Um texto desabafo, que poderia ter sido escrito por alguém que mora aqui no Brasil ou em qualquer lugar, mas ele é morador do notoriamente liberal Upper West Side de Manhattan e, atordoado, acha que alguns candidatos (e devem ser republicanos) "transformarão a nós, gays, em motivo de piada e sacos de pancada. Acho que vou ouvir e ver grandes audiências aplaudindo e incentivando os dois. É um espetáculo nauseante, se você prestar atenção." (Franki Bruno)
O mesmo pensamento deve estar povoando a mente de tantos e tantos de nossos amigos e até familiares, quando escutam ou lêem que o Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, horroriza quando expõe suas ilúcidas opiniões a respeito do assunto. Vai ser mais uma luta que todos nós que desejamos a igualdade de direitos entre todos vamos ter que assumir para que não haja mais retrocesso neste país tão gigante e de tantas diversidades. (MF)
Frank Bruni
Que mundo mudado esse em que vivemos. Que mundo
avançado. O homem que amo e eu podemos nos casar em Nova York e em
outros 35 Estados, se nos organizarmos o bastante, se decidirmos que
queremos fazer votos em público e um bolo de festa --estou pensando em
um bolo "devil's food", por uma série de motivos, para selar nosso
compromisso.
Sou grato por isso. Na verdade, estou atordoado.
Porém, quando estamos andando pela rua depois de um longo jantar ou um filme triste e ele pega discretamente a minha mão, fico tenso. Olho em volta nervoso: tem alguém olhando? Observando? Sinto-me exposto, em perigo, e tenho razão para isso, mesmo aqui em Nova York, mesmo perto do meu apartamento no notoriamente liberal Upper West Side de Manhattan.
Há apenas dois anos e a dois quarteirões da minha casa, uma mulher embriagada que nos viu, gritou: "Então vocês são gays? Esses dois são gays!" Ela continuou gritando assim, pelo que pareceu uma eternidade.
Era a bebida falando, claro. Mas às vezes o álcool funciona como um soro da verdade, removendo o verniz da etiqueta para revelar a feiura por baixo dele.
Uma mulher heterossexual coloca uma foto sua com seu amado na mesa do escritório e isso é simplesmente decoração. Uma lésbica coloca o mesmo tipo de foto e isso é um ato de sinceridade louvável ou ousadia questionável: uma declaração, de qualquer forma que você veja. Ela sabe que os olhos de algumas pessoas se demorarão ali tempo demais ou desviarão de forma abrupta. Ela tem que decidir não se importar.
E um político que diz coisas horríveis e odiosas sobre gays e lésbicas ainda encontra uma recepção calorosa o bastante e bastante apoio em um dos dois nossos principais partidos políticos. O vencedor republicano da convenção de Iowa em 2012, Rick Santorum, disse que o casamento entre dois homens ou duas mulheres é tão parecido com o casamento entre um homem e uma mulher quanto uma árvore é parecida com um carro ou uma xícara de chá é igual a uma bola de basquete. Ele também colocou a homossexualidade e o incesto no mesmo bolo.
O mesmo fez Mike Huckabee, vencedor da convenção de Iowa em 2008. Ambos devem concorrer à nomeação para a disputa presidencial novamente, em um campo que provavelmente incluirá Ben Carson, que mencionou a homossexualidade e a bestialidade na mesma frase, e Ted Cruz, que recomenda orações fervorosas contra o que ele considera um ultraje que ameaça a sociedade: dois homens ou duas mulheres se casando.
Não espero que nenhum deles consiga a nomeação, em parte porque seu grau pronunciado e singular de mente fechada não cairá bem com o número de norte-americanos de cujo favor eles dependem. Um viva a isso.
Mas acho que, no caminho para a derrota, eles transformarão a nós, gays, em motivo de piada e sacos de pancada. Acho que vou ouvir e ver grandes audiências aplaudindo e incentivando os dois. É um espetáculo nauseante, se você prestar atenção.
Sarah Kate Ellis gostaria que você prestasse.
Ela é diretora da Glaad, um importante grupo de defesa dos direitos homossexuais, e ela e o grupo estão fazendo algo importante no momento. Eles estão tentando familiarizar os norte-americanos com a paisagem vasta e confusa além do punhado de questões políticas que fomentam a maior parte da cobertura midiática. Eles estão tentando estimar o território onde ainda é necessário um trabalho duro e ter certeza de que ele não seja ignorado.
"Queremos ter garantias de que o casamento seja visto como um marco, e não como a linha de chegada", disse ela. "Onde estão os corações e mentes dos norte-americanos?"
Para responder a essa pergunta, o Glaad encomendou uma pesquisa Harris Poll no final do ano passado. Eu pude dar uma primeira olhada nos resultados, que ressaltaram como os norte-americanos ainda se incomodam com pessoas gays, lésbicas e bissexuais --e, ainda mais que isso, com pessoas transgêneras.
