História de amor e morte pode mudar rumo do casamento gay nos EUA. Caso de Jim Obergefell, que cuidou do marido até que ele morresse, está no centro da ação que tramita na Suprema Corte americana
Jim Obergefell (USToday)
“Quando conheci meu marido, eu soube que queria ficar com ele pelo resto da minha vida, até que a morte nos separasse. A maioria das pessoas sente isso quando encontra o amor de sua vida”, diz o americano Jim Obergefell, 48 anos, ao falar sobre John Arthur, seu parceiro por 21 anos.
“Mas a maioria das pessoas não imagina que a hora de se separar vai chegar tão cedo. Ou pelo menos, quando a hora chega, elas não imaginam que terão de lutar pela dignidade básica de ter seu casamento reconhecido”, afirma, em um texto publicado pela organização de direitos civis União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês).
A história de Obergefell e Arthur ganhou atenção nacional e está no centro da ação na Suprema Corte (a mais alta instância da Justiça americana) que pode mudar os rumos do casamento gay nos Estados Unidos.
Atualmente, 13 Estados americanos ainda reconhecem somente casamentos entre um homem e uma mulher, mas isso pode mudar dependendo da decisão da Suprema Corte, esperada para junho.
Criado em uma família católica de seis filhos, Obergefell conta que Arthur foi seu primeiro relacionamento sério.
Eles se conheceram em 1992 e durante duas décadas construíram uma vida juntos em Cincinnati, no Estado de Ohio, cidade que já chegou a ser eleita a “mais antigay” do país, mas que atualmente é considerada mais tolerante.
Jim Obergefell cuidou do marido John até que ele morresse (New York Times)
Obergefell diz que, durante a maior parte do relacionamento, não pensavam que poderiam se casar, por serem gays.
“Apesar de sermos como qualquer outro casal que se ama que conhecíamos, a nós era negada a proteção e a dignidade que vêm com o casamento”, relata.
Casamento no avião
Isso mudou em 2013, quando uma decisão histórica da Suprema Corte abriu caminho para que casais do mesmo sexo tivessem acesso a benefícios federais até então exclusivos para heterossexuais.
Ao ver a notícia pela TV, eles decidiram se casar, sabendo que não tinham muito tempo.
A essa altura, Arthur estava preso a uma cama. Dois anos antes, em 2011, ele fora diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica, doença que não tem cura, e começou a perder o controle de seus movimentos musculares e a fala.
Como o Estado onde viviam, Ohio, não permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, eles arrecadaram US$ 13 mil com familiares e amigos e alugaram um jato com equipe médica para viajar a Maryland, Estado onde o casamento gay é permitido.
Em 11 de julho de 2013, Obergefell e Arthur trocaram votos e alianças em uma cerimônia de menos de dez minutos, realizada dentro do avião, na pista de um aeroporto em Baltimore.
Certidão de óbito
Ao voltar para casa, entraram com uma ação para que o casamento fosse formalmente reconhecido na certidão de óbito, quando Arthur morresse. Após decisão favorável de um juiz federal, o Estado de Ohio recorreu, e o caso chegou à Suprema Corte.
Arthur morreu três meses após o casamento, em outubro de 2013, aos 47 anos.
“Tive a honra de cuidar de John enquanto a doença lhe roubava todas as capacidades”, lembra Obergefell.
“A ideia de que John pudesse ser identificado como ‘solteiro’ e que o campo do ‘esposo’ ficasse vazio em sua certidão de óbito nos partia o coração.”
Assim, Obergefell, que diz nunca ter pensado em se tornar um ativista pelos direitos dos gays, acabou se tornando um dos principais personagens no debate em torno do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos.
Outras histórias
Sua história, porém, não é a única. A ação Obergefell vs. Hodges, que a Suprema Corte analisa a partir desta terça-feira, consolida os casos de 19 homens e 12 mulheres em quatro Estados: Kentucky, Michigan, Ohio e Tennessee.
As enfermeiras April DeBoer e Jayne Rowse, moradoras de um subúrbio de Detroit, em Michigan, iniciaram sua ação não pelo casamento gay, mas pelo direito de que ambas fossem reconhecidas legalmente como mães de seus quatro filhos adotivos, com idades entre 2 e 6 anos.
Cada uma adotou duas crianças, mas as leis de Michigan só permitem a adoção conjunta para casais. Elas esperam poder ser reconhecidas não apenas como um casal, mas como uma família, e planejam adotar uma quinta criança.
Greg Bourke e Michael DeLeon, de Kentucky, se casaram no Canadá em 2004. Cansados de não ter acesso aos mesmos benefícios de casais heterossexuais em seu Estado, entraram com uma ação em 2013 para ter o casamento reconhecido.
Para Pam e Nicole Yorksmith, que moram em Kentucky e trabalham em Ohio, a motivação para entrar na Justiça foi um ataque de tosse e dificuldade para respirar do filho Orion, então com quatro meses.
As duas tinham dois filhos, concebidos por inseminação artificial, quando decidiram iniciar uma família. Mas quando Pam levou o bebê ao pronto-socorro de um hospital, os médicos exigiram entrar em contato com a mãe biológica, Nicole, antes de prestar atendimento.
Há também o caso de Luke Barlowe e Jimmy Meade, moradores de Kentucky, que se conheceram em 1968 e casaram em 2009, no Estado de Iowa.
Em entrevista à imprensa americana, eles contam que, apesar dos mais de 40 anos juntos, ainda não dão as mãos quando estão em público. Eles dizem esperar que uma decisão favorável possa beneficiar a nova geração.
BBC Brasil, Alessandra Corrêa
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