terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

E SE EM VEZ DOS POBRES, O ALVO DOS ESCULACHOS FOSSEM OS RICOS?

POR NATHALY MACEDO


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Todo rico tem alguma coisa da qual se orgulhar, seja real ou imaginária. O rico mantém uma obrigação de ser impreterivelmente melhor que todo mundo, inclusive que os outros ricos (porque melhor que os pobres ele já se considera, mesmo que não tenha um pingo de educação e bom senso).
Por Nathali Macedo Do DCM


O rico adora bajular os filhos, não importa o quão ruins eles sejam. O garoto é viciado em cocoaína e vai à faculdade uma vez por semana, mas a mãe faz questão de gritar, a plenos pulmões, pra toda e qualquer pessoa que se aproxime (especialmente para aquelas que não estão interessadas em ouví-la): “Ele vai se formar em medicina!”

Mesmo que o garoto faça racha com o carro do papai, passe as noitadas pedindo “a bebida que pisca” e agregando valor aos camarotes da vida, não saiba absolutamente nada sobre qualquer assunto (exceto sobre como gastar dinheiro), ele é um garoto de ouro, porque ter um garoto de ouro na família é sensacional.

Porque, para o rico, o importante é ser bem visto. É patético como ele vive em um teatro vinte e quatro horas por dia: ele sabe que o filho é um viciado, a filha é uma mimada burra e sem personalidade, o casamento vai mal e a família está em crise – e todas as outras pessoas ao redor também o sabem – mas passar a imagem de que tem uma vida perfeita é sua prioridade absoluta. Eles fingem que são felizes e os outros ricos infelizes fingem que acreditam.

Por isso o rico – especialmente aquele à beira da falência – não aceita não poder ter alguma coisa que o outro rico tem. É quase uma ofensa pessoal. Então, a mulher rica que é um pouco menos rica que a melhor amiga tem que ter uma jóia tão valiosa quanto a dela, mesmo que a reforma na casa seja adiada ou que precise parcelar. O rico precisa comprar um carro do ano para que continue se sentindo rico, mesmo que seu carro esteja funcionando perfeitamente.

O rico tem um discurso antidrogas patético. “Maconheiro” é a maior das ofensas para o rico, que dorme com uísque cawboy e acorda com rivotril – por isso rico é o bicho mais hipócrita que eu conheço. E adivinha quem são os maconheiros? Os universitários, os professores revolucionários, os “vândalos que destroem o patrimônio alheio”. O filho viciado em cocaína, ao contrário, é um cidadão de bem. E esse discurso – assim como todos os outros igualmente patéticos – não tem qualquer embasamento teórico. Por isso para um rico, todas as drogas têm igual efeito (menos as drogas lícitas, é claro): o de tornar as pessoas indesejáveis. E só.

Uma cultura incompreensível da classe A é a de ser mal-educado. Parece que você só faz parte efetivamente do distinto grupo das pessoas ricas se você desprezar o pobre e tudo o que lhe diz respeito, arrotar aos quatro ventos que você é melhor que o outro. Por isso aqueles filhos de ricos que resolvem fazer de conta que não se consideram melhores do que os outros – e são eventualmente de esquerda pra disfarçar o nojento ódio de classe impregnado em seus poros – são os garotos-problema das famílias ricas. Perdoa-se o filho usuário de cocaína, o que faz racha com o carro do papai, o que engravida a filha da empregada e viaja pra fora do Brasil pra não assumir – mas o que se mistura com os pobres é quase sempre renegado. “Vamos, tesouro, não se misture com essa gentalha!”
E, para a minha diversão, o filho do rico persiste naquele comportamento que irrita seus pais só pra se divertir um pouco naquela vida monótona em que nada mais é novidade. Alguém me traz uma pipoca?

O rico faz questão de parecer abastado culturalmente, mas em geral não o é. Preferiu fazer três viagens para a Disney do que conhecer os museus europeus ou as belezas naturais do Brasil. Diz que fala quatro línguas mas provavelmente não entende sequer a língua portuguesa e, geralmente, não se pode conversar com um rico sobre a situação política do país porque ele só sabe falar sobre corrupção. “São todos corruptos” é o seu bordão predileto para esconder a sua completa ignorância política.

O rico vai ao cinema assistir filmes hollywoodianos e reproduz as críticas cinematográficas que lê na internet para parecer inteligente, mas não faz idéia de quem seja Quentin Tarantino – e, quando faz, exclama agudamente: “Um horror, tem muito sangue! Por isso não gosto.”

Como todo bom perfeccionista, o rico precisa estar impecável em todos os momentos da vida. Botox, dieta dunkan, drenagem linfática, implante capilar e cirurgia íntima: Tudo precisa estar perfeito. E o mais curioso é que, em geral, eles permanecem feios mesmo depois de gastarem rios de dinheiro. Só que feios com a cara esticada e sem manchas.

O rico é aficionado por ostentação – mesmo que negue categoricamente, porque, para ele, ostentar é coisa de pobre que ouve rap. Ele acha ridículos aqueles clips em que os rappars jogam dinheiro pro ar e passeiam em carros rebaixados, mas acham o máximo contar para todo mundo que gastaram meio milhão de reais na festa de casamento do sobrinho ou que passaram férias na Europa. Ah, antes que eu esqueça, as fotos dos ricos nas redes sociais são sempre em alguma viagem internacional que fizeram: afinal, todos devem saber que eles são ricos e viajam para fora do país.

Pode ser uma foto em frente à torre Eiffel, ou na neve com uma toquinha de frio charmosa, ou em frente a um teleférico ou em um café francês. O importante é que a foto não tenha sido tirada em território brasileiro, porque até ser brasileiro é coisa de pobre pra ele. E por isso mesmo o rico adora tudo o que é internacional: perfumes, viagens, bebidas, línguas, pessoas.

E por isso mesmo ele adora expressões em línguas estrangeiras. Legendas em inglês, tatuagens em inglês e até conversas em inglês. Expressões francesas, costumes gringos, tudo isso é absolutamente chique para o rico. O zelador vira “Concierge”, a mercearia vira “delicatéssen”, o motorista vira Chofer, o cardápio vira Menu. Porque o rico, na verdade, despreza totalmente o português porque, se é de fora do país, é claro que é de bom gosto.

E o principal: o rico adora ser manchete, por isso alguns talvez amem esse texto, mas saiam por aí dizendo: “eu vejo como uma inveja!”
Realmente. Como são felizes. Babo de inveja.


Leia a matéria completa em: E se em vez dos pobres o alvo do esculacho fossem os ricos? Por Nathali Macedo - Geledés 
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