sábado, 17 de setembro de 2016

À PROCURA DE UMAMULHER BELA, PRENDADA E DO LAR

Num sebo da Rua da Praia encontro um velho livro de poesias de Pablo Neruda, Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada. Abro e começo a ler o primeiro deles, ainda de pé, diante da estante de livros:


Corpo de mulher, brancas colinas, brancas coxas,

Te parecem ao mundo em tua atitude de entrega.

O meu corpo de campônio selvagem te escava

e faz saltar o filho do fundo desta terra.

Fui só como um túnel. De mim foram-se os pássaros

E em mim a noite entrava com sua invasão poderosa

Para sobreviver, me forjei como uma arma,

Como uma flecha em meu arco, como uma pedra em minha funda

Porém chega a hora da vingança …e te amo.

Nisso, se despregam do meio do livro duas folhas de papel de carta, esmaecidas pelo tempo. As recolho do chão e antes de colocar novamente entre as páginas do Neruda, vejo que são cartas de amor.

Comprei o livro e ganhei como presente as cartas.Uma delas é um pedido de aconselhamento sentimental e a outra a sua resposta.

Na primeira, alguém escreve para o conselheiro Júlio Louzada, contando suas mágoas de amor e na segunda, está o conselho.

Descubro no Google (as pessoas viviam cheias de dúvidas antes do Google) que na década de 50, o sabonete Eucalol fez uma promoção entre os compradores do produto e a Rádio Tamoio, do Rio de Janeiro. Em cada embalagem, havia um papel de carta e em envelope para que os interessados escrevessem para o conselheiro Júlio Louzada. As melhores cartas seriam lidas ao vivo na rádio e o missivista recebia uma resposta assinada pelo próprio Júlio

O que estava escondido nas páginas do Neruda eram essas cartas.

Creio que não cometo uma inconfidência muito grande, revelando alguns trechos da carta do remetente, que assinava com o pseudônimo de Perdido de Amor (a promoção preservava os nomes dos participantes) e da resposta, porque afinal já fazem mais de 60 que as cartas foram escritas, e todos interessados devem estar mortos. Diz a primeira carta:

:

“Isso é uma declaração de amor a uma mulher, que depois de anos de uma vida em comum, me mandou embora.

Devia odiá-la pela traição, mas não consigo.

Em vez de saudar a libertação, choro a perda.

Imaginá-la com outro, causa uma dor na alma.

Veja o ridículo a que me exponho. Um ateu falando em alma.

É claro que é num sentido figurado.

A alma está dentro da cabeça que não para de pensar nela”.

Na sua resposta Júlio Louzada lamenta que ele se declare ateu e diz que a perda da fé em Deus pode ter sido a responsável pela separação e dá um conselho prático.

“Arrume urgentemente uma nova mulher, porque, como diz a Bíblia, homem nenhum pode viver sem uma mulher que cuide dele.

Só procure uma mulher que seja bela (aos seus olhos, pelo menos), prendada (que saiba lavar, passar e cozinhar) e do lar (não uma dessas que trocam o dia pela noite) e seja feliz”.

Fiquei curioso em saber se o Perdido de Amor conseguiu essa mulher ideal e se viveu feliz mais alguns anos.

Isso, nem o Google respondeu.

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