Ontem, depois de muito tempo, assisti a mais de alguns minutos de televisão aberta. O que eu vi me deixou esperançoso de um lado e temeroso de outro.
Com o início da novela das 21h, Babilônia, vi o casamento entre duas senhoras, tão sonhado e planejado quanto odiado e menosprezado. Se eu direciono meu olhar para achar beleza e ternura naquela troca de olhares, muita gente acha o contrário. O que mais chama a atenção no entanto foi um fato curioso e que, por acontecer rapidamente, não permite a todos perceberem: não houve beijo que selasse o casamento entre duas mulheres. Esse deve ser, sem sombra de dúvidas o ÚNICO casamento interpretado em uma novela das 21h onde não houve o beijo entre noivos - ou no caso, noivas.
É a partir disso que começa meu espanto. Poucas horas depois, começa o programa "Na Moral", onde o apresentador e mediador Pedro Bial convida algumas pessoas para debaterem um tópico na moral, ou seja, sem papas na língua. "Quer falar, então fala", é assim que funciona. No primeiro bloco, foram convidados o pastor Silas Malafaia, o dramaturgista Sílvio de Abreu, Jô Soares (que dispensa apresentações) e a desembargadora Maria Berenice Dias. Além deles, foram convidados os maiores e melhores convidados da televisão: os telespectadores. No sofá do BBB, havia uma família considerada média e representativa da família brasileira, presente em três gerações - avó, filhos e netos -, dessas que respondem questionário do IBGE. Ou seja, havia o lado da lei, o lado da religião, o lado artístico e o lado do espectador.
O que vi ali foi incrível - para o bem e para o mal.
(Para não alongar o texto, sugiro assistir ao programa
Sob o tópico "Mudanças no padrão do telespectador", debateram-se basicamente dois assuntos: sexo e homossexualidade na televisão. Embora fosse de se esperar que a presença de Silas Malafaia apimentasse a discussão com pontos de vista distoantes aos dos outros convidados, o que destaca aos olhos são as reações da família Carvalho. É inegável que cumpriram seu papel perfeitamente: foram a típica família brasileira. E exatamente por isso que temo o que está por vir.
O pastor foi convidado para causar confusão, Sílvio de Abreu era esperado que defendesse a liberdade artística de criação e Jô Soares fez as melhores piadas (embora contundentes) que poderiam ser feitas. Enquanto isso, a família observava e comentava sobre a presença de bundas nas novelas, o sexo - explícito onde? - nas programações e a presença de personagens LGBT.
Termos errados para cá, homofobia disfarçada de "não tenho problema com gay, inclusive tenho uns na família MAS..." para lá, o saldo da conversa é: temos uma sociedade dividida.
Não é uma divisão entre PT ou PSDB, Corinthians ou Flamengo, católico ou evangélico. A divisão acontece entre dois modelos antagonistas de sociedade, de um lado a que estimula a diferença e de outro a que condena. Ou seja: enquanto uns dizem "Vá em frente, seja você mesmo", outros dizem "Calma lá, não é bem assim, meu filho está vendo. O que vou dizer a ele?"
Essa é uma ótima pergunta. Você deve dizer a verdade, que existe homem que gosta de homem, existe mulher que gosta de mulher, que tem gente que não gosta de nada e outros que, pelo contrário, querem um pouco de tudo. No fundo, percebemos uma coisa: dá medo empoderar as pessoas a tomar as próprias escolhas. Elas ficam fora do nosso controle, começam a fazer coisas por conta própria. Tem coisa mais perigosa do que ter a liberdade de fazer suas escolhas de maneira autônoma?
Tem sim. Não poder fazê-las. Ao mesmo tempo que pode-se escolher ensinar como o mundo é de verdade, tem muita gente que finge que o outro não existe, que é inferior ou errado. E ao não ensinar o que acontece na realidade, a família brasileira tem deixado de lado gays, lésbicas, travestis, transsexuais, negros, mulheres, idosos, crianças, índios, hippies, comunistas, anarquistas, liberais, capitalistas, homens, brancos, pardos...
Por isso, não digo fim à família brasileira. Digo acorde.
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