Cerca de 30% das pessoas que responderam a pesquisa e não se identificaram como gay, lésbica, bissexual ou transgênero disseram que ficariam incomodadas em saber que seu médico ou o professor de seu filho se identificasse assim.
Perto de 45% disseram que ficariam incomodados em levar uma criança a um casamento entre pessoas do mesmo sexo. Trinta e seis por cento se sentem desconfortáveis ao ver um casal de mesmo sexo de mãos dadas.
E essas porcentagens provavelmente maquiam a verdade. Os entrevistadores descobriram que as pessoas normalmente dizem o que acham que devem dizer em vez daquilo que elas realmente sentem.
Seus sentimentos, em todo caso, são mistos e estão evoluindo. A pesquisa da Glaad é apenas a mais recente a capturar isso. Em uma pesquisa realizada pouco mais de um ano atrás pelo Public Religion Research Institute, 52% dos entrevistados disseram que sexo entre dois homens ou duas mulheres é moralmente errado.
Uma descoberta especialmente interessante na pesquisa da Glaad foi o tanto de incômodo que ainda existe mesmo entre os entrevistados que aprovam formalmente o casamento gay ou as uniões civis com benefícios plenos. Entre essas pessoas, 20% disseram que, apesar disso, se sentiriam incomodadas de comparecer a um casamento entre pessoas de mesmo sexo.
O que pode mudar isso, além da passagem do tempo?
Não há solução ou estratégia definitiva, mas Ellis enfatizou a importância de fazer com que as pessoas heterossexuais que estão totalmente confortáveis com os gays sejam mais assertivas em relação a isso --mais evangelizadoras, por assim dizer-- e reconheçam que a educação e a iluminação do país estão incompletas. A Glaad está concentrando suas energias nisso, com uma nova campanha chamada "Got Your Back" [algo como "Estou contigo"].
Há muita dor e loucura por aí, até hoje: um casal gay contou que seus filhos não são bem-vindos em uma escola particular; gays e transgêneros são feridos em crimes de ódio; adolescentes sofrem 'bullying' ou tiram a própria vida. Esse tipo de injustiça não se extinguirá por nenhuma decisão iminente do Supremo Tribunal sobre o casamento entre pessoas de mesmo sexo. Tampouco uma decisão como esta mudará o fato de que a maioria dos Estados nunca promulgou leis protegendo os gays de discriminação no trabalho.
Uma lei federal para isso finalmente foi aprovada no Senado no fim de 2013, quando a Casa era controlada pelos democratas, mas a Câmara liderada pelos republicanos nunca se preocupou em votar a lei. E não há como o atual Congresso enviar algo do tipo para o presidente Barack Obama assinar.
Eu nunca perco a perspectiva do quanto esse país avançou. Meu alívio normalmente supera o meu rancor. Mas celebrar ou cair na complacência é grosseiramente prematuro e é errado, porque eu tenho todo o direito de andar nas ruas do meu bairro sem medo, não importa quem esteja com os dedos entrelaçados com os meus.
Nossas mãos dadas não são um insulto ou uma provocação. É apenas uma expressão de carinho, de humanidade básica. Em um mundo mudado e avançado o bastante, isso seria uma parte inofensiva e despercebida do cenário.
Sou grato por isso. Na verdade, estou atordoado.
Porém, quando estamos andando pela rua depois de um longo jantar ou um filme triste e ele pega discretamente a minha mão, fico tenso. Olho em volta nervoso: tem alguém olhando? Observando? Sinto-me exposto, em perigo, e tenho razão para isso, mesmo aqui em Nova York, mesmo perto do meu apartamento no notoriamente liberal Upper West Side de Manhattan.
Há apenas dois anos e a dois quarteirões da minha casa, uma mulher embriagada que nos viu, gritou: "Então vocês são gays? Esses dois são gays!" Ela continuou gritando assim, pelo que pareceu uma eternidade.
Era a bebida falando, claro. Mas às vezes o álcool funciona como um soro da verdade, removendo o verniz da etiqueta para revelar a feiura por baixo dele.
Uma mulher heterossexual coloca uma foto sua com seu amado na mesa do escritório e isso é simplesmente decoração. Uma lésbica coloca o mesmo tipo de foto e isso é um ato de sinceridade louvável ou ousadia questionável: uma declaração, de qualquer forma que você veja. Ela sabe que os olhos de algumas pessoas se demorarão ali tempo demais ou desviarão de forma abrupta. Ela tem que decidir não se importar.
E um político que diz coisas horríveis e odiosas sobre gays e lésbicas ainda encontra uma recepção calorosa o bastante e bastante apoio em um dos dois nossos principais partidos políticos. O vencedor republicano da convenção de Iowa em 2012, Rick Santorum, disse que o casamento entre dois homens ou duas mulheres é tão parecido com o casamento entre um homem e uma mulher quanto uma árvore é parecida com um carro ou uma xícara de chá é igual a uma bola de basquete. Ele também colocou a homossexualidade e o incesto no mesmo bolo.
