REVISTA NAQUIAVEL
Pela cultura e pela educação, desconstruir práticas racistas, valorar artistas negros e criar um espaço acolhedor para o público negro
“Pela entrada de negras e negros nos espaços de decisão política, pelo entendimento de que negros e negras precisam ter estímulos financeiros para a ampliação de suas capacidades empreendedoras, pelo reconhecimento de que o antirracismo deve ser uma regra primeira e inegociável para a gestão pública, assim como para empresas e organizações em geral”
O Coletivo Sistema Negro surge no final de 2013 como um grupo de afinidades, amigos negros de periferia que nesse momento histórico tinham a possibilidade de morar ou circular por regiões mais centrais ou de classe média de São Paulo. Por causa dessa circulação e absorção de culturas mais centrais geridas pela classe média branca, percebemos que éramos, muitas vezes, os únicos negros nesses contextos. Este quadro comum a todos evidenciou um panorama de pouco acesso a situações de protagonismo — nas quais, por sermos os únicos negros, éramos fetichizados ou silenciados. Além disso, sempre tivemos a preocupação com a crescente apropriação de elementos da cultura negra — música, religiosidade, estética, costumes etc — como mero entretenimento por grupos formados por pessoas brancas, que se apropriam das remanescências do discurso freyreano-modernista que evidenciam a miscigenação como um processo de embranquecimento, já que a cultura “nacional” que eles tanto celebram, a cultura do outro, é sempre colocada em posição de exotismo.
Para fazer frente a isso começamos a nos reunir para traçarmos táticas de ocupação nas mais diversas frentes de ação, táticas para combater práticas racistas. Por meio da música, arte, cultura, educação e produção audiovisual temos o objetivo de desconstruir práticas racistas por meio de ações que valorizem e divulguem artistas negros ao mesmo tempo em que criam um espaço acolhedor e seguro para o público negro. Uma vez que a ampliação da presença de negros na economia das classes médias não teve como acompanhamento a ampliação da presença de negros na produção e gestão cultural, não foram postos em cheque os padrões político-culturais que caracterizam o cenário artístico/ativista existente na cidade de São Paulo. Assim como outros grupos e ativistas, somos resultado negro das políticas públicas, afirmativas e do progressismo social do governo federal das últimas décadas, ou seja, a gestão de Lula e Dilma do PT.
Vemos um backlash enorme de um pensamento mais conservador. A existência de grupos que se organizem horizontalmente é muito importante como resposta
O coletivo é formado hoje por onze pessoas, sendo dez homens e uma mulher, Isis Carolina Vergílio, que entrou no grupo a pouco mais de um mês, e a entrada dela foi fruto de questionamentos e provocações de três integrantes que faziam parte da gênese do coletivo, Renata Felinto, Lúcia Udemezue e Fernanda Amaru, mulheres negras, artistas, produtoras, educadoras e mães, que sentiram a pressão da forma de organização que estávamos definindo na época, pois, não considerávamos as dificuldades das mulheres e mães negras que na maioria das vezes contam com pouco ou nenhum auxílio para o cumprimento das tarefas diárias, cuidado dos filhos e trabalho. Os questionamentos delas em relação ao machismo que praticávamos de forma estrutural, nos permitiu corrigir a rota e entender como essa estrutura estava enraizada nas nossas formas de organização coletiva.
Atuamos principalmente na área da cultura, potencializando encontros e iniciativas negras, e entendemos cultura como um fazer político, e nesse sentido o Coletivo Sistema Negro é um coletivo de atuação política, pois se identificar como negro e afirmar a cultura negra em um Brasil racista, é um ato político. Assim, dialogamos politicamente com instituições públicas e privadas, e o poder público, enfatizando sempre a necessidade de inserir a população negra nos espaços de construção e tomada de decisão na sociedade e ajudando na solidificação de uma rede de produtores e empreendedores negros. Acreditamos que o discurso firmado em uma classe média que diz “cidade para as pessoas” deve ser pensado também por meio de um recorte racial, ampliando a visão para além da experiência branca e classe média na cidade, que sempre foi o discurso hegemônico e universalizante. Os príncipios que norteiam nosso pensamento são: a luta (1) pela entrada de negras e negros nos espaços de decisão política, (2) pelo entendimento de que negros e negras precisam ter estímulos financeiros para a ampliação de suas capacidades empreendedoras e (3) o reconhecimento de que o antirracismo deve ser uma regra primeira e inegociável para a gestão municipal, estadual e federal, assim como para empresas e organizações em geral.
Sempre que possível atuamos em parceria com outros grupos, coletivos e ativistas que tenham trabalhos e ideias que caminhem em direções parecidas com as nossas. Acho importante citar algumas dessas parcerias como Ezio Rosa, do Bicha Nagô, que problematiza a heteronormatividade na comunidade negra; a Gira das Mães Pretas, uma roda de conversas e trocas de experiências entre mulheres e mães negras, evidenciando as dificuldades causadas pelo machismo; e o quilombo cultural mais acolhedor de São Paulo, o Aparelha Luzia, que hospeda as atividades de vários grupos e artistas negros. Essas parcerias nos ajudam no compartilhamento de saberes e desenvolvimento de afetos. Acreditamos que política também deve ser feita através do afeto.
Portanto, nesses três anos de existência, nos permitimos experimentar relações e táticas de ação que pudessem enegrecer espaços políticos e culturais, e no contexto político atual, no qual vemos um backlash enorme de um pensamento mais conservador, que retira direitos adquiridos por lutas históricas e pretende barrar os avanços sociais que tivemos, acho que a existência de grupos que se organizem horizontalmente é muito importante como uma forma de resposta para essa onda conservadora.
