JORNAL CGN
SAB, 17/09/2016 - 10:06
ATUALIZADO EM 17/09/2016 - 10:27
Sempre fui tolerante com a opinião contrária e admirador, quando bem embasada. A boa discussão é aquela em que os dois lados saem com a opinião mudada, um pelos argumentos do outro.
Mas, admito, o senso comum é um saco, venha de onde for. Não tenho mais a menor paciência para discussões de senso comum nem em mesa de bar, especialmente quando revestido da arrogância dos que, sendo néscios, assumem o ar superior de quem viu a verdade. É o que mais se tem hoje em dia.
Quando a pessoa tem renome em outra área, tenho uma saída padrão, que utilizei outro dia com uma notável violonista erudita que se imagina de direita, querendo discutir política no bar do Alemão:
- Prezada, jamais ousaria discutir violão clássico com você.
Anos atrás me vali desse expediente contra uma notável sambista, que se imaginava de esquerda, trocando o violão erudito pelo pagode.
Na mídia, desde sempre, o que mais se vê, se lê se ouve é o senso comum. Escrevi sobre isto no "Jornalismo dos anos 90". Trouxeram para os jornais uma profusão de colunistas, no mesmo período do advento do âncora de TV e rádio. Para competir - e para não ter que ler muito - vários deles passaram a exprimir o senso comum. O leitor estava indignado com algum episódio? Em vez de estudar, analisar e explicar para o leitor, o sujeito preferia mostrar-se solidário e indignar-se. Era um festival de indignação diário de provocar engulhos no estômago.
A praga das opiniões vazias nas redes sociais contaminou o que deveria ser o ambiente diferenciado das redações. O que se vê, agora, é o cronista musical caçoando da ex-presidente por não conseguir captar uma ironia simples com a palavra "nuvem", referindo-se a armazenamento em nuvem. O sujeito que nada entende de energia, mostra-se um técnico superior, ao caçoar do "engarrafando o vento", uma expressão do setor para sistemas de armazenamento da energia eólica.
Afinal, se o leitor zurra, que ele também zurre para ser bem compreendido. E fica isso, uma récua zurrando em uníssono, mostrando-se sábios, superiores, porque eles sabem que é impossível engarrafar o vento.
Mas, convenhamos, a análise do discurso do Lula por Jô Soares e as "meninas” transcendeu a visão mais pessimista sobre mídia.
Todas se debruçam sobre uma afirmação de Lula: "País rico é país sem pobres". O âncora puxa o deboche, da mesma maneira que os animadores de auditório em programas ao vivo. Estica a placa "riem e debochem da frase país rico é país sem pobres". Batida a claquete, todas fazem um ar inteligente e começam a caçoar, a rir, a rir exageradamente, a gargalhar às escâncaras, com a sabedoria de um jumento (perdoem a comparação) gargalhando ante um texto de Hegel, perdão, Engels - apud os bravos procuradores do Ministério Público paulista, doutos e sábios ante a vítima ignorante.
A frase de Lula está na base da discussão de todas as políticas de desenvolvimento da segunda metade do século 20.
1. A riqueza de um país sempre foi medida pelo PIB (Produto Interno Bruto). Nessa lista, o Brasil é a 7a economia do mundo.
2. No entanto, pôde-se ter um PIB muito alto, e permanecer pobre. Uma das métricas é o PIB per capita (a riqueza dividida pelo número de habitantes). Nessa lista, o Brasil é a 70a economia do mundo. Atenção, "meninas": captaram?
3. No entanto, o PIB per capita não registra a miséria corretamente porque é uma média. Se houver poucos grupos muito ricos e muitos grupos muito pobres, a média distorcerá a realidade. A maneira de medir a distribuição de riqueza é através do Índice de Gini, uma metodologia desenvolvida em 1912 pelo estatístico italiano Corrado Gini. É uma métrica que vai de 0 a 1. Quanto mais perto de 1, maior é a desigualdade, e vice-versa. Em 2008 o Índice de Gini do Brasil era de 0,544. Em 2014, de 0,49. No sul, é de 0,442; no Nordeste, de 0,501. Para efeito de comparação, é maior que no México (0,479), que na China (0,470), que nos Estados Unidos (0,45) e que na Noruega (0,25).
4. Mas o Índice de Gini não mede a pobreza em sua forma ampla. Dai o desenvolvimento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que mede um conjunto mais amplo de fatores, incluindo acesso a serviços públicos. O Brasil ocupa a 75a colocação.
Entenderam porque é possível construir países ricos com muitos pobres?
Ainda não foi criado um índice de desinformação geral do jornalismo pátrio. Ainda bem, porque seria capaz do país figurar na lanterna dos países ao sul do Equador.
Deu vontade de dizer para as “meninas”:
- Não ouso discutir... não ouso discutir...
Infelizmente nenhuma especialidade me vem à cabeça.
Jornalismo? Não é o caso. Maquiagem? Seria de uma misoginia indesculpável. Humor? Arrogância não combina com humor: no máximo, serve de alvo.
Aliás, combina. A Escolinha do Professor Raimundo é o modelo na qual se inspirou essa velha-nova escola de jornalismo, na qual jornalistas aceitam se rebaixar à condição de jurados de programas de auditório
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