O mesmo fez Mike Huckabee, vencedor da convenção de Iowa em 2008. Ambos devem concorrer à nomeação para a disputa presidencial novamente, em um campo que provavelmente incluirá Ben Carson, que mencionou a homossexualidade e a bestialidade na mesma frase, e Ted Cruz, que recomenda orações fervorosas contra o que ele considera um ultraje que ameaça a sociedade: dois homens ou duas mulheres se casando.
Não espero que nenhum deles consiga a nomeação, em parte porque seu grau pronunciado e singular de mente fechada não cairá bem com o número de norte-americanos de cujo favor eles dependem. Um viva a isso.
Mas acho que, no caminho para a derrota, eles transformarão a nós, gays, em motivo de piada e sacos de pancada. Acho que vou ouvir e ver grandes audiências aplaudindo e incentivando os dois. É um espetáculo nauseante, se você prestar atenção.
Sarah Kate Ellis gostaria que você prestasse.
Ela é diretora da Glaad, um importante grupo de defesa dos direitos homossexuais, e ela e o grupo estão fazendo algo importante no momento. Eles estão tentando familiarizar os norte-americanos com a paisagem vasta e confusa além do punhado de questões políticas que fomentam a maior parte da cobertura midiática. Eles estão tentando estimar o território onde ainda é necessário um trabalho duro e ter certeza de que ele não seja ignorado.
"Queremos ter garantias de que o casamento seja visto como um marco, e não como a linha de chegada", disse ela. "Onde estão os corações e mentes dos norte-americanos?"
Para responder a essa pergunta, o Glaad encomendou uma pesquisa Harris Poll no final do ano passado. Eu pude dar uma primeira olhada nos resultados, que ressaltaram como os norte-americanos ainda se incomodam com pessoas gays, lésbicas e bissexuais --e, ainda mais que isso, com pessoas transgêneras.
Cerca de 30% das pessoas que responderam a pesquisa e não se identificaram como gay, lésbica, bissexual ou transgênero disseram que ficariam incomodadas em saber que seu médico ou o professor de seu filho se identificasse assim.
Perto de 45% disseram que ficariam incomodados em levar uma criança a um casamento entre pessoas do mesmo sexo. Trinta e seis por cento se sentem desconfortáveis ao ver um casal de mesmo sexo de mãos dadas.
E essas porcentagens provavelmente maquiam a verdade. Os entrevistadores descobriram que as pessoas normalmente dizem o que acham que devem dizer em vez daquilo que elas realmente sentem.
Seus sentimentos, em todo caso, são mistos e estão evoluindo. A pesquisa da Glaad é apenas a mais recente a capturar isso. Em uma pesquisa realizada pouco mais de um ano atrás pelo Public Religion Research Institute, 52% dos entrevistados disseram que sexo entre dois homens ou duas mulheres é moralmente errado.
Uma descoberta especialmente interessante na pesquisa da Glaad foi o tanto de incômodo que ainda existe mesmo entre os entrevistados que aprovam formalmente o casamento gay ou as uniões civis com benefícios plenos. Entre essas pessoas, 20% disseram que, apesar disso, se sentiriam incomodadas de comparecer a um casamento entre pessoas de mesmo sexo.
O que pode mudar isso, além da passagem do tempo?
Não há solução ou estratégia definitiva, mas Ellis enfatizou a importância de fazer com que as pessoas heterossexuais que estão totalmente confortáveis com os gays sejam mais assertivas em relação a isso --mais evangelizadoras, por assim dizer-- e reconheçam que a educação e a iluminação do país estão incompletas. A Glaad está concentrando suas energias nisso, com uma nova campanha chamada "Got Your Back" [algo como "Estou contigo"].
Há muita dor e loucura por aí, até hoje: um casal gay contou que seus filhos não são bem-vindos em uma escola particular; gays e transgêneros são feridos em crimes de ódio; adolescentes sofrem 'bullying' ou tiram a própria vida. Esse tipo de injustiça não se extinguirá por nenhuma decisão iminente do Supremo Tribunal sobre o casamento entre pessoas de mesmo sexo. Tampouco uma decisão como esta mudará o fato de que a maioria dos Estados nunca promulgou leis protegendo os gays de discriminação no trabalho.
Uma lei federal para isso finalmente foi aprovada no Senado no fim de 2013, quando a Casa era controlada pelos democratas, mas a Câmara liderada pelos republicanos nunca se preocupou em votar a lei. E não há como o atual Congresso enviar algo do tipo para o presidente Barack Obama assinar.
Eu nunca perco a perspectiva do quanto esse país avançou. Meu alívio normalmente supera o meu rancor. Mas celebrar ou cair na complacência é grosseiramente prematuro e é errado, porque eu tenho todo o direito de andar nas ruas do meu bairro sem medo, não importa quem esteja com os dedos entrelaçados com os meus.
Nossas mãos dadas não são um insulto ou uma provocação. É apenas uma expressão de carinho, de humanidade básica. Em um mundo mudado e avançado o bastante, isso seria uma parte inofensiva e despercebida do cenário.
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