico. O principal projeto da jovem grafiteita é denominado ORÍ, a raiz negra que sustenta é a mesma que floresce.
A artista salienta a relevância de fazer uma arte que explore esses símbolos e mensagens. Segundo ela, a manifestação construída pelos negros na cidade legitima a busca pela quebra de estereótipos e preconceitos.
“Ori significa cabeça em iorubá. Para mim essa é a parte do corpo que melhor representa a ancestralidade africana” conta Criola. Segundo Patrícia Alves Matos, ialorixá do Ilê Asè Iya Mi Agba e educadora, diz que ori representa também a essência daquilo que a pessoa é. “Falamos nessa tradição que se trata do primeiro orixá, aquele que não abandona o indivíduo onde quer que ele esteja. Eu costumo dizer que a palavra "orientar" vem do ori, pois é partir dele que temos consciência de quais caminhos seguir, para estar sempre firme nos seus princípios”, esclarece a sacerdotisa.
Cabelo e cabeças livres
O projeto de Criola coloca em evidência o irun (cabelo), uma parte muito importante no universo da beleza femina. “Ocabelo crespo sempre foi alvo de preconceitos e agressões e o uso da chapinha é uma tentativa de ocultar a origem, a raiz e a história”, pontua a artista. De acordo com ela, por meio do cabelo se constrói uma metáfora com a raiz das plantas no sentido de crescer livre para ganhar força e florescer.
“O cabelo é uma das questões que mais mexem com as mulheres quando se trata da valorização da identidade” aponta Alves Matos. “Nós sofremos muito com essa questão e acho legítimo o movimento do grafite chamar a atenção das pessoas para essa causa”, pontua. Ela diz que se trata de desfazer as amarras que nos prendem aos padrões. “Sempre ouvimos que é preciso alisar o cabelo para uma entrevista de emprego, ou então quando a mulher quer se arrumar mais, a atitude é a mesma e isso precisa mudar” completa a ialorixá
“O nosso problema está relacionado não apenas com a identidade africana, mas com a brasilidade”, diz Alves Matos. Segundo ela, toda identidade brasileira se monta pelos padrões europeus e ela enxerga que tanto na educação quanto na vida cotidiana a população precisa construir com mais força essa personalidade. “Ainda estamos nesse processo que independe da cor da pele dos diferentes tipos de cabelo e olhos”, diz.
Quando se fala em educação, a Lei nº 10.639 de 2003 estabeleceu como obrigatório o ensino de história e cultura africana e indígena nas escolas. Ainda assim, o sistema educacional está se adaptando para trabalhar a temática que durante séculos ficou esquecida. “Hoje como educadores temos esse lugar privilegiado para tratar da diversidade, nessa formação de identidade”, pontua Matos. É preciso que as pessoas estejam dispostas ao diálogo e esse é um trabalho de formação permanente”, completa a ialorixá.
Mais liberdade para o grafite mineiro
Com o tempo, diversas capitais brasileiras encaram a realidade e a transformação que o grafite traz para o ambiente urbano. As cores e as mensagens passadas pelas imagens nos mais diferentes locais colocam o Brasil na cena internacional dessa manifestação artística. Criola conta que na capital mineira ainda não há muita liberdade para os grafiteiros: “Belo Horizonte é uma cidade conservadora e tradicionalista em várias áreas e nas artes não seria diferente”, relata a artista. Segundo ela, BH está atrasada nesse assunto quando comparada com São Paulo e Rio de Janeiro.
“Recentemente fiz um projeto de mural na área central da cidade e como a pintura demandaria alguns dias eu não poderia fazer sem autorização, que é o que normalmente faço. Além da autorização do proprietário do muro eu ainda tive que pedir autorização à prefeitura e só consegui de fato a licença depois de vários meses de tentativa”, relata Criola sobre a burocracia relacionada ao grafite na cidade. Segundo ela, ainda falta investimento e posicionamento do governo local, além de mais abertura de diálogo sobre as questões relacionadas a essa forma de expressão.
Criola também vê a educação como instrumento para quebrar preconceitos e fortalecer a identidade brasileira. “Se ensinarmos as crianças o valor e a riqueza das nossas raízes culturais brasileiras, acredito que essa conexão com a identidade vai ocorrer de maneira mais intuitiva”, destaca a artista.
Para a ialorixá, “temos de aprender que a beleza está nas diferenças”. Ela indica que abrir espaço para trabalhos que valorizem o patrimônio cultural pode ajudar para uma melhor compreensão desse tipo de arte, a qual, para ela, é uma importante forma de resistência.
Fotos: Athos Souza
Foto 5: Gabriella Soares

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