Devires é uma série da Maquiavel que reúne o depoimento de grupos políticos que despontam na cena brasileira contemporânea.
O Coletivo Sistema Negro surge no final de 2013 como um grupo de afinidades, amigos negros de periferia que nesse momento histórico tinham a possibilidade de morar ou circular por regiões mais centrais ou de classe média de São Paulo. Por causa dessa circulação e absorção de culturas mais centrais geridas pela classe média branca, percebemos que éramos, muitas vezes, os únicos negros nesses contextos. Este quadro comum a todos evidenciou um panorama de pouco acesso a situações de protagonismo — nas quais, por sermos os únicos negros, éramos fetichizados ou silenciados. Além disso, sempre tivemos a preocupação com a crescente apropriação de elementos da cultura negra — música, religiosidade, estética, costumes etc — como mero entretenimento por grupos formados por pessoas brancas, que se apropriam das remanescências do discurso freyreano-modernista que evidenciam a miscigenação como um processo de embranquecimento, já que a cultura “nacional” que eles tanto celebram, a cultura do outro, é sempre colocada em posição de exotismo.
Para fazer frente a isso começamos a nos reunir para traçarmos táticas de ocupação nas mais diversas frentes de ação, táticas para combater práticas racistas. Por meio da música, arte, cultura, educação e produção audiovisual temos o objetivo de desconstruir práticas racistas por meio de ações que valorizem e divulguem artistas negros ao mesmo tempo em que criam um espaço acolhedor e seguro para o público negro. Uma vez que a ampliação da presença de negros na economia das classes médias não teve como acompanhamento a ampliação da presença de negros na produção e gestão cultural, não foram postos em cheque os padrões político-culturais que caracterizam o cenário artístico/ativista existente na cidade de São Paulo. Assim como outros grupos e ativistas, somos resultado negro das políticas públicas, afirmativas e do progressismo social do governo federal das últimas décadas, ou seja, a gestão de Lula e Dilma do PT.
Vemos um backlash enorme de um pensamento mais conservador. A existência de grupos que se organizem horizontalmente é muito importante como resposta
O coletivo é formado hoje por onze pessoas, sendo dez homens e uma mulher, Isis Carolina Vergílio, que entrou no grupo a pouco mais de um mês, e a entrada dela foi fruto de questionamentos e provocações de três integrantes que faziam parte da gênese do coletivo, Renata Felinto, Lúcia Udemezue e Fernanda Amaru, mulheres negras, artistas, produtoras, educadoras e mães, que sentiram a pressão da forma de organização que estávamos definindo na época, pois, não considerávamos as dificuldades das mulheres e mães negras que na maioria das vezes contam com pouco ou nenhum auxílio para o cumprimento das tarefas diárias, cuidado dos filhos e trabalho. Os questionamentos delas em relação ao machismo que praticávamos de forma estrutural, nos permitiu corrigir a rota e entender como essa estrutura estava enraizada nas nossas formas de organização coletiva.
Atuamos principalmente na área da cultura, potencializando encontros e iniciativas negras, e entendemos cultura como um fazer político, e nesse sentido o Coletivo Sistema Negro é um coletivo de atuação política, pois se identificar como negro e afirmar a cultura negra em um Brasil racista, é um ato político. Assim, dialogamos politicamente com instituições públicas e privadas, e o poder público, enfatizando sempre a necessidade de inserir a população negra nos espaços de construção e tomada de decisão na sociedade e ajudando na solidificação de uma rede de produtores e empreendedores negros. Acreditamos que o discurso firmado em uma classe média que diz “cidade para as pessoas” deve ser pensado também por meio de um recorte racial, ampliando a visão para além da experiência branca e classe média na cidade, que sempre foi o discurso hegemônico e universalizante. Os príncipios que norteiam nosso pensamento são: a luta (1) pela entrada de negras e negros nos espaços de decisão política, (2) pelo entendimento de que negros e negras precisam ter estímulos financeiros para a ampliação de suas capacidades empreendedoras e (3) o reconhecimento de que o antirracismo deve ser uma regra primeira e inegociável para a gestão municipal, estadual e federal, assim como para empresas e organizações em geral.
Sempre que possível atuamos em parceria com outros grupos, coletivos e ativistas que tenham trabalhos e ideias que caminhem em direções parecidas com as nossas. Acho importante citar algumas dessas parcerias como Ezio Rosa, do Bicha Nagô, que problematiza a heteronormatividade na comunidade negra; a Gira das Mães Pretas, uma roda de conversas e trocas de experiências entre mulheres e mães negras, evidenciando as dificuldades causadas pelo machismo; e o quilombo cultural mais acolhedor de São Paulo, o Aparelha Luzia, que hospeda as atividades de vários grupos e artistas negros. Essas parcerias nos ajudam no compartilhamento de saberes e desenvolvimento de afetos. Acreditamos que política também deve ser feita através do afeto.
Portanto, nesses três anos de existência, nos permitimos experimentar relações e táticas de ação que pudessem enegrecer espaços políticos e culturais, e no contexto político atual, no qual vemos um backlash enorme de um pensamento mais conservador, que retira direitos adquiridos por lutas históricas e pretende barrar os avanços sociais que tivemos, acho que a existência de grupos que se organizem horizontalmente é muito importante como uma forma de resposta para essa onda conservadora.
Devires é uma série da Maquiavel que reúne o depoimento de grupos políticos que despontam na cena brasileira contemporânea.
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